Em março de 2019, estourou um escândalo de compra de vagas em universidades nos EUA envolvendo um esquema multimilionário em instituições de renome mundial. Em torno de 50 pessoas foram indiciadas, entre pais, treinadores da NCAA (National Collegiate Athletic Association) e funcionários de universidades.
Os pais pagavam propina para que os seus filhos tivessem o ingresso facilitado nessas instituições. As fraudes aconteceram em universidades de prestígio, tais como: Yale, Georgetown, Stanford, Texas, Califórnia (UCLA) , Wake Forest University, entre outras. Entre os pais envolvidos na fraude estão pessoas muito ricas e influentes como altos executivos e artistas de Hollywood (Felicity Huffman e Lori Loughlin). A maioria pagou entre US$ 200.000 e US$ 400.000.
O esquema, que funcionou entre 2011 e 2018, tinha William “Rick” Singer como principal organizador. Através das suas empresas Key Wordwide Foundation e The Edge College & Carrer Network, que em tese ofereciam programas de preparação e aconselhamento para a entrada nas universidades, ele recebia altas quantias de dinheiro, que eram parcialmente repassadas a funcionários dessas instituições universitárias. Em alguns casos, os examinadores faziam provas de admissão no lugar dos jovens. Em outros, as respostas dos testes eram alteradas depois de concluídos. Havia ainda os casos em que os estudantes eram apresentados como atletas a serem recrutados pelas instituições.
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O que mais me chocou em relação ao caso foi quando a atriz Lori Loughlin não assumiu a sua culpa e declarou que não considerava ter cometido nenhuma ilegalidade. Segundo ela, qualquer mãe em seu lugar teria feito o mesmo. Ela se defendeu afirmando que é comum pessoas ricas doarem dinheiro para universidades, assim como contratarem consultores para ajudarem no ingresso dos filhos. Ela e o marido, que pagaram US$ 500.000 para que as duas filhas fossem recrutadas como atletas na Universidade da Califórnia, afirmaram terem dado dinheiro para o consultor sem saber para que ele seria usado.
Helicopter Parents e o excesso de proteção
Esse episódio traz à tona a superproteção extrema de alguns pais, que são capazes de tudo para garantir o que consideram ser o melhor para os seus filhos. Esse é um exemplo extremo, pois os pais chegam a cometer um crime. Mas se pararmos para pensar em situações mais corriqueiras do dia a dia, quem não conhece algum pai ou mãe que sempre coloca a culpa na outra criança/jovem quando o seu filho se envolve numa briga? Ou os que discutem com os professores para aumentar as notas dos filhos? E aqueles que praticamente fazem o projeto da feira de ciências dos filhos para que eles vençam a competição? E os que pressionam os treinadores para que coloquem seus filhos para jogar durante as partidas decisivas? São pais que, se pudessem, criariam os seus filhos dentro de uma bolha, evitando que sofressem qualquer tipo de frustração.
Nos Estados Unidos, esses pais superprotetores são chamados de helicopter parents (pais helicópteros). O nome se deve ao fato deles estarem sempre pairando sobre as cabeças dos filhos e supervisionando constantemente todos os aspectos de suas vidas. São pais que têm uma relação excessivamente controladora e de superproteção. Há anos, médicos e psicólogos vêm alertando para o impacto negativo da educação desses pais sobre a autoimagem, a saúde mental, a independência, resiliência e a capacidade de adaptação dos filhos.
Pais que burlam regras: que mensagem passam para os filhos?
Muitos pais são capazes de violar regras, e até mesmo leis, como no caso da compra de vagas nas universidades, na defesa do que acreditam ser o interesse de seus filhos. Eles costumam achar que as regras estabelecidas estão prejudicando, estressando e dificultando a vida das crianças e jovens. Alguns consideram ainda que as regras simplesmente não são aplicáveis aos seus filhos.
E que mensagem fica para os filhos quando os pais deixam claro que conhecem as regras, mas que elas podem ser flexibilizadas quando é do interesse da família? O que as crianças e jovens interpretam quando seus pais demonstram conhecer as leis, mas claramente escolhem não seguí-las porque elas não são “o melhor” para a família? Certamente, os pais passam a mensagem de que as regras da sociedade não se aplicam a todos de forma justa. E abrem caminho para que os filhos acreditem que são tão especiais que merecem ser tratados de maneira diferenciada. Isso pode trazer péssimas consequências para a saúde mental a longo prazo.
Pais conscientes do seu papel
Por mais que a gente queira proteger os nossos filhos, sabemos que não podemos mantê-los “sob as nossas asas” a vida toda. Em algum momento, eles terão que voar e precisarão estar preparados para enfrentar a vida. E, com certeza, passar por frustrações faz parte desse aprendizado.
Precisamos ensiná-los desde cedo que se querem algo, precisam se esforçar para alcançar o objetivo. É essencial ter força de vontade para trabalhar pelo que se deseja. Outro aprendizado fundamental é o respeito ao outro e o respeito às regras. Isso é básico para o bom desenvolvimento da vida em sociedade. Outra coisa importante, é explicar a eles que nem sempre conseguimos o que queremos. Em maior ou menor grau, isso acontece com todo mundo.
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Em relação especificamente ao episódio da compra de vagas nas universidades, me parece que esses pais acreditaram que o poder do nome da universidade garantiria o sucesso de seus filhos. É claro que o peso de uma instituição de renome no currículo é inquestionável, mas o simples fato de estar matriculado nela não é garantia de êxito.
Em primeiro lugar, os jovens precisam se esforçar e conquistar uma vaga em uma universidade por mérito próprio. Nem todos conseguem ser aprovados nas de maior prestígio, mas isso não é determinante para o sucesso na vida pessoal ou profissional. Nos Estados Unidos, aliás, há pesquisas que indicam que o valor dos salários estão mais relacionados com as habilidades pessoais dos funcionários do que com as instituições de ensino nas quais estudaram.
Alguns atributos como ética, resiliência, capacidade de comunicação e colaboração, comprometimento, criatividade e pensamento crítico são muito importantes pra vida e para o êxito profissional. Embora possam ser aprimoradas na universidade, é improvável que sejam criadas a partir do zero quando os jovens já têm 18, 19 anos de idade. Teria sido muito mais educativo e eficaz, se esses pais tivessem investido tempo (e dinheiro) ajudando os seus filhos a desenvolverem essas habilidades ao longo da infância. Mas eles preferiram apostar que uma vaga (comprada) em uma universidade de prestígio garantiria uma vida de sucesso para eles.
Os pais têm a obrigação de ensinar aos filhos o que é certo e errado. Quando eles são superprotetores e incapazes de seguir as regras sociais de forma ética, a consequência é desastrosa para todos: para os próprios filhos, que em geral, se tornam adultos inseguros e incapazes de construirem suas vidas de forma autônoma, e para a sociedade de forma geral, que precisa lidar com pessoas despreparadas emocionalmente.