No Brasil, estamos acostumados a chamar de escola o lugar onde as crianças ficam algumas horas por dia, mesmo que seja somente um jardim de infância ou creche. Na maioria dos países europeus, entretanto, “escola” é somente o estabelecimento que elas frequentam a partir dos 6 anos de idade, quando são alfabetizadas. Hoje, vou contar um pouco o que sei sobre o sistema de ensino islandês.
Aqui, não há berçários ou creches para bebês menores de 8 meses de idade (pois a licença parental é de 9 meses, divididos assim: 3 meses para a mãe, 3 meses para o pai e 3 meses para os dois usarem como desejarem). Em via de regra, nessa idade, os pais levam seus pequeninos para a casa de uma “Dagmamma”, literalmente “mãe do dia”, onde eles ficam 6 a 8 horas por dia. Essas mulheres têm uma licença especial concedida após um curso especializante; elas devem ter noções de primeiros socorros, alergias, nutrição e hábitos de bebês, etc. Além disso, as casas que funcionam como creches devem obedecer a uma série de critérios para que a dagmamma possa trabalhar com um número máximo de 5 bebês.
Educação infantil – Pré-escola
Com mais ou menos um ano e meio ou dois, os bebês começam a frequentar o jardim de infância ou “escola de brincar” (Leikskóli), como se diz aqui. Aí eles ficarão até o ano do seu sexto aniversário, quando, finalmente, estão aptos para a escola propriamente dita.
Os jardins de infância públicos na Islândia são luxuosos, em comparação com os dos outros países europeus. Aqui, geralmente, para cada 24 crianças, são 4 cuidadores – isso, até na rica Alemanha não é realidade nem em creche particular, falo com conhecimento de causa. Todos os jardins de infância públicos são bem espaçosos e têm um parque externo grande – isso tampouco é regra em outros países. Fora inúmeros detalhes no relatório diário de como a criança comeu, que atividades teve, etc. Tudo isso público, mas não grátis. Paga-se, em média ISK 22.000 por mês por um período de 8 horas por dia, com alimentação incluída.
Ensino fundamental
Completamente de graça é a escola a partir do sexto ano de vida; se completos em janeiro, ou dezembro, a criança aprenderá a ler e escrever nesse ano. A partir daí, são 10 anos obrigatórios de ensino fundamental, com tudo, tudo, mesmo, fornecido pelo governo; livros, cadernos, lápis e materiais necessários são dados pela escola. Para não dizerem que estou exagerando, a partir do 5°. ano, os pais recebem uma lista de alguns itens que os alunos devem comprar para poderem se organizar melhor: uma pasta-arquivo, umas canetinhas, um caderninho de notas, coisas pequenas.
Ensino médio
Concluídos esses anos obrigatórios, o adolescente pode escolher se quer ingressar na “Menntaskóli”, que corresponderia ao ensino médio (ou antigo “segundo grau”), ou numa escola técnica profissionalizante. Ou se para de estudar e vai trabalhar (aqui, os jovens têm permissão de trabalho a partir dos 16 anos) e pensar no que fazer depois…
A Menntaskóli dura três anos e, ao seu término, os jovens podem estudar na universidade, pois as provas finais são comparáveis ao ENEM no Brasil. Os cursos profissionalizantes das escolas técnicas duram entre 2 a 4 anos, as de Reykjavik oferecem de marcenaria, a soluções de rede, são muitas as possibilidades. O diploma da escola técnica não dá direito ao ingresso na universidade, mas quem optar por um curso superior mais tarde, pode fazer uma espécie de “supletivo” e ter a equivalência da Menntaskóli – quando estourou a crise de 2008, muitos operários e trabalhadores da construção civil decidiram estudar de novo e se formaram em profissões acadêmicas.
