Dificuldades com a escola na Itália
Para nós, uma das coisas mais importantes para uma expatriação de sucesso é a boa adaptação da família e não apenas a do expatriado. Com a família engajada, a trajetória é mais leve. E por falar em adaptações, quando se trata de desafios relacionados à escola de nossos filhos, o assunto pode mexer muito com a gente que é mãe mundo a fora. Vou compartilhar aqui como foi essa questão com a nossa filha Sarah.
Conhecendo a nova casa
Iniciamos o processo de expatriação com o Fred (meu marido) indo na frente para conhecer a empresa, a cidade que ficaríamos e tudo mais. Dois meses depois eu também fui pra conhecer e já começar a pensar como seria nossa rotina com a Sarah, meu trabalho, tarefas de casa e tudo mais que nos esperaria em Sondrio.
Gostamos muito, principalmente da qualidade de vida e da realidade de ter uma boa escola sem ter que vender um rim pra pagar a mensalidade (risos). Depois da visita, aceitamos o desafio em troca da experiência que essa expatriação traria.
A escolha da escola
Era novembro e a Sarah estava com 6 anos, terminando o primeiro ano do ensino fundamental no Brasil. Na Europa o ano escolar começa em setembro e termina em junho. Considerando essa diferença fomos aconselhados em colocar a Sarah novamente no primeiro ano, para facilitar a adaptação com a língua que ela não conhecia, ainda que tivesse que “repetir” o primeiro semestre. Até porque, como deixou a escola em novembro, ainda que faltasse menos de um mês para o fim do primeiro ano, no histórico escolar dela não constava como concluído.
As escolas públicas são dirigidas por institutos escolares, que em teoria são agrupadas por regiões dentro da província. Por exemplo, aqui na cidade onde moramos, que é a capital da província de Sondrio, existem três institutos. Cada instituto é responsável por um determinado número de escolas entre primárias e secundárias.
Recebemos uma indicação de uma escola primária (que vai até o 5° ano), que não ficava propriamente em Sondrio, mas numa cidadezinha ao lado. Escola pequena, poucos alunos, pensamos que seria mais tranquilo. Para saber mais sobre o ensino na Itália, clique aqui.
Na primeira semana, tudo bem
A princípio, a Sarah foi bem recebida na escola e parecia ser muito aguardada (as professoras foram informadas com antecedência da chegada da aluna nova), a ponto da professora dizer assim que a viu: “Ecco ci qua la nuova compagna brasiliana!” (Olha ai a nova colega brasileira!) Eu respondi com um sorriso gigante, mesmo porque eu não falava nada de italiano.
Além da Sarah, havia apenas mais um garoto estrangeiro na escola toda, porém que falava fluente o italiano. A classe do primeiro ano tinha apenas dez alunos.
Lembro que voltei pra casa e já liguei para minha mãe pra falar qual tinha sido minha impressão da escola. O quanto eu estava feliz. Depois passei a tarde ansiosa pela chegada dela pra saber como tinha sido. Como eu imaginava, tinha sido tudo bem, a Sarah tem muita facilidade de adaptação e principalmente de fazer amigos.
Até que começaram as reclamações
Durou uma semana até que as primeiras reclamações começaram chegar. Sempre relacionadas a dois colegas que empurravam, batiam, demonstravam alguma agressividade com ela. Conversamos. Explicamos pra não devolver na mesma moeda, mas que ela deveria falar sempre com a professora. Imaginando coisas de menino travesso, não nos preocupamos logo de cara. Mas as reclamações foram aumentando. Até que comecei ver minha filha voltar para casa triste e algumas vezes chorando.
Neste ponto procuramos falar com as professoras pra saber o que estava acontecendo. A resposta delas foi que o fato da minha filha não entender os amiguinhos, às vezes eles se desentendiam, mas que era tudo normal.
E esse era o problema. Era tão normal que não fizeram nada. Até que começaram a bater mais forte e frequentemente nela. O que fazia com que ela se sentisse triste e excluída do grupo. Ela dizia que achava que ninguém gostava dela por ela ser brasileira e não falar a língua deles. Gente, isso partiu meu coração de mãe. Decidimos falar com a dirigente do instituto.
Sentimento de impotência
Foram duas reuniões frustrantes, primeiro porque eu não conseguia me expressar como gostaria, não conseguia dizer o que eu sentia e o que poderíamos fazer para mudar aquilo. Queria “fazer barraco” mesmo, dar “xilique”, mas nem isso eu conseguia em outra língua. Lembro que depois chorei muito, me sentia péssima e acima de tudo tinha um sentimento de impotência que me frustrava. Que droga não dominar a língua numa hora dessas, eu pensava.
Era claro que não havia preparo nenhum por parte da dirigente e das professoras para contornar a situação. Já na segunda reunião, tiveram a coragem de dizer que éramos livres para escolher uma outra escola, já que aquela não era ideal pra nossa filha.
Sugerimos reunião com os pais dos alunos que estavam causando as reclamações, mas o argumento é que já haviam conversado com eles e que inclusive estavam passando por problemas familiares. “E descontam na minha filha?”, pensei. Aquilo me consumia.
