Já que quarta-feira é dia de mães empreendedoras na plataforma Mães Mundo Afora pensei em escrever um texto diferente dos outros que já escrevi ate então. Desta vez, não vou contar minhas vivências pessoais e sim compartilhar um pouco de teorias e reflexões sobre o empreendedorismo feminino.
Pesquisas sobre o empreendedorismo
O termo “empreendedorismo” ganhou destaque, no Brasil, a partir da década de 1990. Já na Economia ele é bastante utilizado desde o século XVIII para se referir às pessoas que estimulavam o progresso econômico em quaisquer ramos de atividade.
O empreendedorismo, por muito tempo, esteve ligado à figura do empresário e inovador. Muitas pesquisas foram feitas focando no tipo de inovação, na história de vida do empreendedor, nas suas características ou traços de personalidade. Mais recentemente, o papel das motivações (sonho, causa, missão) do empreendedor despertou o interesse dos pesquisadores.
Sonho, causa, missão, propósito – o combustível do empreendedor
Fernando Dolabela, um importante teórico brasileiro nesse assunto, ressalta que os sonhos são os principais impulsionadores da ação empreendedora. Para ele, o empreendedor é um realizador de sonhos que, graças à capacidade de concretizar aquilo em que acredita – passando do ideal à ação – , consegue transformar o seu entorno. Mas não basta apenas sonhar.
Por quase 15 anos participei do Programa de Formação de Empreendedores da PUC-Rio e aprendi muito sobre o tema. O foco era o empreendedor e percebi que quando o sujeito tem uma causa, um sonho, uma missão, ele consegue despertar as suas características empreendedoras. Nesse sentido, o empreendedorismo não é uma atividade fim, mas uma postura diante da vida. Mesmo sem abrir uma empresa podemos ser empreendedores.
Duas referências importantes no tema do empreendedorismo feminino
Neste texto trago duas referências que considero importantes sobre o empreendedorismo feminino no Brasil. (Estou me referindo ao empreendedorismo como atividade fim – um negócio próprio.):
1) Empreendedorismo no Brasil 2019, um recorte de gênero nos negócios, relatório do Instituto Rede Mulher Empreendedora, que pode ser encontrado aqui (é preciso fazer um cadastro para receber a pesquisa completa pelo correio eletrônico);
2) Dados de uma pesquisa qualitativa conduzida durante dez anos pela professora da PUC-Rio, Eva Jonathan, uma das principais estudiosas do assunto no Brasil, sobre as motivações e as dificuldades das mulheres do Rio de Janeiro para empreender. A pesquisa completa está neste link.
Empreendedorismo no Brasil 2019, um recorte de gênero
Sobre o perfil da mulher empreendedora apresentado no relatório do Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME), podemos dizer que:
- 59% são casadas,
- 52% têm filhos,
- a maioria empreendeu depois dos 30 anos, e,
- 69% das mulheres empreendedoras concluíram um curso de graduação ou pós graduação (contra 44% dos homens).
Sobre o negócio / o empreendimento, ele é a principal renda para 38% delas. Além disso,
- 58% das mulheres trabalham em casa,
- 60% dos negócios comandados por mulheres não tem funcionários e quando contratam preferem mulheres;
- 49% das mulheres abrem um negócio sem planejar, contra 44% dos homens e,
- apenas 34% das mulheres se sentem capazes de planejar, contra 50% dos homens.
Esse dados sobre o planejamento me chamam a atenção pois, ao mesmo tempo em que as mulheres dizem ou não se sentem capazes de planejar, nós mulheres passamos meses planejando o casamento, o nascimento dos filhos, aquela festa inesquecível ou a viagem dos sonhos. Certamente são empreendimentos importantes nas nossas vidas.
Quanto às principais motivações para empreender, de acordo com os dados do IRME, as mulheres abrem um negócio quando estão em busca de flexibilidade de horário e por mais tempo para a família. E o principal desafio é conciliar o tempo entre trabalho e família. A pesquisa mostrou que as mulheres têm menos tempo para os negócios, pois são elas que dedicam mais tempo para a família (dedicam 24% a mais de tempo do que os homens).
Recentemente, em maio de 2020, foi publicado um estudo do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostrando que a chegada de um filho impacta muito mais na vida das mulheres do que na dos homens.
Motivação para empreender
Como a pesquisa da professora Jonathan (2011) foi uma pesquisa qualitativa, com entrevistas abertas, ela traz dados mais subjetivos. Para as entrevistadas, a principal motivação para empreender é a “busca de autorrealização”. Elas se referem ao empreendimento próprio como uma possibilidade prazerosa e desafiadora para alcançar a independência ou estabilidade financeira.
Os fatores que as impulsionaram para o empreendedorismo feminino foram as “mudanças na sua vida pessoal” tais como divórcio, mudanças de cidade ou país, ou então o desejo de voltar a trabalhar depois de longo período fora do mercado para cuidar dos filhos, por exemplo, e ainda “estar desempregada” ou “investir em um projeto novo depois da aposentadoria”.
No contexto da nossa plataforma, de mães mundo afora, muitas de nós empreendem por dois motivos principais:ou
- porque mudaram de país, geralmente acompanhando os maridos, expatriados por questões de trabalho e / ou
- tiveram filhos e resolveram mudar seu estilo de vida. Não fiz nenhuma pesquisa científica sobre isso, falo com base nas minhas impressões pessoais.
