Como escolher uma escola na Holanda para a filha expatriada?
Quando decidimos mudar para a Holanda por conta do trabalho do meu marido, nossa filha estava com seis anos e tinha iniciado as aulas do 1o Ano do Ensino Fundamental – a antiga Alfabetização ou CA. Ela estudava desde os 2,5 anos e com 4 já sabia escrever algumas palavras, mas somente no final de 2017 concluiria sua alfabetização. Só que em julho, no final do primeiro semestre letivo no Brasil e quando ela ainda lutava para traçar as primeiras letras cursivas, nos mudamos para Rotterdam.
E agora? Ela nem aprendeu português direito e terá que falar, ler e escrever numa nova língua! E aqui eu preciso ser franca: não era uma língua qualquer, era neerlandês, também chamado de flamengo ou holandês – uma língua com a qual não temos nenhuma familiaridade auditiva e fonética, que tem palavras maiores que uma frase inteira em português e várias consoantes e vogais iguais juntas. Socorro!!!
Seria tão mais simples para nós se fosse um país de língua inglesa, pensei… Não é uma língua totalmente desconhecida para ela, e eu e o pai falamos inglês e poderíamos ajudá-la. Mas a oferta de emprego era na Holanda e foi para cá que viemos, e não se chora o leite derramado nem se reclama da graça alcançada, certo?
Chegamos a um consenso de que o melhor para ela (e para nós também, mas isso é outro papo) seria que aprendesse o quanto antes o idioma local e, assim, a matriculamos numa escola holandesa. O colégio escolhido, como outros na Holanda, tem um programa especial de imersão criado pelo governo para crianças de outras nacionalidades recém-chegadas ao país – chamado de schakelklas ou nieuwkomersklas. As crianças têm aulas de Matemática, Ginástica, Música, Meio Ambiente, Cultura, Ciências, Geografia, Artes – tudo em Holandês. E, claro, aulas intensivas do idioma: escrita, oralidade, leitura. Assim que ela estiver fluente, passa definitivamente para a turma regular seguindo o currículo padrão por aqui (que inclui o ensino de outras línguas) – o que pode acontecer entre seis meses e um ano.
Não sabemos se ficaremos aqui pelo resto de nossos dias. Como não controlamos o futuro mas necessitamos do mínimo de estabilidade em nossas vidas, decidimos fincar os pés na nova terra enquanto aqui estivermos. Conversei com algumas brasileiras expatriadas há mais tempo e pesquisamos bastante para compreender o sistema de ensino holandês, que, a propósito é completamente diferente do brasileiro e nada simples de entender (mas isso é história para outro post). Buscar informações oficiais e ouvir opiniões e relatos de quem já viveu essa experiência foi fundamental.
A nossa decisão se baseou no momento presente: hoje o que eu preciso me preocupar e fazer por ela é facilitar a sua adaptação. E isso acontecerá de forma mais rápida e natural se ela falar a língua do país onde vivemos. Somente falando holandês ela será capaz de fazer amigos holandeses e de outras nacionalidades não só na escola, mas nos parques e na vizinhança. Diferente da opção por uma escola internacional, onde ela teria que se esforçar para aprender o inglês (uma língua que não é falada pelas crianças daqui que, no geral, só começam a aprender o segundo idioma por volta das 10 anos) e o que, ao nosso ver, tornaria mais lento e difícil o seu senso de pertencimento.
Com essa certeza e o coração aos pulos, lá fomos nós, de bicicleta, para o 1o dia de aula da minha garotinha na Holanda. Dia 22 de agosto – um dos mais difíceis e desafiadores da minha vida.
Achei que estava preparada. Mas a gente nunca está 100% pronta para soltar a mão da filha diante do desconhecido, sabendo somente que ela se sentirá perdida, solitária e insegura até que se encontre (o que você tem certeza que vai acontecer, eventualmente).
Ela não fala holandês, nem inglês. Ainda em casa, ensinei-a como pedir para ir ao banheiro em inglês e disse que estaria por ali caso precisasse. A professora não falava Português (nem ninguém na escola). Eu entregaria minha menina nas mãos da Juf Riane (prof. Riane) às 8h30 e teria que virar as costas e só voltar para buscá-la às 14h30. Mas eu não consegui ir embora.
