A Espanha, assim como qualquer outro país do mundo, ainda apresenta desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
A perpetuidade de papéis desenhados para homens e mulheres na sociedade patriarcal ainda é uma barreira a vencer também aqui no velho continente. No contexto europeu, a Espanha aparece acima da média para alguns indicadores e abaixo para outros.
Segundo dados de 2020, 56,6% das mulheres entre 16 e 64 anos que vivem na Espanha estavam trabalhando (por conta própria ou como empregadas). Já o percentual de homens era maior, atingindo 67,3%. A diferença entre esse percentual – 10, 7% – é o mesmo apresentado na média europeia.
Além da maior presença de homens no mercado laboral, devemos destacar também a brecha salarial de gênero – (em espanhol) diferença salarial entre homens e mulheres. Dados de 2019 mostram que a remuneração das mulheres é 11,9% menor que a dos homens. A Espanha está abaixo da média europeia, que é de 14,1%. Na mesma pesquisa, a Alemanha aparece com uma diferença salarial de 19,2% e Luxemburgo de 1,3%.
A feminização de setores que são pior remunerados, a dificuldade em atingir cargos de chefia e a dedicação aos cuidados (dos filhos, da casa, de idosos), são alguns dos fatores que tornam perene esta diferença.
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Segundo dados de 2018 do governo espanhol, (texto em espanhol) 20,6% das mulheres receberam salários iguais ou menores que o salário-mínimo. Porém, apenas 8,2% dos homens experimentaram os mesmos ingressos. Quando a pesquisa é feita com salários mais altos (5x ou mais que o salário-mínimo), os homens aparecem com 7,8% e as mulheres com 4,2%.
Aqui vale deixar claro alguns conceitos:
Segregação horizontal – as mulheres se concentram em certos setores de atividade e em determinadas ocupações. Ex. costureiras, professoras (ensino infantil e fundamental), secretárias e serviços de limpeza.
Segregação vertical – divisão desigual de homens e mulheres na escala hierárquica, concentrando os empregos femininos em escalas inferiores. Ex. 23% das pessoas que exercem o cargo de CEO na Espanha são mulheres. Veja mais aqui.(texto em espanhol)
Teto de cristal – trata-se de uma metáfora, como se existisse um teto invisível de onde as mulheres não podem passar. Se refere ao conjunto de normas não escritas, misóginas e patriarcais das organizações, que dificultam o acesso das mulheres aos postos de direção. A expressão foi citada pela primeira vez em 1978, num discurso de Marilyn Loden, vindo do inglês glass ceiling barriers. O teto de cristal não está presente apenas nas empresas, mas também em cargos públicos e políticos. No Brasil basta olharmos para os Poderes da República: quantas ministras, senadoras e deputadas temos?
“Suelo pegajoso” – é também uma metáfora, como se a mulher estivesse “presa” diante das dificuldades para conciliar a vida pessoal, profissional e familiar. Trata-se de um esforço físico e emocional bastante duro e fonte de conflitos psicoemocionais para as mulheres. Algumas optam por deixar seu crescimento profissional em favor da maternidade ou outros cuidados, já outras não têm nem escolha.
Maternidade, paternidade e corresponsabilidade
A maternidade é sempre um momento impactante na carreira da mulher. Por aqui a licença maternidade é curta, de 16 semanas. Em 2021 a licença paternidade foi igualada à licença maternidade, para que haja menos discriminação na hora de empregar uma mulher. Um passo, um tanto controverso, em busca da corresponsabilidade.
O Instituto da Mulher, órgão do governo espanhol, define a corresponsabilidade como a divisão equilibrada das tarefas domésticas e das responsabilidades familiares, como a organização, limpeza, cuidado, educação e afeto das pessoas dependentes dentro do ambiente familiar, com o fim de distribuir de maneira justa os tempos de vida da mulher e do homem.
Veja o Guía de Corresponsabilidad (texto em espanhol) elaborado por este Instituto.
Há outros direitos trabalhistas para homens ou mulheres, como uma licença não remunerada para cuidar de uma criança de até 3 anos, com garantia de retorno ao trabalho (não exatamente para o mesmo posto – ver art. 46 do Estatuto de los Trabajadores) (texto em espanhol) e redução de jornada (art. 34, 8), com redução proporcional do salário, para quem tem filhos ou filhas de até 12 anos.
Apesar de ser um direito para ambos os sexos, quem de fato o solicita é a mulher. No caso da redução da jornada, é uma opção para 4,5% dos pais e para 26,3% das mães, mostrando que a corresponsabilidade plena no cuidado com a família ainda tem um longo caminho a ser percorrido. Veja mais aqui.(texto em espanhol)
Os números da licença não remunerada, conhecida aqui como excedencias, também deixa claro que é um “direito” exercido mais pelas mulheres, representando 85,3% das solicitações ocorridas no primeiro trimestre de 2021, sendo 14,7% o número de homens. Esse número já foi pior, em 2010 as mulheres representavam 95,4% dos pedidos. Veja mais aqui.
Outros direitos trabalhistas e conciliação familiar
A jornada completa de trabalho é de 40 horas semanais (art. 34 do Estatuto de los Trabajadores). Aqui em Madri é comum fazer jornada intensiva (sem pausa para almoço) às sextas-feiras, para sair mais cedo.
As férias são pactuadas em convênio coletivo ou contrato individual e não podem ser inferiores a 30 dias corridos (art. 38 do Estatuto de los Trabajadores). Geralmente as pessoas têm um número de dias úteis e tira ao longo do ano, emendando feriados e deixando a maior parte para o mês de agosto. Em agosto também é normal fazer a jornada intensiva durante todo o mês. Em algumas Comunidades Autônomas essa jornada é feita durante todo o verão.
Isso tudo pode parecer muito bom, mas é difícil conciliar com os horários e férias escolares. O turno normal das escolas é das 9:00 às 16:00 e as férias de verão começam no final de junho e vão até o início de setembro, além disso há uma pausa entre Natal e Dia de Reis e na Semana Santa.
Para ajudar na conciliação, há opções pagas para estender o horário escolar e também muitos acampamentos urbanos para as crianças.
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Eu encerro o texto com uma dica de filme que ilustra bem alguns conceitos e situações descritos no texto. O filme se chama Made in Dagenham (vídeo em inglês) e é baseado na história real de um grupo de operárias que desafiou a montadora Ford, em 1968, ao exigir paridade salarial com os homens.