Educação fora da escola na Alemanha.
Que o sistema convencional de educação está mostrando seus enormes falhas, muitos de nós já sabemos. Mas será que realmente estamos prontos para mudanças estruturais necessárias?
Você sabia que, segunda uma pesquisa divulgada no livro e filme Alphabet, 98% dos seres humanos pesquisados nascem com qualidades de um gênio? Porém, ao saírem da escola apenas 2% mantém essa chama viva! Depois de investigar o que causa esse significante encolhimento da curiosidade, criatividade e inteligência nas pessoas, eles descobriram que o modelo escolar tradicional era o responsável por este fenômeno.
A grande maioria de nós frequentou a escola e por isso a relação escola-educação parece ser óbvia e a única possibilidade para poder vivenciar experiências de aprendizagem e desenvolvimentos intelectual, social e emocional de uma criança ou jovem. Mas é bem provável que essa crença exista pelo fato da maioria de nós não termos conhecido outros tipos de experiências ligadas a educação. Em outros países já se pode comprovar através de inúmeras pesquisas que mesmo fora da escola pessoas em qualquer idade podem aprender, se desenvolver saudavelmente e se tornarem adultos felizes e realizados.
O que é a educação livre?
A educação livre, ou fora da escola possibilita o acesso à educação independente de uma escola ou instituição educacional. Ela acontece de forma autônoma e auto organizada, o que possibilita a criança ou jovem de se expressar e desenvolver sua personalidade e interesses da sua maneira e tempo, tendo sua dignidade enquanto ser humano respeitada.
Isso é realidade em muitos países – mas não na Alemanha. Aqui impera a rígida obrigatoriedade escolar para crianças e jovens entre 6 e 18 anos. Esta lei foi criada na República de Weimar (1918-1933) e depois acentuada por Hitler durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Naquela época da ditadura, o estado queria ter controle de tudo e não é difícil de chegar a conclusão do enorme poder de formação de opinião que a escola exerce sobre as crianças – no passado e ainda hoje.
Alemanha: um do únicos países ocidentais a ter uma legislação tão rígida
No papel, é claro que hoje, a lei está formulada de outra forma: o Estado vê a educação como um tema de sua tutela e responsabilidade. Somente ele (o Estado) pode decidir o que tange a educação. Resultado: população com baixa taxa de analfabetismo (o que é muito bom!) e todos com acesso à escola – mas por outro lado, os pais e cuidadores (e muito menos as crianças) não tem liberdade decidirem a melhor forma de oferecer alternativas ligadas ao acesso à educação para seus filhos.
A Alemanha é um do únicos países ocidentais a ter uma legislação tão rígida quanto a isso, diferentemente de países como a Áustria, Suíça, Bélgica e Dinamarca onde existe uma obrigatoriedade de acesso à educação mas esta não limitada a escola, ou ainda a Irlanda, Itália e Espanha, onde a educação doméstica parcial é permitida, ou também nos Estados Unidos onde a obrigatoriedade escolar foi completamente banida e famílias tem a possibilidade de oferecer uma educação doméstica (Homeschooling) a seus filhos. No Canadá por exemplo, cada família que se responsabiliza pela educação dos filhos e não os envia para a escola, recebe ajuda mensal estatal para desempenhar esta atividade da sua maneira.
Mas afinal, o que motiva uma família a tirar ou a não matricular seu filho na escola?
Os motivos podem ser vários e as histórias e relatos são muito individuais. Mas de maneira geral, pode-se identificar os seguintes perfis de “Freilerners”:
– acreditam que esta forma de educação livre seja mais adequada (em comparação com a educação limitada a uma instituição). Aqui existem diferentes subgrupos, onde alguns praticam ou são a favor da educação doméstica diretiva vinda dos pais (Homeschooling) e outros a favor do Unschooling onde a criança aprende de maneira ainda mais livre e autônoma.
– outro motivo são experiências negativas na escola, seja porque as crianças não tiveram suas necessidades atendidas, não receberam o apoio ou incentivo necessário; ou porque estavam sobrecarregadas ou ainda pelo contrário não foram muito incentivadas e “desafiadas” positivamente na escola; ou ainda por terem sofrido mobbing ou qualquer tipo de discriminação entre os colegas. Neste contexto não são poucos os casos de crianças com fobia à escola.
