Homeschooling na Flórida.
Esse artigo é uma continuação deste, onde escrevi sobre educação em casa na Flórida, sobre como iniciar ou terminar o homeschooling, números de famílias que são adeptas ao sistema e um pouco de como é o seu funcionamento. Acredito que além destes dados, é importante conhecer depoimentos de mães que já ensinam seus filhos em casa para, assim, termos uma maior familiaridade sobre como é o dia a dia destas famílias.
Contactei ao menos três famílias que se prontificaram em dar mais detalhes do sistema. Elas são:
Helena Yoshima – missionária do Projeto Amar sem Fim e mãe de uma casal de 15 e 13 anos de idade, faz ensino em casa há 5 anos.
Simone Belomo – mãe de uma menina de 13 anos de idade, faz ensino em casa há 4 anos.
Patricia Vitalino – mãe de quatro crianças com 14, 10, 4 e 1 anos de idade, há 3 anos faz ensino em casa.
BPM Kids – Quais os maiores desafios do homeschooling (HS)?
Helena Yoshima – Bom, para nós, aqui do AmarSemFim, a vida social é uma das questões que mais nos incomoda. Isso não diz respeito necessariamente ao HS, e sim ao estilo de vida viajante que levamos. Pensando apenas na questão da educação domiciliar, se estivermos ligados a um grupo de crianças, já compensamos bem este lado social. Outra questão é justamente a rotina. Já descobrimos que não temos uma rotina fixa de horários, mas sim de atividades. Com nosso amadurecimento e com mais familiaridade com os métodos de ensino ao se fazer o HS, consegue-se chegar a um entendimento do que se encaixa mais para cada perfil de família. No nosso caso, muitas vezes precisamos viajar durante a semana e, por conta disso e também pela flexibilidade da nossa rotina, acabamos trocando os dias de aula para o fim de semana. Já aconteceu de termos aula no Natal e outros feriados para podermos compensar um período de viagens, ou uma visita que recebemos, ou um desejo de passar o dia conhecendo melhor os locais quando ainda estamos ancorados. De qualquer maneira, nossa rotina diária tem atividades que devem ser terminadas naquele dia. Quer um dos meus filhos queira ou não, quer eles sejam rápidos e dedicados, ou estejam em um dia preguiçoso, isso não muda! O que tem que ser feito naquele dia, será!
Simone Bellomo – Decidir: a decisão me tomou um certo tempo; estudar qual currículo se encaixa melhor no estilo de aprendizado do seu filho(a) e começar. Eu levei 30 dias para me familiarizar com o currículo.
Patricia Vitalino – O primeiro deles é conseguir se desescolarizar. Nossa mente é muito moldada à forma em que a escola funciona. No homeschooling não temos “a hora da escolinha” onde todos sentam numa mesa e a professora (a mãe) passa horas ensinando as matérias e depois aplica provas e exercícios. Homeschooling é um estilo de vida que todos da família participam, desde o pai até o bebezinho da casa. Ensinamos em toda as oportunidades que aparecem: numa visita, num dia de parque, no formigueiro que apareceu no jardim, na desobediência (como um exemplo negativo) ou obediência (como exemplo positivo). Todos ajudam nas tarefas de casa, arrumação, limpeza, consertos, tudo é feito em família. Claro que temos o momento de leitura, de sentar e fazer exercícios. Tudo tendo o foco de que um dia eles possam ser autodidatas.
O segundo desafio é fazer o homeschooling entrar em 100% na rotina da casa. E como falei, tudo vira motivo de aprendizagem.
O terceiro é entender que existirão dias gloriosos e dias terríveis. Tem dias que você vai dormir satisfeita porque conseguiu ensinar e aproveitar todas as oportunidades, seus filhos estavam felizes e interessados nos assuntos, colaboraram com as tarefas da casa e o bebê dormiu bem e passou o dia risonho. Tem dias em que tudo parece dar errado. O bebê chora o dia todo, o mais velho está com febre, o marido deixou a roupa toda espalhada pela casa, ninguém está com a mente para aprender e o caos é absoluto. Mas posso dizer que os dias gloriosos são bem mais numerosos e são tão mais carregados de lições que suplantam os dias terríveis.
BPM Kids – Quais as maiores vantagens?
Helena Yoshima: Bom, isso está muito ligado ao que acabei de responder sobre vida social e rotina. Podemos nos sociabilizar com pessoas de todas as idades, não somente àquelas as quais a escola propõe as crianças. Meus filhos são capazes de conversar com crianças e adultos, sem embaraço e com atenção. Sem contar as questões étnicas que a vida viajante também nos privilegia, que permite que eles sejam capazes de se relacionar muito bem com pessoas de diferentes tipos de credo, raça, cultura. A flexibilidade da rotina nos permite conhecer melhor cada lugar onde estamos e a cultura do local. Mais uma vez o assunto se vincula ao nosso estilo viajante de viver… obviamente, famílias homeschoolers que estão em residências fixas têm outras dificuldades e vantagens.
