Que bom ter você aqui! Esse texto conta uma parte muito importante da minha história de vida como brasileira, negra e mãe na Alemanha, que eu comecei a contar no mês passado. Para entendê-lo melhor, leia a primeira parte aqui.
Em 2003, chegamos na cidade de Hamburg, na Alemanha. Era verão e parecia um conto de fadas. A cidade organizada, colorida de flores, as árvores todas bem verdinhas, os pássaros fazendo a orquestra de boas-vindas para o meu filho e eu. Alemanha, chegamos!!!
Tudo novo, muitas perguntas que pipocavam em minha cabeça, mas nós estávamos muito felizes. Eu me sentia como a “Alice no País das Maravilhas”, uma experiência super enriquecedora. Era uma liberdade que eu nunca havia vivido antes, tudo tão perfeito, organizado e estruturado que às vezes eu pensava que estava sonhando.
A adaptação
Meu filho chegou com seis anos e não teve nenhum problema de adaptação. Depois de curtir as férias de verão, ele logo entrou na escola para se preparar para a primeira série. Aqui eles chamam essa preparação de “Vorschule” (tradução em português: pré-escolar). Ele não sofreu nenhum tipo de discriminação, mesmo ele sendo o único negro na classe. Meu filho aprendeu o idioma alemão em seis meses e se integrou sem grandes problemas.
Eu, apesar de sentir muita saudade do Brasil, também me adaptei rápido. Meus únicos problemas eram o frio e a bendita língua alemã. Em meio à adaptação, eu engravidei.
Nossa, foi uma mistura de medo e muita insegurança. A verdade é que eu sempre quis ter o segundo filho, mas queria planejar. E, de repente, aconteceu. Fui escolhida para ser mãe pela segunda vez. Fiquei super feliz, mas muito preocupada.
Dois meninos, um negro e o outro pardo
A minha preocupação quando estava grávida era preparar o meu filho mais velho psicologicamente para o nascimento do seu irmão. Era importante ele saber que seu irmão seria diferente dele, teria a pele mais clara e um outro tipo de cabelo.
Naquele momento, minha preocupação era com a saúde emocional do meu filho mais velho. Como ele reagiria quando alguém fizesse comentários sobre ele e seu irmão? Porque em se tratando de irmãos, as pessoas costumam fazer comparações! Eu não queria que ele se sentisse constrangido.
No nascimento, eu tive um choque: meu segundo filho nasceu loiro! Seria preconceito da minha parte? Não! Por alguns segundos passou um filme na minha cabeça. A primeira coisa em que eu pensei foi: ninguém vai acreditar que ele é meu filho! Agora eu teria que aprender a lidar com muitas situações, principalmente as indesejadas.
A minha certeza era de que os meus filhos precisariam ser bem preparados e orientados para o mundo lá fora. As pessoas são cruéis demais. Mesmo morando na Europa/Alemanha, eles iriam encontrar muitas pedras no caminho. E por este motivo, eles precisariam estar emocionalmente preparados.
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Sabedoria e discernimento são duas habilidades importantíssimas, habilidades estas que eles deveriam aprender para saber lidar com o racismo e o preconceito das pessoas. Se para uma mãe com filho branco o desafio de educar é enorme, imaginem para uma mãe negra com filhos negros. Temos muitas outras preocupações que não estão incluídas na vida das mães brancas.
Eu acredito que meu papel na educação dos meus filhos nada mais foi, e ainda é, conscientizá-los. Conscientizá-los a não julgar as pessoas, a aceitarem as diferenças, a se aceitarem e também se amarem do jeitinho como eles são. Ter uma autoestima elevada iria fazer muita diferença na vida deles.
Autoaceitação é incondicional
Foi a autoaceitação que comecei a trabalhar nos meus filhos. Com o mais velho, o fato de ser negro não deveria ser motivo pra ele se sentir inferior aos outros meninos. De jeito nenhum!
No caso do caso do mais novo, o fato de a mãe dele ser negra, estrangeira e o pai ser alemão não deveriam ser motivo de constrangimento para ele.
Eu sempre digo aos meus filhos: sempre vai ter alguém racista ou com opinião diferente. Por isso, é preciso ter personalidade, caráter e, acima de tudo, saber argumentar sem ofender as pessoas. O respeito é fundamental!
Passei a acompanhar o GELEDÉS e percebi o quanto a representatividade é importante para nós negros. E principalmente para as crianças. Naquela época eu busquei, livros, revistas e vídeos que poderiam nos ajudar a nos conhecer melhor. Eu sabia que a ciência do comportamento tem um arcabouço de pesquisas e não é fácil o entendimento.
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Depois de muito ler, encontrei informações que me ajudaram a entender melhor o que é a autoaceitação e como trabalhar o nosso amor-próprio. E foi assim que comecei a conscientizar os meus filhos. Com muita paciência, conversas e sempre abordando os temas: tolerância, aceitação e compreensão. Foi um exercício diário. O meu filho trazia para casa muitas perguntas, afinal de contas, ele vivia em um mundo totalmente branco, com mãe negra e irmão negros.
Parece mentira, mas tem muitas pessoas aqui na Alemanha, que acham que no Brasil não tem muitos negros. E neste período dos “por quês” do meu filho, que comecei a explicar para ele, como é ser negro no Brasil. A realidade lá é completamente diferente da que vivemos aqui na Alemanha, embora aqui também tenha racismo, mas no Brasil sinceramente é algo surreal. Lá as vidas negras infelizmente não são tão importantes.
Os pais são referências para as crianças. Por esse motivo é de suma importância que os filhos conheçam a história de seus pais e saibam de onde eles vieram. Sobretudo para filhos de uma mãe negra e estrangeira. Meus filhos sabem das minhas origens e conhecem bem o meu passado. Pois é graças a nossa tradição familiar que adquirimos valores, conhecemos nossas raízes e estreitamos vínculos afetivos com os membros da nossa família.
Eu faço questão de conversar com eles sobre a nossa família, tanto a família brasileira quanto a alemã. E foi a partir desta premissa que ensinei aos meus filhos a respeitarem as nossas raízes e também as raízes de outras pessoas. Tolerância é fundamental para se viver em conjunto e harmonia.
É tanta violência no mundo, intolerância e ódio que nada melhor que praticar a solidariedade; doando amor e esperanças as pessoas.
A verdade é que nenhuma criança nasce racista, o meio em que ela vive a torna racista. É fundamental que todos os pais tenham em mente que, se queremos um mundo melhor, devemos inserir no cotidiano dos nossos filhos temas como preconceito, racismo, respeito, tolerância e empatia. Desta forma, estaremos contribuindo um pouquinho para melhorar o mundo.
Sabe o que está faltando no mundo? Amor, solidariedade e empatia. Como citava Martin Luther King em seus discursos: “I have dream“… eu também tenho um sonho e muitas esperanças de que um dia só haverá racismo nos livros de história.
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2 Comentários
Maravilhoso seu texto, como sempre!
Obrigada Veronica por ter lido🙏🏾