Segundo a nossa língua portuguesa, adjetivos são palavras que dão qualidade, características particulares a um substantivo, que nada mais é do que um SER – e tudo o que existe é ser e cada ser tem um nome. O bebê FOFINHO, a mãe CANSADA, a criança BIRRENTA, o adolescente REBELDE, o marido PRESTATIVO, a gestação TARDIA.
Se olharmos todas essas palavras em destaque, isoladas de seus “seres”, as classificaremos, à primeira vista, como meros adjetivos, sem mais delongas. Porém, quando acompanhadas, já podemos pensar em descrições positivas e negativas e até formar imagens de pessoas em nossa cabeça.
E quando um adjetivo se torna um rótulo, um estigma, uma estereotipia, podendo até chegar a uma ofensa?
Como nascem os rótulos
Um colega de trabalho que chega tarde à reunião semanal pela segunda vez, muito provavelmente receberá o rótulo de “atrasado”. Principalmente por aqueles que acreditam ser inaceitável a impontualidade, pois ela é um comportamento desrespeitoso com os demais. Por outro lado, para aqueles que não veem um atraso como uma falta grave, um atraso será apenas um atraso.
O que quero dizer com este exemplo é que os rótulos nascem da nossa percepção do comportamento e dos detalhes e estão intimamente ligados às nossas regras e expectativas e aos significados que associamos aos comportamentos e a como achamos que as pessoas deveriam se comportar.
Pessoas não são comportamentos ou partes, pessoas são seres completos e complexos e como tal merecem adjetivos. Mas como tendemos a observar e a “julgar” o comportamento que adotam em um lugar e momento determinados, bem como uma característica sobressalente, o adjetivo passa a ser um rótulo.
A mulher e a imensidão de julgamentos
Casadas, solteiras, com ou sem filhos, donas de casa ou trabalhando fora. Não importa o estilo de vida adotado há sempre um julgamento pairando sob as cabeças das mulheres.
Podemos atribuir a recente ocupação da mulher no espaço público como uma das razões para essa vigilância constante, pois quanto mais são vistas, defendem suas opiniões e vontades, mais são criticadas.
Antes, o mundo privado consistia no lugar reservado às mulheres, educadas para se dedicarem às tarefas de casa. Hoje, mesmo com uma maior presença nos espaços públicos, as mulheres continuam sendo mais julgadas do que os homens em relação ao que fazem em casa.
As mulheres que postergam o casamento, constituem novas uniões, investem na educação e na carreira profissional, ampliam o uso de métodos contraceptivos e têm problemas de infertilidade, deixando assim a maternidade mais para adiante. Elas não só sofrem pela natureza, que pode ser implacável, mas principalmente pelo julgamento social, que pode ser cruel.
Gestação tardia além da medicina
Segundo os guias e protocolos médicos mundiais, uma gestação é considerada tardia quando a mulher possui idade superior a 35 anos e, após os 45 anos, o termo é intensificado por gestação com idade materna muito avançada.
Ao ler o termo MUITO AVANÇADA, me deu a impressão de estarem tratando de mulheres acima dos 80 anos e não das que, por razões variadas, optaram pela maternidade.
É inegável que há riscos maiores em uma gestação após os 35 anos, a ciência esta aí para nos lembrar e, principalmente, para nos preparar para tal verdade. Agora, transformar uma mulher que engravidou aos 40 anos no termo gestação tardia é restringir a gotas a imensidão da maternidade.
O fato é que as gestações entre mulheres com mais de 35 anos têm aumentado consideravelmente e isso preocupa os especialistas, pois há sim uma associação importante entre idade materna igual ou superior a 35 anos e resultados perinatais adversos.
E como esta realidade deve ser tratada? Negando o direito à maternidade, dizendo frases como “se tiver que ser será” e “relaxa que acontece”, julgando as razões que levaram a mulher a postergar uma gravidez, criando rótulos? Não, isso seria uma crueldade.!
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Aos médicos cabe investigar os resultados adversos em gravidez tardia para reduzir danos, visto que as mulheres estão adiando a maternidade. É fundamental expandir as informações para que as mulheres com mais de 35 anos busquem o início do acompanhamento pré-natal precocemente, pois isto contribui para o monitoramento deste pela equipe multiprofissional de saúde, minimizando, desta forma, os riscos para a gestante e para a criança.
À sociedade, cabe olhar além dos comportamentos e das autopercepções baseadas em crenças e regras sociais.
Além dos termos
Sou uma das muitas mulheres que engravidaram após os 40 anos e que me autointitulei de gestante idosa. Na verdade, já não acreditava que a maternidade pudesse fazer parte da minha vida e refiz meus planos excluindo o papel de mãe.
Ao descobrir a gravidez, uma das primeiras perguntas que fiz à “matrona” foi sobre os riscos e procedimentos especiais em decorrência de ser uma gestação tardia, já incorporando toda a maçante informação de gravidade e os termos fruídos. Sabe o que ouvi em resposta? – “Tranquila, o natural hoje é engravidar nesta idade”.
Aquilo aqueceu meu coração e passou serenidade para o restante da minha gravidez.
Claro que outros profissionais não tiveram a mesma sensibilidade e tentaram minar a minha paz. Claro que me recomendaram exames específicos e menos espaçados. Claro que ouvi falas, muitas delas internas, de que a minha paciência e minha força não acompanhariam o ritmo de um bebê. Claro que me amedrontei!
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Mas o que levei de tudo isso: passei a me incomodar com o termo gestação tardia. Gestação é gestação, com maiores ou menores riscos; é o ato de crescimento e de ressignificações. Gestar é ser terra fértil para o desenvolvimento de um ser, o nosso fruto. Mais do que a idade do adubo, o que dará vida a esta planta é o amor, o cuidado e o zelo.
Gestar não pode ser reduzido à temporalidade!
É necessário olhar para a mulher gestante sem rótulos, sem predizeres de suas ações anteriores, de sua história, de suas decisões e de seus comportamentos. Há uma diferença sutil e importante entre o cuidar e o julgar.
O peso e a crueldade de um rótulo podem ser ainda maiores, quando ditos continuamente. Pois sem conhecer a fragilidade e as debilidades dos demais, as mensagens transmitidas, mesmo que sem más intenções, podem ser assumidas como verdades únicas e absolutas.