Desafios e vantagens
Praticar e viver a educação fora da escola significa muito envolvimento e engajamento dos pais e da própria criança. Aqui o papel se inverte e a família assume a responsabilidade pelo acesso à educação. É claro que não podemos falar que isso funciona de maneira simples e fácil. Já conheci várias famílias, tanto aqui na Alemanha como no Brasil que dizem um sim para este modelo. Os desafios são vários e o nível de engajamento e entrega de cada um é muito individual.
De maneira geral pode-se dizer que os pais interessados na educação fora da escola parecem desenvolver uma confiança na criança e uma escuta ativa das suas necessidades e interesses.
Neste processo o motivador da aprendizagem não é um plano curricular, mas o interesse da criança. Algumas fazem diferentes cursos, sejam eles de marcenaria, culinária, hipismo, outros ainda viajam bastante e aprendem de maneira informal através dos encontros e relações sociais. Alguns pais se envolvem mais e oferecem aulas para os filhos, outros aprendem com outros grupos de crianças que também aprendem desta maneira.
Buscando vias legais
Devido a rígida legislação e grande controle do sistema alemão, muitas das famílias que optam por este tipo de experiência precisam se envolver com advogados e grupos de apoio. Estes ajudam com toda questão burocrática e juntos encontram caminhos viáveis para que os pais e a criança possam ter direito da liberdade de ensino. Pois apesar das dificuldades, acredita-se que cerca de mil crianças não frequentam a escola na Alemanha, algumas delas com autorização legal.
É claro que em alguns casos de negligência é importante que o estado esteja acompanhando cada caso. Com este texto também não defendo a educação fora da escola como opção para todas as famílias. Mas acho interesse de apresentar esta outra possibilidade e perspectiva.
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Além de mais, por que tanto medo de oferecer mais liberdade para os pais no envolvimento e participação na educação dos filhos? Por que este modelo funciona tão bem em outros países como a França, por exemplo, onde as crianças que não frequentam a escola são acompanhadas regularmente por educadores e psicólogos? Por que não oferecer espaço e liberdade para esta pequena margem da sociedade ao invés de planificar e restringir esta opção, exigindo que todos frequentem a escola, independente do caso e história familiar? Esse controle exagerado gera muitos problemas e dificuldades tanto para o estado quanto para as famílias. Por este motivo muitas famílias alemãs de freilerners preferem deixar o país e viver em outra região com mais liberdade de escolha.
Será que a sociedade como um todo não teria mais a ganhar?
No Facebook já existem vários grupos de discussão sobre o tema e em Leipzig formou-se um grupo local bastante organizado e articulado que oferece encontros regulares para as crianças, acampamentos de verão (do qual participei ano passado) e muita informação para os pais.
O que vale mais à pena: exigir que todas as crianças entre 6 e 18 anos frequentem obrigatoriamente o prédio escolar e medicalizar aquelas que não se encaixam no sistema, ou abrir brechas para esta pequena porcentagem, para estas crianças com suas necessidades e desejo individuais? Será que a sociedade como um todo não teria mais a ganhar? Jovens que aprendem de outra maneira, que possuem mais liberdade para ir em busca daquilo que tem interesse, podem trazer um diferencial para a sociedade. Isso já foi percebido por scouts de várias universidades de renome nos EUA que passaram a frequentar estes grupos de homeschooler e unschoolers, atraídos pelas suas qualidades individuais.
A inteligência tão diversa- tão diversa quanto o ser humano! Planificar e pressionar alguém a aprender num lugar e horário específico talvez não seja a maneira mais sensata.
4 Comentários
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Oi Bárbara, amei esse seu artigo. Sou iniciante no Unschooler, temos um grupo de famílias aqui na Califórnia que se encontra para aprender junto sobre a natureza e uma das mães é Alemã, recém chegada d Berlim. Ela me contou mesmo dessa rigidez exacerbada em relação à escolarização imposta na Alemanha, e pesquisando sobre isso, tenho me surpreendido cada vez mais ao entender que a escola aos moldes que conhecemos foi criada na Alemanha para acomodação das massas de crianças à aceitação de ordens sem refletir. Muito importante a sua reflexão, parabéns! Um beijo.
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