Simone Bellomo: Liberdade de escolha: escolher o material do currículo, foco nos pontos fortes da criança, disciplina. Flexibilidade nos horários e locais de estudo e duração de aulas/termos.
Patricia Vitalino: Socialização: por incrível que pareça, apesar de ser o ponto mais criticado do homeschooling a socialização é o ponto mais forte dessa modalidade. As crianças não aprendem a conviver apenas com crianças da sua mesma idade (como na escola). Os adolescentes estão o tempo todo aprendendo como cuidar do bebê, conversar com o vovô, ajudar a irmão mais novo no exercício de matemática… assim como a criança pequena aprende a abraçar o tio, cumprimentar o caixa do supermercado e responder o bom dia que a senhorinha no restaurante falou pra ela. As crianças acabam convivendo com a sociedade e os pais estão monitorando isso 24h por dia.
Aprendizado: como o foco é voltado para apenas os seus filhos e não para uma turma com 15 ou 20 alunos, é muito mais rápido aprender. A mãe sabe como explicar as coisas para o filho, conhece os exemplos que chamarão a atenção deles e tem a paciência que só mãe tem. Por melhor que uma professora seja, a mãe sempre será mais paciente.
Convivermos o dia inteiro com nossos filhos facilita perceber a vocação deles! Cada filho é diferente e tem ritmo, gosto e preferências diferentes. Se meu filho ama ciências e não gosta tanto de gramática, posso ajudá-lo a fazer os exercícios de matemática e enchê-lo de experiências cientificas até nas horas de lazer dele, porque ele vai aprender ciências como se fosse uma brincadeira.
Conseguimos preparar os filhos para que sejam independentes na hora certa. Alguns críticos falam que homeschoolers são criados em “bolha”, mas minha visão é que preparamos nossos filhos para serem jogados na selva da vida quando estarão prontos para sobreviver nela. Uma criança não está pronta pra chegar na escola com 3 ou 4 anos de idade com firmeza suficiente para defender as posições que a educação dos pais transmite. Sua forma de educar sempre será diferente do seu vizinho ou até mesmo do seu irmão. Então o ponto é prepará-los pra que na idade certa eles possam ir para uma faculdade, por exemplo, com firmeza suficiente para dizer não a coisas que vão precisar dizer não.
BPM Kids – Que currículo (ou que tipo de currículo) você usa / usou?
Helena Yoshima: Já usamos diferentes currículos. Cada um serviu ao seu propósito na época. Iniciamos com Calvert. Bem acadêmico. Excelente! Mas exige mais do que nossa vida nômade nos permite, com relação a recursos de impressão de conteúdo, por exemplo. Já usamos My Father’s World, um currículo cristão muito adequado à nossa realidade e estilo de vida, mas com pouca leitura e não muito desafiador para os meus filhos. Usamos também o Sonlight, que é o currículo com o qual nos adaptamos melhor. Ele também é Cristão, super adequado ao nosso estilo de vida missionário e bem próprio para o nosso perfil de estudo e ensino.
Simone Bellomo: My Fathers’s World, Shurley English, Math U See, Monarch, Life Science by Holt Science and Technology, Spelling Power, EIW (Excellence in Writing), Typing.com, Rosetta Stone.
Patricia Vitalino: Usamos o Classical Conversations. Um currículo focado nas artes liberais. Usamos as idades como fase no aprendizado. Na primeira fase as crianças decoram o maior número de informações possível para que na segunda fase comecem a entender tudo o que foi decorado e na última fase, aprendem a defender suas posições e pensamentos. Nesse método, os jovens aprendem a serem autodidatas, aprendem a buscar um alto grau e número de conhecimento.
BPM Kids – Você se arrepende de ter feito esta escolha?
Helena Yoshima: Não! Em nenhum momento. Surgem dúvidas e inseguranças? Claro! Mas isso faz parte da vida! O HS me aproxima dos meus filhos, lhes dá oportunidades que não teriam no ambiente limitado da escola, viabiliza podermos servir a Deus no ministério para o qual Ele nos chamou: a vida missionária. As viagens seriam impossíveis sem o HS. Outra questão é o conteúdo não só acadêmico mas também social que as escolas apresentam e muitas vezes impõem às crianças. Questiono e zelo pelo tipo de informação ou situação as quais meus filhos são expostos.
Simone Bellomo: Não me arrependo. Gostaria de ter conhecido o homeschool antes.
Até o momento de concluir o texto, não recebi a resposta da Patricia Vitalino para a última pergunta, porém pelo que conversei com ela e pelas respostas das outras perguntas, acredito que a resposta seria “não me arrependo”.
Espero com esses testemunhos ter ajudado um pouco as mães que estão cogitando educar os filhos em casa. Quem sabe em alguns anos (poucos ou muitos, não sei…) seja eu quem esteja dando meu depoimento? Até lá!