Campo de guerra
Lembro que um dia fui pessoalmente na escola conversar com as professoras e quando abri a porta da sala de aula, um dos garotos tinha acabado de arremessar a mochila no outro e a professora neste momento estava com as mãos na cabeça sem saber o que fazer. Um verdadeiro campo de guerra com 10 crianças. Fiquei pasma com a falta de controle por parte da professora. Se isso acontecia em sala de aula, imagina na hora do intervalo?
A Sarah dizia que eles pegavam o lanche dela, jogavam no chão e pisavam pra ela não comer. Quando ela ia fazer xixi eles chutavam a porta do banheiro e por não ter trava várias vezes ela foi pega sentadinha no vaso, o que deixava ela muito constrangida. Lembro que ela chegava em casa bastante apertada e dizendo que tinha que fazer “cocô” em casa, porque na escola todos iriam vê-la.
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A molecada não dava moleza, não e pegavam pesado. A ponto de desenhá-la morta em um caixão e coberta de sangue. Só de pensar, me dá vontade de chorar. Não foi fácil essa fase, principalmente para ela. Porque no fim, ela não queria mudar de escola. Ela dizia que tinha sido difícil fazer amizade com as três coleguinhas que tinha na sala. Ela tinha medo de ser pior ainda em outra escola. Isso me partia o coração, mas a gente precisava fazer alguma coisa.
A decisão de mudar, o alivio
Em janeiro, mudamos para um apartamento, que ficava ao lado de uma outra escola, e que fazia parte de um outro instituto escolar, desta vez na cidade de Sondrio mesmo. E pesquisando sobre essa escola, descobrimos que a mesma já tinha até participado de um programa de intercâmbio com alunos da Bielorrússia. Ou seja, a nossa leitura foi de ser uma escola com uma mentalidade bem mais aberta.
Não pensamos duas vezes. Decidimos pedir a transferência imediata de escola, até porque ficava ao lado de casa e melhor ainda, pertencia a outro instituto. Seria uma chance de encontrar pessoas mais capacitadas e dispostas. Fomos ao novo instituto escolar solicitar a transferência, e encontramos uma dirigente que apoiava a integração cultural e que, inclusive, conhecia o Brasil. Até se esforçava para falar o português que ela acha lindo. Saímos muito felizes, apesar de saber que agora seria uma escola maior e com uma classe de 21 alunos.
Conversamos com a Sarah e ela disse que tinha medo de ser pior e de não conseguir ter amigos, mas que iria tentar. Temos muito orgulho dela, e costumamos dizer que ela é nossa “guerreirinha”, e que topa tudo com a gente. Com a família engajada, a trajetória é mais leve.
Página virada
Essa história tem um final muito feliz, porque a Sarah ama a atual escola. Gosta das professoras e diz que todos respeitam tanto as professoras quanto os colegas. Claro que tem desentendimentos, mas tudo dentro do que se espera da criançada, nem mais e nem menos. O importante é que, hoje, vemos uma criança que vai feliz para escola. Que tem muitas amigas e amigos que vêm em casa, e que ela também vai na casa deles. No último aniversário, praticamente todas as crianças da classe compareceram à festinha. Hoje vemos o quanto ela é querida por todos e quanto Deus foi bom em colocar essa nova escola no nosso caminho.
7 Comentários
Que barra! Imagino o coração de vocês! Aqui nós demos sorte. Tanto o meu mais novo quanto a mais velha foram muito bem inseridos na turma logo de cara. Hoje, dois anos depois já estou tendo até outros tipos de problemas, por estarem inseridos demais! Rs!
Agora a minha mais velha iniciará a escola media, vai mudar de escola. Recomeçaremos tudo outra vez. Seja o que Deus quiser, né?! Vamos que vamos!
O bom é que sempre aprendemos algo. Hoje me sinto mais preparada para enfrentar os desafios.
Obrigada pelo carinho.
Que triste! Eu como mãe consigo entender como foi difícil para vocês. Estou sofrendo por antecipação, pois, mudamos para Itália faz pouco tempo e meus filhos tbm irão iniciar na escola sem saber a língua (eu tbm não sei direito). Peço para Deus abençoar para que eles não sofram preconceito e que dê tudo certo!
Ai, fiquei com o coracao na mal triste lendo o relato de voces… Ainda bem que a nova escola eh bem mais preparada!!!
Realmente a nova escola é um presente pra nós.
Realmente vocês tiveram uma triste experiência e esse fato de também não ter como dialogar é frustrante. Eu invés no mesmo istituto o meu filho em outra escola teve uma recepção e aceitação que até hoje me emociono. São experiências que marcam e deixam ensinamentos pra toda a vida.
Não foi a primeira vez que ouvi coisas desse tipo sobre as escolas aqui na Itália, sempre que conto o meu relato escuto outros aqui em Turin. Precisei colocar meu filho, que na época tinha 3 anos, em uma escola italiana por 6 meses e foi um período dificil, ele regrediu e ficou super agressivo. Eu chegava para pega-lo e ele sempre estava de castigo por coisas que eu não considero errado, como por exemplo subir no escorregador pelo lado contrário. Sem contar que elas sempre implicavam comigo, tinha uma janela das 15:30 as 16:00 para buscá-lo, se eu chegasse muito próximo as 15h levava bronca e se muito próximo as 16h olhares de reprovação. Ainda bem que já passou essa fase! Estou feliz que sua filha está bem agora!