Sou da geração que teve pesadelos com o vestibular no Brasil. Também passei pelo chamado “vestibulinho” quando resolvi mudar de escola para cursar o Ensino Médio em outra instituição considerada “mais forte” lá nos idos da minha adolescência em São Paulo. Mas confesso que não imaginava como seria o processo seletivo para ingresso em escola privada nos Estados Unidos (Elementary School).
Muito se fala do acesso universalizado e da boa qualidade do ensino público em países do dito “primeiro mundo”, mas muitas famílias optam pelo ensino privado nos EUA. São quase 6 milhões de estudantes matriculados em cerca de 35.500 escolas privadas em território americano. (Para mais dados estatísticos acesse: Concil for American Private Education e National Center for Education Statistics).
Acompanhei o caminho percorrido por uma família amiga visando o ingresso da filha para o ano letivo 2018/2019 em uma escola privada muito conceituada em Houston, e pedi para que Monica nos contasse um pouco como foi o processo.
BPM Kids: Por que você optou pelo sistema privado de educação nos Estados Unidos?
Monica: Eu acredito que as escolas privadas oferecem uma melhor educação do que as escolas públicas. Mesmo morando em áreas onde as escolas públicas são consideradas boas, elas muitas vezes sofrem com o excesso de alunos em sala de aula, os professores não são tão bem pagos, além dos famigerados testes que as crianças precisam fazer – e o sucesso dos alunos nestes testes acaba sendo fundamental para a escola obter fundos, etc. Sem contar escolas com salas de aula sem janela, muitas vezes, além da falta de tempo para recreio.
Frequentar escola privada é garantia de sucesso na vida? Claro que não, pois o esforço e desempenho do aluno são fundamentais. A diferença é que a escola privada oferece mais recursos e opções aos alunos, em um ambiente com classes menores, onde a comunicação entre a escola e a família é direta e a qualquer hora.
Outro fator a ser considerado é o custo e ele varia de muito entre os estados. Se você tiver dois filhos, com um custo anual de 54 mil dólares em tuition, você precisa ganhar 75mil dólares (numa conta bem básica) apenas para pagar a escola. Muita gente prefere guardar esse dinheiro para pagar a universidade, que sabemos que é bem cara nos EUA.
As escolas privadas também podem ser associadas a alguma igreja ou religião, o que pode ser um ponto positivo para algumas famílias.
BPM Kids: Sua filha ingressou há pouco na Middle School, e anteriormente estudava em outra escola particular. Conte-nos sobre o processo de seleção de alunos.
Monica: É um processo demorado e que requer muita paciência! Ele tem início em setembro e normalmente termina em janeiro. Nesse período, as escolas fazem os famosos “Open Houses”, quando é possível visitar a escola e ouvir de seus professores e diretores. Além disso, há visitas privadas, o que é bem interessante pois normalmente ocorrem durante um dia normal, então você pode observar as crianças nas salas de aulas. Mesmo que você tenha sua escola favorita, a indicação é aplicar para várias, pois em muitas o processo é bem concorrido. As mais tradicionais e antigas de Houston, por exemplo, dão prioridade aos filhos de pais que já foram alunos da escola (o famoso “legacy”), então se você for como eu, uma estrangeira morando em terras norte-americanas, o processo fica ainda mais difícil. Cada escola também cobra de 100 a 200 dólares por criança para a aplicação.
Durante as visitas, o ideal é se fazer o maior número de perguntas possível e observar. Quantos alunos numa sala de aula? Como e quanto a escola investe em treinamento e educação de seus professores? Como é a alimentação das crianças? Tem “recess” ou recreio? Quantas horas de lição de casa são exigidas por dia? A escola oferece esportes? Arte? Teatro? É uma escola religiosa? Se for, como essa escola ensina evolução? Esta parte é muito importante, pois às vezes a escola que sonhamos para nosso filho não é apropriada para ele. Uma visita com muitas perguntas ajuda nosso coração de mãe a tomar a decisão correta.
