Creches francesas: adaptação e diferenças
O início da vida coletiva/escolar da minha primeira filha não foi uma preocupação até os seus 10 meses de vida. Minha intenção era passar o primeiro ano dela me dedicando aos seus cuidados e como estava num país novo, as prioridades foram descobrir questões mais ligadas à saúde.
Assim que ela nasceu, comprei um livro dos primeiros 12 meses do bebê. Queria saber mais sobre cada nova evolução e as fases que iam chegar. Mas o livro foi muito mais importante para eu entender melhor questões médicas – quantas consultas ao pediatra, ao osteopata (que eu nem sabia o que era) calendário de vacinas, homeopatia usada (bem comum e indicada por aqui)- e as questões educacionais.
Tipos de creche
Chegamos na França quando eu estava grávida de cinco meses. Eu não falava francês, não conhecia quase nada da cultura e era minha primeira gestação. Foi lendo o livro, que descobri que as opções para deixar os bebês, disponibilizadas pelo governo, são bem variadas. Basicamente, existem:
- Creches e Microcreches – onde as crianças de até três anos de idade ficam período integral. O pedido de inscrição é feito geralmente durante a gravidez para garantir a vaga e é preciso estar trabalhando ou estudando.
- Acolhimento ocasional e “Halte-garderie” – são como as creches, mas apenas para dias eventuais ou fixos de no máximo três vezes por semana por meio-período. É mais simples e rápido para conseguir vaga.
- Assistentes maternais – são profissionais capacitados por meio de cursos para cuidar de bebês e o fazem nas casas delas ou em alguns centros criados para essa finalidade.
Também é possível solicitar um profissional para cuidar do seu bebê em casa. Cada opção possui um valor, mas o tanto que pagamos depende da situação financeira da família. O cálculo é feito de acordo com o rendimento familiar e o governo pode pagar uma parte.
Nós optamos por levar nossa filha duas manhãs por semana numa “halte-garderie”, que fica a cinco minutos a pé de casa. Tivemos que esperar um mês até que houvesse vaga para atendê-la, porém foi bem simples de matriculá-la. Não houve necessidade de fazer o pedido no órgão municipal. Tudo foi tratado diretamente com a direção do local, o que facilita muito, principalmente para quem não está acostumado com o sistema francês, que é super burocrático.
O espaço é bem dividido. Tem a área central de convivência com espaços para leitura, cozinha de brinquedo, local cercado para os bebês pequenos ficarem quando os maiores estão muito agitados, mesinha coletiva para atividades e até um escorregador de madeira – o mais concorrido. Há também uma cozinha, banheiro, área de troca (as fraldas são fornecidas por eles) e os quartos para as sonecas. Como é muito comum os pais irem a pé levar as crianças, existe um local para deixar o carrinho do bebê. Assim é possível já ir direto para o trabalho, por exemplo.

Foto: Pixabay
Adaptação e diferenças
A adaptação foi feita em três semanas. Apenas uma educadora foi designada para nos acompanhar e dessa forma minha filha pôde se acostumar com ela mais rápido e assimilar sua presença com segurança.
Eu passei alguns dias indo com ela e não pude deixar de notar diferenças na relação educadoras/crianças da França e do Brasil. Embora seja a minha primeira filha, tenho várias professoras na família e já convivi muito com o ambiente escolar infantil.
Leia também: Inclusão de crianças com necessidades especiais nas creches de Genebra
A diferença que eu acredito ser a maior é a forma como elas falam. São mais objetivas, menos carinhosas, mas muito respeitosas. Tudo é anunciado para a criança antes de ser feito. A soneca, a hora da comida, a hora de brincar. Sempre de forma educada, tom neutro e objetivo. Após, sempre é perguntado se tudo ocorreu bem.
Quando alguém briga ou não deixa o outro pegar um brinquedo, elas perguntam o que está acontecendo e, mesmo sem que as crianças consigam falar, tentam entender e explicam o porquê de tal atitude, reforçam que é preciso dividir os brinquedos comuns e que elas têm direito a não compartilhar apenas os seus objetos pessoais.
As crianças são ouvidas em qualquer situação e os pais também. A direção foi super aberta e sempre nos lembra que está lá para atender nossas necessidades de agenda e as das crianças. Claro que de acordo com o serviço que é prestado.
Menos contato, mais independência
Deixar os pais seguros também é uma preocupação que eu percebo aqui. Médicos, terapeutas e os educadores que encontro estão sempre nos dizendo para acreditarmos em nós como pais, para estarmos seguros. Desde a gravidez, saída da maternidade e com essa adaptação também. Quando me sugeriram começar a deixá-la por alguns minutos, primeiro elas me perguntavam se eu estava pronta, se queria sair naquele momento para ver como seria a resposta da minha filha. E, claro, explicavam para ela o que ia acontecer. Nada de sair escondida.
Outra diferença importante é que não há demonstração de carinho por parte dos profissionais. Eles nunca beijam as crianças. As pegam no colo apenas quando necessário ou quando elas pedem e os abraços são dados somente quando elas demandam.
A hora da soneca também segue a tradição da maioria dos pais franceses: os pequenos dormem sozinhos. Isso desde bebês. Quando chega o horário em que cada um dorme, eles os pegam, dizem que chegou a hora de dormir, os deixam de body ou camiseta, vestem os sacos de dormir (extremamente usados por aqui), entregam suas naninhas e os levam para os berços que ficam em uma área separada.
Sem adereços e sem uniforme
A maioria dos bebês já está acostumada e entende essa rotina. A minha filha, entretanto, não dorme assim. E quando contamos isso à educadora que nos acompanhou ela foi categórica: “aqui não ninamos as crianças. Não há condições para isso”.
Essa é a única dificuldade que encontramos até então com relação ao estilo francês de educação infantil. Como ela fica apenas meio período, é mais fácil para lidar com essa questão. Período integral seria um problema para nós.
Um detalhe, mas que acho relevante para nós brasileiros é que não é permitido uso de qualquer adereço que represente perigo para os bebês, brincos, presilhas, tiaras, cachecóis, correntes e pulseiras precisam ser retirados. Também não existe uniforme.
No geral, tem sido uma experiência bem positiva e interessante. Como nossa cultura e estilo de vida é bem diferente, e minha filha passa a maior parte do tempo comigo, acredito ser importante que ela comece aos poucos e desde cedo a ter essa convivência com o estilo francês para não ter um choque maior daqui a alguns anos.
9 Comentários
Adorei! Escreve mais!!!
Muito bem escrito teu texto e mostra muito bem a realidade. Moro na França há mais de dez anos e vejo as coisas da mesma forma.
Atualmente trabalho como “assistante maternelle” justamente e vejo que as mães apreciam muito minha maneira de tratar as crianças. A gente abraça, dá carinho, colo. As francesas raramente.
Texto muito bem escrito, mesmo para a gente que não mora aí ficou super interessante de ler, é tão bom ver as diferenças! Adoro seus textos assim, a gente meio que viaja sem sair de casa!!
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[…] pagar alguém para cuidar de bebê. Diferentemente de outros países, como a França por exemplo, que se paga valores por serviços dessa natureza calculados de acordo com o quanto se ganha. Aqui na Inglaterra existem algumas modalidades diferentes que variam em preço e tipo de seviço. […]
[…] ambas as partes, na minha opinião, é a entrada na escola. A Mariana Francischini já compartilhou aqui a experiência dela e as observações feitas durante a adaptação da filha na creche aqui na […]