As dificuldades de ser mãe empreendedora
Ao mesmo tempo em que as empreendedoras entrevistadas relatam uma forte sensação de bem-estar em função da satisfação pessoal e da realização profissional, elas alertam para a pesada carga de trabalho e as múltiplas responsabilidades.
Infelizmente, em muitas famílias, independente do nível de instrução e da classe social, ainda é função das mulheres cuidar da casa e dos filhos. Como se ainda hoje o espaço privado, da casa e da família, fosse responsabilidade exclusiva da mulher e o espaço público, da rua e do trabalho, fosse do homem. E os homens mais atenciosos “ajudam” suas esposas com a casa e a prole. A ação de ajudar traz consigo uma série de ideias preconcebidas que em pleno século XXI ainda precisam ser revistas.
Leia mais sobre reflexões a esse respeito aqui sobre a questão do gênero desde a infância com as conhecidas “coisas de menina e de menino”.
As mães empreendedoras se sentem sobrecarregadas e com pouco tempo para a família e para elas mesmas. Quantas acordam com o céu ainda escuro para aproveitar o tempinho em que os filhos dormem e a casa ainda está em silêncio? Sei que essa é a realidade de muitas mães, sejam as donas de um negócio próprio, ou as que ainda estudam ou as que trabalham numa empresa, como funcionárias. Muito se fala da dupla e tripla jornada de trabalho das mulheres.
Estratégias para driblar o trabalho excessivo
Para enfrentar o triplo desafio – envolvendo questões profissionais, familiares e pessoais – as empreendedoras contaram que se utilizam das seguintes estratégias:
- a auto-organização do tempo;
- o estabelecimento de parcerias e cumplicidades envolvendo alianças com familiares, sócios e funcionários;
- dispositivos de alívio de tensão – atividade física, viagens, espiritualidade e psicoterapia.
Como psicóloga, já participei de diferentes processos com famílias e mães empreendedoras. É importante envolver os cônjuges e os filhos nas rotinas da casa e da família. Às vezes ajuda ter um calendário da semana preso na porta da geladeira ou em algum lugar visível da casa para que todos tenham acesso e não se esqueçam dos inúmeros compromissos e responsabilidades de cada um.
Na medida em que as pessoas, no caso as mulheres, organizam o seu tempo, estabelecem as parcerias e conseguem delegar tarefas, elas podem pensar em um tempo para cuidar da sua parte física, mental, emocional e espiritual.
Será que eu tenho as características de uma empreendedora?
Independente de ter ou não um negócio próprio, construir uma família e educar os filhos é um empreendimento e tanto! É preciso muito planejamento, assumir riscos, se responsabilizar pelos resultados, comunicar de maneira eficaz e negociar constantemente, formar equipes, liderar, agir com criatividade na solução dos problemas, sem deixar de ser ético e inovador. Isso é sim empreendedorismo feminino e materno !
13 Comentários
Carla, pensei exatamente isso que você menciona no texto, nós mulheres empreendemos para ter mais flexibilidade e tempo para a família, mas acaba que continuamos tempo, pela carga de trabalhos domésticos e porque empreender demanda muito esforço também. Excelente seu texto!
Realmente é um paradoxo! as mulheres querem empreender para ter uma maior flexibilidade de tempo mas empreender exige muito tempo,muita dedicação. Alguns filhos de empresários se referem à empresa da família como o “filho preferido”, aquele que recebe muitas atenções pais. O canal do youtube é um empreendimento.
Adorei o último parágrafo! Realmente construir uma família e educar os filhos já é um empreendimento e tanto! Kkkkk Muito bom! Parabéns Carla!
Pois é! acredito que quando estamos apaixonados, despertamos as características empreendedoras que existem em todos nós. construir família e criar filhos e ainda escolher mudar de país certamente exigiu muitas características empreendedoras.
Adorei o texto, Carla! Realmente nós mulheres somos muito mais empreendedoras do que imaginamos quando se trata de criar filhos! E a maternidade é realmente um grande motivador para mulheres empreenderem, né? Com a esperança de passar mais tempo com os filhos!
Oi Amanda! Realmente é uma tentativa de equilibrar / dividir o nosso tempo com as coisas são importantes – formar uma família, educar os filhos, se realizar profissionalmente. Em alguns casos, a gente se vê numa armadilha, tendo que equilibrar um monte de pratos.
Adorei o texto Carla. Me encaixei na necessidade de realização pessoal. Sou muito feliz com meu marido, meus filhos mas deixar minha profissão de lado de algo que não queria. Confesso que não é fácil! Vou seguir suas dicas. Obrigada
Oi Raquel! Eu te entendo. Tente encontrar uma forma de conciliar as necessidades das casa da família e as suas também.
Belo texto, Carla! Fiquei honrada em ser citada e poder ter contribuído com dados acerca do empreendedorismo feminino no Rio de Janeiro e lá se vão alguns anos. Fica a curiosidade em relação ao empreendedorismo feminino na Itália, envolvendo especialmente as empreendedoras que também são mães. Sucesso nos seus empreendimentos, Carla!
Oi Eva! Fico mais feliz ainda em saber que você leu e gostou do texto. Muito obrigada por tanto ensinamento!
Vamos ver o que as empreendedoras da Itália e do mundo afora tem a nos contar.
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[…] Além das motivações financeiras, como a necessidade de uma nova fonte de renda após uma demissão, alcançar a independência ou estabilidade financeira, existem muitas outras. De acordo com os dados do Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME), as mulheres abrem um negócio quando estão em busca de flexibilidade de horário e por mais tempo para a família. Tem um artigo muito bom sobre este assunto neste link. […]