Como são as mães na França.
No Brasil, há uma crença muito forte que nos países conhecidos como « de primeiro mundo » tudo funciona melhor e até as crianças são mais bem-educadas. Será?
Mãe esforçada, mas autoritária
Mesmo se este texto não pretende ser um estudo científico sobre o assunto, gostaria de falar um pouco sobre como são as mães na França, segundo minhas experiências e leituras. A primeira mãe que conheci aqui na França era meio sargentona, com ela tudo era regrado, cronometrado, controlado. Na época eu morava em Fontainebleau (região da Île de France) e ela tinha me contratado para buscar os dois filhos na escola, às 16:30, levá-los para casa, dar a merenda, deixar assistir um pouco à televisão, brincar, dar o banho e em seguida a janta. O menino tinha quatro anos e a menina, sete. Eles podiam assistir à televisão por quinze minutos, o banho devia ser às 18:30 e o jantar pontualmente às 19:00. A menina era meio como a mãe, perfeccionista, na segunda série já devia decorar poesia e enquanto não conseguia recitá-la sem erro ou hesitação, repetia, repetia, sem descanso. Eu me apavorava com essa pressão que ela se auto impunha, mas rapidamente entendi que a mãe dela estava totalmente de acordo.
Às vezes eu propunha uma brincadeira ou uma atividade, ou ainda, perguntava se tinham o costume de fazer tal coisa, e ficava surpresa com a resposta da menina « je n’ai pas le droit » (a gente não deve fazer), e pensava com meus botões que uma outra criança de sete anos qualquer teria passado por cima da autorização da mãe, ainda mais que um adulto estaria permitindo que se quebrasse as regras.
Essa mãe tinha um « modus operandi » para tudo, uma espécie de manual, que era obedecido ao pé da letra. Como exemplo, o passo a passo para entrar em casa, após a escola: tirar os sapatos, pendurar o casaco, calçar as pantufas. Até o pai das crianças seguia o método imposto pela matriarca.
O que eu admirava muito é que ela estava sempre buscando oferecer aos filhos muito mais que a escola ou as brincadeiras podem proporcionar. Eles já frequentavam museus, praticavam jardinagem, ela falava com eles sobre os animais, organizava passeios para descobrir insetos, conhecer as flores, os pássaros, os cheiros e as cores da natureza. Ela tinha uma maneira de pensar a educação, de planejá-la, não era algo aleatório, mas programado, porque ela conhecia as falhas do ensino convencional, que negligencia muito a aprendizagem empírica, que não ensina a criticar e a ter ideias próprias.
Mas essa mãe nunca relaxava, e não permitia que as crianças relaxassem, e isso era realmente uma pena. Uma vez, convidei-os a irem almoçar na minha casa, a menina já tinha uns 11 anos. Pois ela veio com o dever de casa para fazer em pleno domingo de visita. Presenciei uma discussão entre mãe e filha, porque esta última evidentemente preferia brincar ou ficar conosco à mesa, mas a mãe insistia que não dava para deixar o dever para depois. Ofereci-me para ajudar a menina, porque vi que ela estava muito contrariada e se sentindo humilhada, mas a mãe foi categórica: « obrigada Zandra, mas estudo é coisa séria, eu sei exatamente o que o professor espera desse trabalho, e é comigo que ela vai fazê-lo ». Só me coube acatar a decisão dela.
Crianças com agenda de ministro
A maior parte das crianças aqui faz atividades extracurriculares: dança, música, teatro, vôlei, tênis… Raro é ver um menino ou menina que não tem compromisso nas quartas à tarde, quando não tem escola. Quarta aqui na França é dia que mãe não trabalha e fica às voltas com as atividades dos filhos. Leva um, busca o outro, espera no local mesmo ou vai e volta e fica de taxista. Conheço uma menina da idade das minhas (9 anos) que faz equitação, música, inglês e dança. Além das quartas à tarde comprometidas, a mãe dela também deve sacrificar dois fins de tarde para levar e buscar a filha às atividades.
Existem também as mães que são acusadas de engravidar para ganhar bolsa do governo. Aqui, a partir do segundo filho, todas as famílias, sem distinção de classe social, têm direito a uma bolsa cujo valor sim, pode ser maior ou menor segundo a declaração do imposto de renda. Muitas famílias aproveitam desse sistema protecionista e vivem somente graças a essa bolsa, sem trabalhar. E nesses casos, as crianças muitas vezes são negligenciadas, vistas mais como uma ferramenta que garante o pão de cada dia. Paradoxalmente, nessas famílias onde pai e mãe não trabalham, os filhos muitas vezes ficam depois da hora do término das aulas nas « garderies » e almoçam no restaurante escolar. Esses pais, que teriam disponibilidade para buscar as crianças e dar o almoço em casa, preferem deixá-las na escola, já que na condição de desempregados também beneficiam de refeição escolar gratuita para os filhos. E à tardinha, ao invés de buscá-los no fim da aula, deixam na « garderie », onde os filhos vão ter merenda de graça e recreacionista diplomado à disposição por custo zero. Enquanto isso, o casal assiste tranquilamente à televisão 55 polegadas comprada com o prêmio volta às aulas, depositado em conta em setembro, um incentivo do governo à educação, que infelizmente muitas vezes serve a outros fins menos nobres.
