Homeschooling na Califórnia: uma mudança radical de paradigma
Era um dia normal, como todos os dias: manhã linda e fria de um Fevereiro Californiano, sol brilhando retumbantemente, meus gatos preguiçosamente esparramados pelos tapetes…ah, que delícia a morosidade da manhã!
Com as crianças na escola, a mamãe-ganso se divide em “multi-ganso” para dar conta de tantas coisas pequenas e cotidianas, porque se ela se esquecer de umazinha só, minha amiga…a coisa esquecida simplesmente é riscada do Mapa Mundi da lembrança, um verdadeiro perigo à existência das coisas.
Mas a vida é boa, e ela quase nunca se esquece das coisas primordiais, como buscar as filhas na escola, por exemplo. É, você está rindo, mas eu já esqueci minha bebê com 7 meses de idade na banheira enquanto lia meus e-mails! Mas essa é outra estória para uma outra hora.
Leia também: Será que a infância é respeitada nos EUA?
Então, eis que acontece o acontecido que virou minha vida pelo avesso. Respira fundo, que ainda tem mais suspense.
Toca o telefone e eu vejo no identificador do iPhone que quem me ligava era a escola da minha filha mais nova. Já fiquei meio apreensiva, porque você sabe, falar ao telefone com povo de escola aqui nos Estados Unidos é sempre meio tenso, eu acho. Talvez porque elas falem um Inglês muito rápido e te tratem como se você fosse “meio idiota”, já que você é estrangeira e por vezes não entende absolutamente “tudíssimo” o que elas, as secretárias escolares, falam, e tem que ficar dizendo”I’m sorry?” para que repitam as frases. Já captou a cena, né?
Pois bem, toca o telefone e a secretária me pede para ir buscar a minha filha, porque ela não estava bem, tinha chorado muito e ninguém sabia o porquê. “Como assim, por exemplo, não sabem o porquê?” Isso eu pensei, mas não falei. Só perguntei à secretária, com a voz apertada na garganta, se minha filha estava ferida. “No, she’s fine”, ela respondeu, bem secamente. Certo, então estava quase tudo bem! Ufa.
Com mil ideias loucas girando na cabeça caótica, de roupa de ginástica e cabelos à la Einstein, calço aquelas botas horríveis, mas confortáveis (você sabe do que estou falando, aposto) e vou dirigindo rapidamente até a escola.
Uma vez chegando, do carro já avisto minha filhota caminhando devagarinho, saindo do “office”. Ela chega no carro de cabeça baixa, sem falar uma palavra e sem chorar. Pergunto o que aconteceu, ela me responde que não foi nada. E fica lá muda, cabisbaixa, ensimesmada, macambúzia e todos os adjetivos do gênero, e eu vendo claramente no ar pesado dela que tinha acontecido tudo.
Ai que agonia não ter a telepatia instantânea ali naquele momento, viu? Até que sou bem “telepata”, alguns dias mais para “pata” do que para “tele”, como era o caso ali, naquele momento.
Pois ela muda. E eu dirigindo, de volta para casa, olhando pelo retrovisor, olhando para ela lá no banco de trás. Pense num “sinistro” querendo ser anunciado….mas não fora esse o desastre.
Chegando em casa, ela gruda no tablet, calada como um cofre, e eu ali no quarto dela, de lá pra cá que nem uma pateta perguntando mil coisas, todas-ao-mesmo-tempo-agora: “Quer comer? Você está triste? Foi tudo bem? O que foi que aconteceu?”. Nada, meu bem, não escapava nem um suspiro. Cofre de segredo indecifrável.
Ó raios.
Desisto, né? Fazer o quê? Resolvi que iria esperar por meia hora e depois voltaria lá no quarto dela novamente.
