Educação alternativa: a Pedagogia Reggio Emilia.
Meu interesse por diferentes abordagens educacionais começou durante a faculdade de Psicologia. Naquela época entrei em contato com psicologia do desenvolvimento infantil e até participei de pesquisa com base na teoria cognitiva de Jean Piaget. Mais adiante me voltei mais para psicologia escolar e orientação profissional, mas o encanto pelo desenvolvimento e aprendizado infantis permaneceu aceso.
Com certeza foi com o meu trabalho e reconhecimento como educadora infantil na Alemanha que a afeição pelo tema ganhou ainda mais espaço. Trabalhando em uma creche de primeiríssima infância (0-3 anos) conheci, entre tantas abordagens, Emmi Pikler, Elfriede Hengstenberg e a pedagogia Reggio Emilia, sobre a qual quero contar um pouco nesse meu texto. O que essas abordagens tem em comum e que tanto me fascinam é a maneira de olhar a criança como um ser autônomo e de direito, que aprende em contato com o outro e através da brincadeira.
Optei escrever brevemente sobre a pedagogia Reggio Emilia por ser um modelo italiano que está inspirando escolas infantis do mundo todo.
História
No período pós Segunda Guerra Mundial, havia a necessidade de reconstruir e reerguer o país, bem como de reorganizar a sociedade. Assim, na pequena comunidade da cidade Reggio Emilia, na região Emilia Romagna, surgiu a vontade por parte dos pais de transmitir esses valores para os pequenos através da educação. Porém, até final dos anos 1960 não havia na Itália nenhuma lei e, portanto, nenhum incentivo, relativos à educação de crianças de até 6 anos.
Foi com a participação ativa dos pais e apoio do então jovem professor Loris Malaguzzi, que começou-se a desenvolver ali um novo sistema educativo para crianças pequenas. As primeiras escolas de infância que surgiram em Reggio se deram por envolvimento voluntário por parte dos pais tanto na construção de espaços provisórios quanto no envolvimento desses no processo de aprendizagem das crianças. É daí que a participação dos pais se tornou parte fundamental da abordagem Reggio.
Na década de 1970 o município de Reggio já gerenciava mais scuole materne (pré-escolas) e asili nidi (creches) que o governo federal na região. Nos anos1980 já haviam mais de 20 institutos na rede de serviços do município e a demanda por parte da comunidade continuava a aumentar. Com uma diminuição nos recursos recebidos do governo foi criado o “Progetto Infanzia”, reunindo as pré-escolas e creches da região em uma gestão cooperativa. Em 1991 veio o reconhecimento internacional deste modelo pedagógico, quando a revista Newsweek citou uma das pré-escolas da cidade como o modelo mais vanguarda de educação infantil.
Os papéis da criança e do educador
A criança nesta abordagem pedagógica é vista como um ser social e de direito, é construtora ativa do próprio conhecimento. O instrutor/professor é um colaborador que aprende junto com a criança, atuando como pesquisador, guia e facilitador. É fundamental que a criança possa ser livre para interagir com o ambiente ao seu redor, e assim possa exprimir os seus pensamentos e suas reflexões acerca do mundo. É papel do adulto valorizar isso e encorajar os pequenos a discutir possibilidades e criar junto com eles uma maneira de realizar suas ideias.
O adulto/educador é então aquele que guia, que ajuda a expandir a potencialidade já existente em cada criança, estimulando-a a se aprofundar nos objetos de seu interesse. Ele está envolvido no processo de aprendizagem com a criança, ou seja, aprende junto com ela. É parte do seu trabalho fazer uma documentação para não somente ajudar a criança a se recordar do que foi feito até então, mas para ele/a próprio/a ter noção do processo de desenvolvimento de cada criança como indivíduo e também do rumo de cada projeto. Isso é importante para poder ter ideias de como progredir, assim como manter os pais informados do que se passa dentro da escola.
… nossa imagem da criança é rica de potencial, forte, poderosa, competente e, acima de tudo, conectada aos adultos e às outras crianças (Loris Malaguzzi para a revista Young Children, 1993 – tradução livre)
A socialização, tanto com os adultos quanto entre os colegas de classe, o afeto e a confiança na capacidade de cada um são pontos essenciais no processo de aprendizagem. O conhecimento é, portanto, construído socialmente, e abrange múltiplas formas de saber.