Ensino fundamental nas escolas públicas
A Islândia orgulha-se de ter erradicado o analfabetismo no século XVII e o maior foco das escolas é a leitura – não é à toa que estamos no país que mais lê (per capta) no mundo, já mencionei isto aqui. Obviamente a grade de matérias é composta pela velha e boa matemática, do islandês, estudos sociais (tradução livre), ciências naturais, educações artística e física, e música. Contudo, há um pouquinho mais do que essas que nos são familiares num currículo escolar “normal”, como tricô – sim, a lã e os pulôveres típicos islandeses são fundamentais na vida daqui – , marcenaria, xadrez, natação (toda criança de seis anos deve saber nadar na Islândia!) e culinária – e aqui se aprende a cozinhar de verdade, há uma enorme cozinha com vários fogões, pias, etc. nas escolas. Os islandeses são muito pragmáticos e, desde pequenos, preparados para soluções práticas no horário normal de aula, assim, facilitam a própria vida e a de seus pais – que, geralmente, trabalham fora em período integral. Minha filha mais velha sabe fazer panqueca, pão e algumas guloseimas mais desde o terceiro ano escolar – claro que, enquanto se aperfeiçoava, acionou o nosso alarme de incêndio algumas vezes em casa, mas foi só o susto.
A atmosfera das escolas é bem relaxada, as crianças são super livres e os professores, muito abertos e compreensivos. Ninguém tem medo da diretora ou da coordenadora, a escola é um lugar tranquilo e divertido, as crianças ficam tristes quando têm que faltar aula por doença. As aulas começam entre 8:00 e 8:30 da manhã (dependendo da escola, bairro, etc.) e terminam por volta das 14:00 ou 14:30. O almoço é oferecido pela escola (peixe, umas três vezes por semana!), mas a merenda da manhã, que eles chamam de “piquenique”, deve ser levada de casa, pois a cozinha não está aberta tão cedo. Esse lanchinho é comido dentro da sala de aula, mas há uma pausa de recreio do lado de fora da escola. E, por falar em lado de fora, quase não há muro nem cerca, nem portões, muito menos cadeados nas escolas, as crianças vão caminhando sozinhas e voltam para casa igualmente sós. Estamos no país mais pacífico do mundo e, por enquanto, temos esse luxo aqui.
Mesmo com o trânsito livre das crianças, se um aluno não aparece até o fim da primeira aula sem avisar, a escola telefona para os pais para saber o que houve – claro que há controle de frequência, apesar de não haver reprovação por faltas, e só não passa de ano quem não estiver maduro para o próximo, notas não são o critério determinante.
Após as seis horas de aulas, a maioria das crianças permanece na escola numa espécie de “creche para grandinhos” (“frístundaheimili”, ou “lar do tempo livre”, em tradução bem livre), esse serviço de cuidadores por mais 3,5 horas adicionais custa um pouco por mês, mas vale a pena; por aproximadamente ISK 12.000, as crianças têm programas como cinema, teatro, idas a museus ou piscinas, cursinhos de trabalhos manuais e ainda um lanche no meio da tarde. Pode parecer muito, se convertido para outras moedas, mas, em termos de Islândia, esse valor é simbólico (escrevi sobre custo de vida aqui).
Até o 10°. ano escolar, as crianças frequentam a escola do seu bairro, depois podem escolher uma “Menntaskóli” de boa reputação de acordo com as suas notas: quem tem as melhores notas, faz o melhor ensino médio. Quem não é tão aplicado, só pode ir para as escolas que admitirem médias mais baixas, mas todos têm a chance de fazer o “ENEM” daqui.
A partir do 5°. ano, há muito mais matérias no currículo e as crianças têm física, biologia e dinamarquês (ou uma outra língua escandinava), que sempre foi a segunda língua obrigatória (depois do islandês) nas escolas, até pouco tempo atrás. O inglês é presente desde os primeiros anos, não só na escola, mas por todo lado, em programas de TV, nas ruas, no atendimento de restaurantes e lojas, já que há muitos estrangeiros no setor de serviços. Por causa disso, qualquer criança pequena por aqui é fluente em inglês – e eu não estou exagerando, estão aí minhas filhas para comprovar.
