Escola livre (democrática) na Alemanha.
Minha filha mais velha tem hoje 6 anos e até ela nascer, eu nunca havia vivido algo que trouxesse tanta mudança em minha vida em pouco período de tempo como a maternidade. Nossos filhos vão crescendo e vão nos oferecendo novas oportunidades para olharmos e lidarmos com determinados assuntos de uma maneira completamente nova. Neste texto vou tentar compartilhar um pouco da nossa experiência depois que ela começou a frequentar uma escola livre (ou democrática) aqui na Alemanha. É uma escola muito diferente da escola que eu e meu marido frequentamos – e provavelmente também bem diferente da escola que você frequentou.
Escolhemos o vilarejo onde moramos por ele oferecer uma estrutura alternativa para famílias. Temos um jardim-de-infância montessoriano, uma escola livre e várias outras iniciativas “amigas da família”. Algumas das pessoas moram e trabalham aqui mesmo, como é o caso dos professores da escola. Ou seja, minha filha já os conhecia antes do início das aulas, o que também contribui para que sua adaptação na escola fosse muito tranquila.
O que são escolas livres / democráticas?
A escola livre / democrática aqui na Alemanha é associativa e mantida pelos pais, professores e alunos. Sim, os alunos também são parte fundamental nas tomadas de decisões e funcionamento deste grande sistema. Um exemplo: na nossa escola, os alunos da secundária (entre 9 e 13 anos) são responsáveis pela limpeza diária de toda escola. Isso mesmo, nós não temos faxineiras(os), mas um “time da limpeza”. Além disso, todos os alunos das diferentes idades têm a oportunidade de participar da assembleia semanal da escola. Alguns professores também estão presentes e abre-se a voz para quem tiver alguma sugestão, crítica ou simples comentário a ser feito. Um exemplo: o banheiro das meninas ganhou um secador de mãos elétrico. Os meninos também acham justo ter acesso a um aparelho deste. Proposta aceita na assembleia e levada à diante para o responsável sobre o tema.
Escolas livres não têm uma metodologia única e igual, como a Waldorf por exemplo. O primeiro ano da escola Waldorf da Bélgica fará (provavelmente) a mesma coisa que o primeiro ano de uma escola na Argentina. Cada escola livre é única e desenvolve sua forma de oferecer aos alunos um ambiente rico e seguro para aprenderem e se desenvolverem de diferentes sentidos. Algumas escolas não são nada diretivas e não oferecem nenhuma opção de aulas ou projetos. Outras são um misto dos dois. Algo novo, não é? Pois é, a escola livre na Alemanha pode causar muito estranhamento pelo fato de, como o nome diz, ser livre. Mas uma escola livre não é sinônimo de bagunça, de “cada um faz o que tem vontade”. Por ser livre, ela é cheia de regras e os alunos crescem sabendo delas – e também com a possibilidade de muda-las.
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Nossa escola não tem classes. As crianças não são separadas em mini grupos, porém em três grandes grupos: os da Primaria (dos 6 até aproximadamente 9 anos), os das Sekundaria e os da Tertia (os adolescentes). Cada grupo dispõe de um ou mais espaços que são só seus e outros que são divididos entre os diferentes grupos, como por exemplo a sala de música, de criação (pintura, costura, cerâmica), de marcenaria, espaço de movimentos, o pátio e o jardim com parquinho adequado para a idade deles. Nestes espaços acontecem encontros muito interessantes, onde uma aluna de 7 anos aprende a costurar com uma menina de 10 anos. Ou o menino de 9 anos ensaia uma coreografia com as meninas de 13. Ou um grupinho de crianças da Primaria ao brincar de lojinha aprende junto a fazer contas de matemática. Ou seja, um interage e aprende com o outro de maneira viva e normal, assim como funciona nossa sociadade.
Neste tipo de escola existe a visão de que a aprendizagem não é um resultado direto do ensino, mas sim de uma variedade de atividades das crianças, o que vai além do formato tradicional das aulas. Para mais informações sobre este tema, recomendo o filme “A educação proibida.”
