O início da vida escolar na França
Se tem algo que não falta durante o crescimento dos nossos filhos são os momentos marcantes. A primeira vez que ele fala mamãe e papai, primeiros passos e muitos outros. Um desses momentos transformadores para mim foi o primeiro dia do meu filho na escola. Neste texto, falarei sobre como foi o processo de inscrição, um panorama de como o sistema escolar funciona aqui na França, como foi o grande primeiro dia e como tudo isso me afetou.
A escola na França
O início da vida escolar na França acontece aos três anos de idade e os períodos são divididos da seguinte forma:
Maternelle – 3 a 5 anos – Petite Section (PS), Moyenne Section (MS) e Grande Section (GS)
Élémentaire – 6 a 10 anos – Cours Préparatoire (CP), Cours Élémentaire Première Année (CE1), Cours Élémentaire Deuxième Année (CE2), Cours Moyen Première Année (CM1), Cours Moyen Deuxième Année (CM2).
Secondaire – 11 a 15 anos – 6eme, 5eme, 4eme, 3eme.
Lycée – 16 a 18 anos – 2nde, 1ere, Terminale
Aqui, o ensino é obrigatório até os 16 anos (3eme), mas isso não significa o fim dos ciclos de educação. No ano do 3eme, os alunos são submetidos ao exame nacional, o Brevet, que certifica a aquisição de conhecimentos do colégio e seu resultado não interfere no ingresso ao próximo ciclo, o Lycée (liceu). No Lycée (liceu), os alunos podem fazer a opção entre o “normal, o técnico e o profissional, e ao fim dos três anos, submetem-se ao Baccalauréat (BAC), o equivalente ao vesibular/ENEM.
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Diferente do Brasil, o início do ano letivo acontece em setembro – após as férias de verão – e as aulas são em tempo integral desde o primeiro nível. Devido a carga horária, não há aulas às quartas feiras, que, geralmente, ficam reservadas para atividades extra-curriculares – o que pode ser uma “dor de cabeça” extra para os pais e mães que trabalham. Entretanto, há também um número considerável de pais e mães que não trabalham nesse dia devido ao esquema escolar.
Uma curiosidade interessante é que a cada seis semanas de aula há duas semanas de férias – mais logística a ser pensada pelos pais e mães! Vale ressaltar que as cidades possuem uma boa estrutura para esse padrão de horários e de férias – os chamados “periscolaire”. Periscolaire é todo tempo que o aluno esta na estrutura escolar mas não realizando as atividades de ensino obrigatório: cantina, ateliês culturais e criativos, idas as quartas-feiras, dentre outros.
A inscrição
Como meu filho nasceu em junho/2017, seu ano de ingresso escolar era 2020. E, vamos combinar, que ano para começar né? Além das minhas inseguranças e ansiedades pelo momento em si, pela transição / transformação em nossas vidas, ainda tivemos o (enorme) estresse adicional pelo Covid-19.
As inscrições escolares acontecem no início do ano-calendário (Janeiro), bem antes começo do ano letivo (Setembro). Geralmente, você deve se dirigir à prefeitura da sua cidade, com seus documentos em mãos e lá é feita a pré-inscrição na qual te indicam em qual escola seu filho irá estudar (as cidades são setorizadas e cada escola cobre determinadas zonas da cidade). Identificada a escola, você deve ir até ela para terminar a inscrição. É também na prefeitura que são feitas as incrições para o periscolaire.
Bom, comigo não foi assim… O início das inscrições foi atrasado e fizemos a primeira parte totalmente online depois de receber um e-mail da prefeitura. Para ser sincera, adorei a ideia já que meu francês escrito é melhor que o falado. Por outro lado, com quem tiraria dúvidas e pediria esclarecimentos sobre os papeis a serem preenchidos? Isso me levou a alguns intermináveis e-mails e envios errados de formulários.
Para a inscrição na escola precisei da certidão de nascimento traduzida do meu filho, a comprovação da vacina DTPolio e comprovante de endereço de menos de três meses. Geralmente há uma pequena entrevista para conhecer a criança e a família e uma visita à escola para conhecer as dependências. No nosso caso, foram entrevistas individuais, e não houve visita devido aos protocolos sanitários.
Feita a inscrição, ainda ficamos alguns meses na dúvida se as escolas reabririam e, se abertas, como seria esse início, a chamada “rentrée scolaire”. Terminamos a inscrição no fim de maio, logo, foram três meses de incertezas.
O grande dia
O e-mail confirmando a “rentrée ” chegou e comecei a pensar como iria preparar meu filho para essa transformação na vida dele. Estava bastante ansiosa e angustiada, pois achava que poderíamos ter problemas de adaptação como aconteceu com a creche. Ademais, estávamos confinados havia seis meses. Mas meu filho me mostrou que eu não poderia estar mais enganada!
Fizemos um calendário de contagem regressiva para a escola que ele riscava a cada noite. No dia da primeira aula, ele não poderia estar mais empolgado! Escolhemos uma roupa bem bonitinha, tomamos nosso café da manhã e seguimos para a escola. Durante a curta caminhada, ele me encheu de perguntas (e eu tirei muitas fotos) e, assim que chegamos, me perguntou se ali era a sala dele e abriu um super sorriso. Pude entrar e vimos juntos o local para deixar a mochila e casaco, olhamos a sala, perguntei se estava tudo bem e ele me disse para ir embora: me deu um beijinho, me disse tchau… e foi isso! Fiquei impressionada com a tranquilidade com que tudo aconteceu. Super orgulhosa mas também com um imenso vazio…
Depois de dois anos e meio como mãe em tempo integral, uma convivência intensa e uma simbiose enorme entre nós dois, eu via meu pequeno se distanciando levemente. Me via sozinha, com tempo livre e sem saber como preencher. Tive – e ainda tenho – dificuldades em olhar para mim, em me colocar à frente e como prioridade, dificuldade em preencher meus pensamentos e meu tempo comigo mesma. Além do medo de que agora o meu pequeno não seria só meu, não poderia blindá-lo mais dos males do mundo, apenas aconselhá-lo e acompanhá-lo. Sem contar o medo sem sentido de que não seríamos mais tão próximos, que talvez o encanto dele pela mamãe diminuísse.
Nova surpresa
E logo depois dessa primeira adaptação, uma surpresa: mudaríamos de cidade, logo, ele mudaria de escola novamente! Meu coração se apertou: como fazer essa mudança de escola e como seria essa nova adaptação dele? Três ótimas surpresas: ele passou tranquilamente por isso (de novo!), a transferência entre escolas foi muito fácil e mudamos para a escola perfeita! Mas entro em detalhes sobre isso em um próximo texto.
Ao passar por esse processo de forma tão leve, demonstrando uma incrível capacidade de adaptação e maturidade, só consigo sentir orgulho do meu filho e também pelo nosso caminho percorrido. Criar e educar um filho é trabalhoso, ainda mais se feito de forma respeitosa, com acolhimento e muitas conversas, mas já consigo ver na prática o quanto a dependência e apego dele a mim nos primeiros estágios de sua vida o transformaram em uma criança autônoma e independente.
E quanto ao meu medo e vazio? Esses se mostraram totalmente infundados: meu colo ainda é procurado todas as noites, e estamos mais próximos e unidos, tendo novas descobertas a compartilhar, tanto juntos quanto individualmente.