As férias de verão duram quase três meses, mas há diversas atividades para ocupar o a garotada nesse tempo, são colônias de férias organizadas pela própria escola ou por clubes esportivos, onde se pode deixar as crianças por 6 a 8 horas diárias. Os cursos não são baratos, mas tampouco impossíveis de se pagar. A partir dos 16 anos, os jovens têm permissão de trabalho e praticamente todo mundo nessa idade trabalha em jardinagem, como caixa de supermercado ou vendedor durante as férias.
Há poucas escolas particulares na Islândia, em Reykjavik, só conheço quatro, sendo que uma delas é a escola internacional. Com exceção desta última, fundada por norte-americanos em 1960, as outras só oferecem turmas até o 4° ano, depois disso, as crianças passam para escolas públicas.
O ensino superior também é gratuito, mas há uma taxa simbólica de matrícula por semestre na Universidade da Islândia (Háskóli Íslands). Ao todo, há três universidades particulares na Islândia e quatro públicas, cuja maioria dos estudantes, e na maioria dos cursos, é de mulheres, 65%. Ou seja, país pacífico é país culto e feminino, que bom!
Erika Carneiro é guia de turismo e tradutora. Estudou Letras na Unicamp/SP, e fez mestrado na Universidade Livre de Berlim. Trabalhou na Alemanha e no Brasil, como professora de línguas, apresentadora e assistente de redação e produção de TV, e também com gestão cultural. Mora em Reykjavik e é mãe de duas meninas.
8 Comentários
Que texto maravilhoso! !!! Parabéns! !!
Obrigada, prima querida!
Muito bem explicado
Amei seu texto. Esclarecedor e bastante explicativo. Mande mais!
[…] Leia também sobre o Sistema de Ensino na Islândia […]
Olá, Erika. Muito bacana conhecer um pouco da realidade de outros países. Como vc sabe, o Brasil (principalmente aqui no RJ) tem passado por muitas dificuldades, como corrupção, crise econômica grave, violência urbana, baixo investimento e valorização da educação escolar, entre outras questões.
E por essas questões, eu e minha esposa estamos estudando países que possam nos oferecer melhores condições de vida, particularmente onde nossos filhos (uma de 5 e um de 2 anos) possam crescer com segurança e tendo tb escolas de qualidade.
Minha esposa é formada em Educação Física com especialização em Educação Infantil.
Eu tb sou professor na mesma área, Mestre em Educação (Paraguai), Pedagogo, Psicopedagogo e Psicomotricista, com 13 livros publicados nessas áreas.
O que vc acha da Islândia como uma opção para nós? Levando em consideração nossos objetivos e formação acadêmica.
Agradeço pela atenção e aguardo suas observações.
Um forte abraço!!!!
Prezado José Ricardo,
A Islândia é um lugar realmente muito bom para crianças, uma sociedade segura e tranquila. Para morar aqui, o primeiro passo é checar se vocês podem obter permissão de residência e trabalho, que geralmente só é concedida a cidadãos do Espaço Econômico Europeu e seus cônjuges.
Não sei avaliar o mercado de vagas na área de pedagogia e educação, principalmente se vocês não falam ainda o idioma islandês, mas pode haver uma outra exceção em cidades menores, em outras regiões do país.
Para saber como obter permissão de residência, veja aqui:
http://utl.is/index.php/en/residence-permits
Para ver oportunidades de emprego, acesse este link:
https://vinnumalastofnun.is/en
Ou registre-se no site mais popular de empregos da Islândia, alfred.is
Se vocês tiverem permissão de residência e não se importarem de trabalhar em outras áreas, há inúmeras oportunidades no setor de serviços, mas nada que exigja formação acadêmica, são empregos em hotelaria, restaurantes, empresas de transporte e limpeza.
Boa sorte nos seus planos!
Olá..só uma curiosidade em relação aos sobrenomes dos islandeses, se a mãe for solteira ou não quiser revelar o nome do pai, como será o sobrenome da filha ou filho de acordo com a legislação?
Sei que não tem a ver com o tema mas é que agora que fiquei sabendo porque o “son” ou ” dottir” nos sobrenomes islandeses……
Abraços