Há um tempo comecei a perceber que ser mãe em tempo integral carrega em si um peso que eu não esperava. Eu amo essa possibilidade que a vida me deu. Mas odeio quando tenho que preencher em um questionário qualquer a pergunta ocupação. Eu algumas vezes ousei dizer “mãe”, mas as pessoas teimam em escrever “dona de casa”.
Eu sei que não tem nada de errado em ser dona de casa. Mas eu não me sinto uma. Pra ser sincera, eu me acho até uma péssima dona de casa. E talvez seja por isso que o título me incomoda tanto. Ou porque ele remete a uma posição de submissão ao “homem da casa”, na qual eu absolutamente não me enxergo. Aqui em casa as tarefas domiciliares são muito bem divididas (e acho até que muitas vezes deixadas mais para o meu marido), portanto não acho justo eu ser a “dona”!
Carga mental
A primeira vez que vi uma série de quadrinhos sobre carga mental feminina causou um certo atrito aqui em casa (para quem ainda não conhece, vale a pena ver clicando aqui). Pois foi quando me dei conta que por mais dividida que sejam nossas tarefas em casa, eu ainda me sentia ligeiramente sobrecarregada mentalmente. Tudo porque a ideia de ser mãe em tempo integral me fazia acreditar que eu deveria dar conta também de tudo em casa, o que é humanamente impossível. Especialmente para alguém como eu que acha que tudo deve ser perfeito.
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Maldita sociedade patriarcal que ainda coloca nós, mulheres, como responsáveis pelos afazeres domésticos. E mais maldita ainda nossa sociedade capitalista que espera de nós, mulheres, não só o cumprimento de tais afazeres, como também um trabalho remunerado fora como sinal de independência (ou para “ajudar” em casa, o que é igualmente rebaixador, já que deixa claro que o provedor do lar é mesmo o homem). E tudo isso, claro, exercendo também plenamente a função materna, pensando em uma família com filhos. Acho que a desvalorização do trabalho doméstico está totalmente ligada à não remuneração de tal função, levando muitos a apontarem a mulher que fica em casa (com ou sem filhos) como aquela que não faz nada. Pesquisas mostram, no entanto, que as mulheres trabalham o dobro de horas dos homens dentro de casa.
E a independência?
Eu cresci rodeada de mulheres que trabalham fora. São na grande maioria mulheres pós-revolução feminista dos anos 1960, que ganharam mais independência, mais igualdade de direitos em relação aos homens, mais liberdade de escolha. As mulheres não precisavam mais casar e ficar em casa, algumas podiam escolher estudar, trabalhar fora, ou precisavam realmente do trabalho para complementar o sustento da casa. E pelo que me lembro todas também exerciam suas funções de donas de casa. E é aí que está a chave da questão, talvez: a dupla função! Eu não sei nem dizer o peso que isso tinha para cada uma, porque era o “normal”.
Assim fui crescendo com falas do tipo: “mulher tem que trabalhar para ser independente”, “um dia os filhos crescem e o que a mulher vai fazer?”, e outras coisas do tipo. E são falas que até hoje permeiam alguns discursos, ainda que muitas vezes de forma mais disfarçada. Consequentemente fui subentendendo que ser “só” dona de casa não era um trabalho digno para uma vida. Eu tinha que ser independente, ou seja, estudar, trabalhar fora e ter meu próprio dinheiro. Mas a maternidade chegou e me fez rever algumas coisas. Amo minha independência, mas amo poder acompanhar o crescimento da minha pequena. Ser mãe é o trabalho mais precioso e pelo qual mais vale a pena “parar” o resto.
Dona de casa, não! Sou mãe em tempo integral!
Só que eu não imaginava o peso que a minha vivência e que a sociedade colocaria nas minhas costas. Porque não é comum dizer “sou mãe em tempo integral”, mas sim “sou dona de casa”. Dizer “sou mãe em tempo integral” me parece muito mais fácil, embora bem menos compreendido pelo mundo. Talvez eu esteja passando por um processo de reinvenção de mim mesma após me tornar mãe e mudar de país, o que me fez enxergar a função de dona de casa de forma errada. Como terei que esperar sabe-se lá quanto pelo reconhecimento do meu diploma e para tentar entender o que eu posso e quero verdadeiramente fazer da minha vida, senti atacada a minha independência! Sentimentos de medo de ficar em casa e não ter assunto com o marido no fim do dia, coisas assim, me assombram.
Claro que tenho que admitir estar dominada por uma concepção que associa a imagem de dona de casa a uma mulher dos anos 1950, que não tinha opções a não ser estar em casa cuidando dos filhos e do marido, e isso certamente não é verdade nos dias de hoje. É uma pena que atualmente ainda somos tomadas pelo questionamento sobre o que faz uma mulher que opta ou deve ficar em casa exercendo o papel de mãe, e que necessariamente não deveria ser denominado “dona de casa”. Isso é o que torna verdadeiramente difícil se assumir como mãe em tempo integral, pois existe essa ligação imediata com ser “do lar”.
Ser “só” mãe é um trabalho duro para danar! Crescer um ser humaninho saudável exige uma reestruturação de si mesma que ninguém conta! Assim, para fazer as pazes com a minha nova ocupação, insisto: não sou dona de casa, sou mãe em tempo integral! Por mais ambivalente que isso possa parecer.
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4 Comentários
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[…] novo país. Eu queria me assumir como dona de casa e mãe em tempo integral? Até quando? (meu texto do mês de maio fala do meu incômodo em relação a isso). Eu queria reconhecer o meu diploma de psicóloga e […]
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[…] É óbvio que hoje em dia existe muito mais mistura, eu sei. Afinal, estamos no século XXI. Mas convenhamos que está ainda muito aquém do que deveria ser. Acredito que estamos nos conscientizando e melhorando muito neste quesito. Eu espero realmente que quando a minha filha for adulta, se ela quiser construir uma família, que os afazeres domésticos e a carga mental não recaia mais só sobre a mulher quanto nos dias de hoje ainda acontece (já falei um pouco sobre isso neste texto aqui). […]