Quando você decide aplicar, preenche vários formulários online. Além dos dados básicos, você precisa responder perguntas sobre os interesses da criança. Seu filho(a) precisa fazer uma redação sobre um tema fornecido pela escola. Além disso, a grande maioria das escolas pede um teste chamado ISEE (Independent School Entrance Exam), que testa a criança em compreensão de textos, matemática, raciocínio verbal e quantitativo, além de mais uma redação. Este teste, juntamente com os relatórios escolares dos últimos dois anos e cartas de recomendação dos professores de matemática e inglês, são incorporados ao processo. Algumas escolas também exigem um teste de QI chamado OLSAT, carta de recomendação do diretor da escola e se seu filho pratica algum esporte ou toca algum instrumento, você pode enviar cartas de recomendação dos professores/treinador.
Muitas escolas chamam o aluno (e às vezes os pais) para uma entrevista, onde perguntam sobre matérias que o aluno mais gosta, livros que leu, etc. Depois de toda papelada entregue e entrevistas feitas, algumas escolas chamam o candidato para um “shadow day”, quando ele passa um dia comum na possível futura escola, para “sentir” o dia a dia. Outras escolas apenas convidam os alunos que foram aceitos no processo de admissão.
Depois disto, é só esperar! Esperar até a fatídica sexta-feira antes do Spring Break (recesso da primavera, no mês de março), quando, às 16 horas, todas as escolas enviam, por e-mail, o resultado – foi aceito, não foi aceito, está em lista de espera. As escolas te dão um prazo de três semanas para assinar o contrato e pagar um depósito.
Se você, por um acaso, decidir aplicar após as datas de encerramento, precisa esperar até março/abril, quando as escolas saberão se completaram suas vagas ou não. Aí podem sobrar vagas esporádicas aqui ou ali.
BPM Kids: Ficou claro que o processo seletivo pode ser bem desgastante para o aceite em uma escola privada nos Estados Unidos. Se pudesse, quais alterações você faria e por quê?
Monica: Acho que no mundo ideal gostaria que o processo fosse mais simples e menos competitivo. Menos testes para as crianças. Houston é uma cidade grande e acho que existe espaço para algumas boas novas escolas. É difícil gerenciar as expectativas (suas e do seu filho), pois você não quer que ele se sinta diminuído por não ter sido aceito aqui ou ali.
BPM Kids: Conte-nos sobre a alimentação oferecida pela escola privada.
Monica: Eles têm um refeitório grande e a comida é preparada na própria escola. Existe um menu variadíssimo, e a criança pode escolher entre opções saudáveis ou não tão saudáveis. Como exemplo, procurei no site da escola o menu oferecido em um determinado dia: bolo de carne, tomates recheados com queijo e cevada; Mac & cheese, brócolis e cenoura; hummus, salada de orzo e parmesão, salada grega, laranja, melão; salada de batatas; pasta no azeite, pasta integral no azeite ou molho marinara; sanduíche de queijo grelhado; pizza de pepperoni; sopa de frango ou de brócolis e queijo. Sobremesa: Pudim de pão e canela.
Além disso, a criança pode tomar café da manhã na escola, com um menu bem variado, de cereais a ovos com bacon, iogurtes, sucos ou bagels. Então dá para perceber que as opções são enormes! O custo do almoço não está incluído na mensalidade, e pagamos aproximadamente $7.25 dólares por refeição.
BPM Kids: Pela sua experiência, você acredita que o sistema privado de ensino nos EUA incita uma maior competição entre as crianças quanto ao desempenho escolar?
Monica: Acho que a competição e a meritocracia são intrínsecas à sociedade americana em geral, não importando se o aluno está na escola pública ou privada. Mas na escola privada você tem a opção de procurar onde essa abordagem não seja tão estimulada.
BPM Kids: Sua filha não é americana. Você acha que não ser natural dos Estados Unidos interferiu em algum ponto do processo de aceitação como aluna nova na escola? E o fato de não ter tradição familiar na escola pode ter pesado negativamente em algum ponto?
Monica: Não ter familiares que estudaram na escola não foi um fator negativo, mas é um fator positivo se você tiver. Com relação a não sermos americanos, as escolas vêm tentando aumentar a diversidade. Várias escolas que visitamos criaram recentemente um cargo chamado Head of Diversity – com o objetivo de trazer diferentes raças e culturas para a escola. Neste aspecto, acho que contou a nosso favor o fato de sermos uma família estrangeira, brasileira/britânica.