Comunicação Não Violenta: há luz no fim do túnel
Nestes últimos anos uma nova forma de comunicação com adultos e crianças está ganhando terreno nas áreas da educação, saúde e no círculo familiar: trata-se da Comunicação Não Violenta. A intenção da CNV, como também é chamada, é de criar uma qualidade de relação e de empatia consigo mesmo e com os outros que permite satisfazer as necessidades fundamentais de cada um, de maneira harmoniosa e pacífica. Apesar dessa nova escola estar ganhando a cada vez mais adeptos, conheci muitas mães que leem ainda pela velha cartilha: deixar o bebê chorar até dormir, vencido pelo cansaço; colocar no pinico antes de um ano e deixar a criança sentada por um longo tempo até que alguma coisa caia ali dentro; forçar uma autonomia para a qual a criança não está ainda preparada, desrespeitando totalmente o filho como indivíduo, mas impondo um ritmo que não lhe convém. Para saber mais, leia aqui.
Nessa linha de valorização e respeito à criança, e contrariando o ensino convencional que trata todos os alunos da mesma forma, como se fossem seres idênticos, sem necessidades particulares, escolas que aplicam a pedagogia Montessori vem invadindo o território francês. O objetivo dessas escolas é priorizar a autoconfiança, a autonomia, mas respeitando o ritmo de cada um, aplicando o conceito de crescer com liberdade.
Nossos netos talvez poderão ser mais livres, mais criativos, menos dependentes do sistema escolar que reprime e guia, em vez de acompanhar.
Aconselho a leitura do texto da Mariana Day, sobre Como é ser mãe no Canadá, e também o da Regiane Legras, que conta como é ser mãe de adolescente na França.
6 Comentários
Olá! Gostei do começo do texto, porque falava de um caso especîfico (talvez comum?), um exemplo que a autora conheceu, com fatos e opiniões. Porém, o 6o parágrafo (Existem mães…) é cheio de generalizações carregadas de preconceitos e julgamentos. Paradoxalmente, o parágrafo seguinte é sobre a CNV, que prega justamente o não julgamento e a discussão baseada em fatos. Enfim, um texto que começou muito bem e terminou muito mal, uma pena!
Olá Aline, não acho que possa se falar de preconceito. As situações que relatei, foram situações reais, não criei histórias baseadas em crenças minhas…
E não emiti nenhum julgamento, mas relatei fatos. Quando falo da tevê 55 polegadas não estou julgando mas contando como agem algumas famílias com base em casos que vi com meus próprios olhos. O tema era “Como são as mães na França”, procurei falar das várias maneiras de encarar a maternidade.
E quando falas em julgamento, quando dizes que meu texto terminou mal, estás julgando…
Oi! Sim, estou julgando o texto: gostei do começo, não gostei do final. Minha opinião de leitora que deixa comentário. Entendi que queria mostrar os diferentes tipos de mães francesas, e gostei do primeiro exemplo – justamente porque é um exemplo claro, definido e não generalizações. Se o segundo caso fosse contado do mesmo jeito, do tipo “conheci pais que usaram a allocation rentrée scolaire pra comprar uma tv e não compraram roupas e material escolar” ficaria menos generalizado e, então, mais de acordo com a CNV 🙂
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Olá eu vivo em Portugal sou mãe e estou a estudar mas quando eu acabar os estudos quero ir para a França morar mesmo.
Eu quero saber se depois de eu me legalizar em França terei ajuda do governo como por exemplo: ajuda com uma casa ou com o pagamento da renda e essas coisas. Por favor gostaria que me ajudassem.
Obrigada
Ola Valdunice, não sei se já te informaste sobre obtenção do titre de séjour, que é o visto de permanência na França. Não é muito fácil conseguir, tens algum vínculo com o país? Ascendentes, marido? Senão é preciso vir com um visto provisório obtido através de um empregador, universidade… Deves consultar o site do consulado.
Quanto ao auxílio moradia ou renda, o governo mantém a CAF (Caisse d’Allocations Familiales) que pode conceder uma ajuda de acordo com o número de filhos, renda familiar, mediante justificativa.
Boa sorte.