Não foi preciso muito. No intervalo de uns 15 minutos, ouço a vozinha me chamando, carregada de emergência e saio correndo como o próprio “The Flash”personificado. Encontro o que parecia ser uma outra criança, aos prantos, completamente transtornada, soluçando tanto que nem tinha como respirar. Meu coração moído, começo a chorar também, mas ó raios, eu sou a mãe, carácoles! Calma, muita calma nessa hora, penso eu. E segurando o choro, coloquei aquela meninona-meu-bebê de 9 anos no colo e embalei-a, como fazia quando ela ainda cabia nos meus braços.
Chora, e chora, e chora e soluça, e assim ela continuou no meu colo, por uma hora e meia. Quando o vulcão do choro se atenuou um pouco, ela me diz com uma vozinha apagada: “mamãe, some people in my class are calling me ‘gross'”.
O quê???? Não entendi, eu juro. Ela repetiu, e eu tentando traduzir e entender de outra forma o que ela estava me dizendo. “As crianças da sua classe estão te chamando de nojenta?”, pergunto. Choro e mais choro contínuo, os soluços eram tão sentidos que pareciam rachar a criança no meio.
Minha amiga, que dor…que dor a gente que é mãe-ganso sente nessa hora. Dor pungente, misturada com ódio e desejo de matar pelo menos uns cinco, como sentia o meu amigo Charles Bronson lá nos anos 90…e não me diga que você não é desse tempo!
Só que a história era muito mais longa do que você e eu poderíamos imaginar.
Soubemos depois que foram 8 meses de xingamentos diários proferidos por vários colegas de classe à nossa menininha, e ela não mencionava uma só palavra a nós, seus pais, por respeito àqueles mesmos colegas.
E foi assim que eu comecei a me tornar, na Califórnia, a responsável de poder e de fato pela educação formal da nossa filha mais nova através do “homeschooling”.
Quer saber mais sobre essa história? Vem comigo até o próximo post, que eu te conto.
7 Comentários
Força! Desejo que sua “bebê” se torne um poço de auto-confiança no futuro. S2
Muito obrigada Jessika! Desejo o mesmo 😉
Estamos caminhando devagarinho. Beijos e obrigada!
[…] dolorosamente — se deu a nossa iniciação ao Homeschooling, aqui na Califórnia? Se não, clica aqui para […]
Fiquei com lágrimas nos olhos… Espero que tenha ficado tudo bem e ela tenha superado…
Oi Claudia! Muito obrigada por ter lido! Estamos superando. Vamos devagarinho, pois ela ficou bem traumatizada. Escrevi sobre isso no texto seguinte intitulado “Antes do Homeschooling”, se você quiser saber mais. Estou aprendendo muito e vou contando aqui minhas experiências. Um beijo!
Flávia, esse depoimento é muito forte, com o tal do Bullying na escola que, diga-se de passagem, se alastrando pelas escolas do mundo inteiro. Sua linda filha mais nova passou por momentos extremamente difíceis com crianças da mesma turma, já que não se pode dizer que são suas amigas. Vejo esse problema com muita preocupação quando a escola precisa combater práticas absurdas e malvadas de Bullying na escola. E, pelo visto nada se faz para combater , do contrário, percebemos que a indiferença corrobora para intensificar essa prática inaceitável. Sua atitude em publicar tal fato é uma atitude de uma mãe educadora é sensível a esse problema tão sério que se instalou na escola. Vou usar seu texto para produzir um artigo, intitulado: Estudo de caso de uma escola no combate ao Bullying numa escola nos Estados Unidos.
Oi Socorro! Muito obrigada por ter lido! Sim, aqui nos EUA o bullying já é esperado, de tão comum que é. E os professores/diretores fingem que nada aconteceu, porque o bullying é proibido nas escolas da Califórnia. Veja a ironia: por ser proibido o bullying, o staff escolar finge que não vê para não ter que responder por isso perante a supervisão escolar. Triste né? Mas pode usar meu texto sim, acredito que aqui no site você encontra mais relatos ainda sobre isso. Muitos beijos! Saudades!