A escola
Nesta abordagem não existe uma metodologia pré-estabelecida, mas sim um objetivo final que será alcançado através de projetos estabelecidos conjuntamente ao longo do caminho. Diferentemente do sistema educativo tradicional ao qual estamos habituados, em que a escola é o local físico onde o conhecimento é transmitido pelos adultos às crianças, neste modelo a criança é o protagonista e escolhe o percurso para o seu aprendizado com a ajuda dos educadores, que atuam como coadjuvantes. Pode-se dizer que é um modelo construtivista de aprendizagem, assim como já pregava Piaget, por exemplo.
Nas escolas de Reggio o ambiente é de extrema importância no processo de aprendizagem. No centro de cada escola existe a piazza (praça), que é o local onde todos se encontram e onde grande parte das atividades acontece. A cozinha é à vista e o refeitório é conjunto. Não existem salas de aula como conhecemos, e sim pequenos espaços colegados à piazza para se trabalhar em pequenos grupos, com um ambiente onde as crianças possam estar também sozinhas, e não sempre com os educadores. Outro local de grande prestígio é o ateliê, espaço em que a criatividade pode ser usada ao máximo. A arte é um ponto de muita importância para as crianças demonstrarem suas ideias. Nos ateliês existem inúmeros tipos de material para se manusear, desde papel, lápis, tinta, até pedaços de madeira, botões, folhas secas… Materiais considerados “perigosos”, como vidro e tesouras com ponta, também estão à disposição.
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Um ponto que merece destaque é o fato das paredes de toda a escola estarem sempre recheadas de atividades e documentação relativas aos projetos que foram desenvolvidos ou estão em andamento. Essa é uma forma de dar visibilidade ao que acontece no dia-a-dia escolar, assim como valorizar o trabalho das crianças.
O que eu levo disso para mim?
Eu adoraria colocar minha filha um dia em uma escola infantil com tais valores, mas infelizmente mesmo aqui na Itália não é tão difundido como, a meu ver, deveria. Na creche onde trabalhei na Alemanha usávamos muito da influência desta abordagem, e vejo positivamente o resultado disso com as crianças.
Assim sendo, acho que meu olhar para a minha filha vai ser sempre inspirado pela minha experiência como educadora. Eu olho para ela como um ser de direito, curiosa e com potencial. Ela, como todas as crianças, está aberta para aprender e pode guiar seu próprio aprendizado através da sua relação com o ambiente e com aqueles ao seu redor. Eu aprendo constantemente com ela, e estou ali para acompanhá-la e estimulá-la a explorar o mundo. Procuro ao máximo deixar-me ser guiada por sua curiosidade, evitando impor o conhecimento.
Não é uma tarefa fácil. Como adultos, tendemos muitas vezes a achar que sabemos mais e nos impomos. Proibimos a exploração sem mesmo nos questionar se temos uma razão realmente válida para aquilo. Mas se nos deixamos levar pelo pensamento ainda tão inocente dos nossos pequenos acabamos por nos surpreender. Eles são muito mais capazes do que costumamos acreditar. Tente!
Claro que o que escrevi sobre essa abordagem pedagógica é só o básico para se ter uma ideia, pois como toda linha de pensamento é bastante vasta e complexa. Mas espero ter deixado uma pontinha de curiosidade e ter dado um pouco mais de visibilidade a um modelo tão notável.
Fontes de inspiração:
https://www.reggioalliance.org/downloads/malaguzziyoungchildren.pdf
http://www.reggiochildren.it/identita/reggio-approach/
https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/arte-ideias.htm
Série e documentário “The beginning of life”, disponível no Netflix.
3 Comentários
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Amanda, acabei de ler seu texto e adorei sua abordagem. Como educadora e apaixonada pelos diversos diferentes e interessantes métodos, acho o do Reggio maravilhoso e deveria ser integrado pelo menos parcialmente nas creches.
Parabéns pelo texto e tenha um ótimo domingo.
Bjs,
Luciana