Como funciona o dia-a-dia da escola de minha filha?
Ela pode chegar entre 7:30 e 8:30 da manhã. Durante esse horário as crianças da Primaria se encontram no espaço deles. Ali eles têm acesso a livros, jogos, Lego e tocos de madeira, um mezanino e um espaço com mesas e prateleiras com lápis, papel, tesoura etc.
Das 8:30-9:00 acontece o “encontro do grupo” entre as crianças e os cuidadores. Estes atualizam os pequenos das possibilidades do dia. Quais oficinas estão abertas? Existe alguma atividade especial? Alguém tem algum interesse, desejo? Depois disso cada criança segue seu próprio “instinto” e interesse. Alguns ficam brincando no cantinho do Lego, outros seguem para a marcenaria, outros sentem fome e buscam o lanche na mochila… Além disso, as crianças tem diariamente um professor disponível na “sala amarela”, dedica para leitura, escrita e matemática.
Ou seja: na Primaria a criança não é obrigada a participar de nenhuma aula (até porque não tem aula nesta escola) e de nenhum “projetinho”. Elas são convidadas a isso – e adivinha se elas não participam? Eu recebo em média 3 ou 4 emails semanais dos professores contando as inúmeras invenções que surgem das crianças: um restaurante semanal, um projeto de circo que durou três semanas com direito a uma super apresentação (e tudo que o que envolve a apresentação de circo é responsabilidade deles, como iluminação, música, fantasia, roteiro, ingressos etc), costuras incríveis das meninas (em sua maioria) e por ai vai. Um grupo da floresta também existe como opção de atividade semanal. Neste dia nós país deixamos e buscamos as crianças direto na floresta, faça chuva ou faça sol – ou neve.
Minha filha já mostrava interesse pela escrita antes de fazer 5 anos. Seguindo o ritmo e curiosidade dela, fui respondendo à sua sede. Eu não tinha o interesse em lhe alfabetizar, em ter o papel de uma professora no sentido tradicional que lhe mostra como se escreve. Foi um processo que seguimos juntas, numa forma nossa. Ao entrar na escola ela já sabia escrever várias palavras e começava a mostrar interesse pela leitura. Hoje, sem ter tido que frequentar 3 aulas semanais de alemão + 3 de matemática, ela já sabe escrever, segue com muito entusiasmo e “fogo” na magia da leitura e vez ou outra lhe pego num canto fazendo contas. É incrível! Esse processo livre, autônomo, baseado no ritmo da criança me fascina! O que me fascina não é o fato em si dela já saber escrever, mas de poder aprender a escrever de maneira livre, apenas com a orientação e presença dos adultos (que é essencial).
Este é só o começo de sua aventura na escola. Sei que teremos muitas surpresas pela frente, mas não idealizo o lugar onde ela está. Pelo fato da escola oferecer muito espaço e liberdade a ela, tenho consciência do papel que nós temos enquanto família em lhe oferecer estrutura e atenção.
Falar de escola livre na Alemanha num texto com caracteres limitados é um desafio, pois são inúmeras as facetas deste tema. Cada criança e família faz a sua experiência dentro de uma escola como essa. Mas quem se interessou, vale à pena pesquisar. Ou melhor ainda: fazer sua própria experiência. Uma dica importante neste processo é largar mão dos velhos padrões e se abrir para uma nova experiência.
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6 Comentários
Adorei esse tipo de conceito!! Estamos aplicando para uma escola Waldorf aqui no Norte da Alemanha!! Está com pensamento positivo! As crianças irão mudar esse mundo!! 🙏🏻
Que bom que tu gostou Mirela. Acho incrível de ver quantas inciativas e novas propostas pedagógicas vêm se iniciando nos últimos tempos. Temos aí grandes chances de mudanças – tanto para as crianças quanto para nós adultos.
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