Eu me senti abandonando a minha menininha à própria sorte. Parece uma besteira, mas quem conhece a minha versão materna sabe que não sou super protetora, que a minha filha é tímida mas se vira bem e que nas suas duas experiências escolares anteriores ela e eu levamos tiramos as transições de letra.
Mas dessa vez a mudança era muito maior. E se ela estava assustada e na noite anterior chorou dizendo que não queria ir à escola, eu estava completamente em pânico (mas bancando a tranquilona para ela, claro).
Permaneci dez minutos na porta da sala (meio que escondida, confesso). Lá dentro, a professora falando holandês como se não houvesse amanhã. os alunos novos nada entendendo, olhando-se entre si. E eu pensando: o que eu fiz com a minha filha? Eu quis chorar. Que desesperador não conseguir entender e se fazer entender. Eu chorei.
Todas as mães seguiram seu rumo e eu fiquei na biblioteca da escola esperando a minha filha descer para o recreio. Sem internet nem um livro para me distrair. Observando as crianças se revezando no pátio, formando seus grupos, descobrindo novas brincadeiras, vencendo seus pequenos desafios. Três horas depois, ela desce com a sua turma. Rindo.
Aquele sorriso era tudo que eu precisava para acalmar meu coração. Ela me vê, os olhos brilham e ela sibila: “Mamãe, já tenho uma amiguinha, ela fala Português! É a Maria, com á no final, ela é de Portugal! Pode ir pra casa. Mas você volta pra me buscar, tá?”

Foto: Arquivo Pessoal
A segurança da língua pátria é como o colo de mãe, onde estamos confortáveis e protegidos e para onde sempre podemos voltar. Não por acaso a chamamos também de língua materna. E por isso, apesar de difícil, escolhi que ela aprendesse a língua-mãe do novo país. Quero minha filha segura, confiante e em casa.
Hoje, três meses depois do início das aulas, ela é amiga de todos da sala, especialmente do australiano Nevan, da portuguesa Maria e de Arwa, iraniana com quem já foi pega conversando durante a aula (o pai teve que ouvir reclamação da professora e pensou: ela está atrapalhando a aula porque está conversando EM HOLANDÊS! Em casa, rimos do inacreditável). Já entende muitas coisas, recebe adesivos de parabéns das professoras, pulou para o segundo nível do curso, lê com uma pronúncia espetacular e nos corrige o sotaque quando arriscamos o holandês. Ainda é tímida para falar na nossa frente. Mas essa é ela sendo ela e eu tento controlar a minha ansiedade e respeitar o seu jeito. No seu tempo, quando estiver segura, ela se soltará.
Naquele primeiro dia de aula, peguei a bicicleta e voltei para casa numa mistura de alívio, gratidão e orgulho. Com a lembrança de que crescer e mudar dói. E todos os dias me tranquilizo com a escolha que fizemos e reafirmo a certeza de estar criando uma mulher incrível para esse mundo.
23 Comentários
Carol, adorei seu texto e me identifiquei muito pois nao e facil mesmo! Fico feliz que sua filha esteja adaptada e feliz. 🙂
Obrigada, Andrea! Cada dia um desafio e uma pequena conquista.
Fiquei emocionada, Carol! Sua princesa é uma mocinha muito especial e imensamente inteligente, todos nós sempre soubemos disso. Fico imensamente feliz que estejam se adaptando tão bem! Beijão
Muito obrigada, minha linda!!!
Estou no mesmo processo, minha pequena tem 4 anos mais ainda não começou, estou perdida, com medo! Mais sei que ela vai conseguir.. amei seu post.. isso nos alivia em saber que eles são capazes de enfrentar tudo da forma mais natural..
Lori, nossas crianças são incríveis! Têm uma grande força interior e capacidade de adaptação. Penso que o nosso papel é fazê-los sentir que estamos com eles, atentos e disponíveis, e que acreditamos em sua capacidade. Vejo com a minha filha que a minha presença e confiança dá a ela coragem. E quando não sabemos o que fazer, nos abraçamos e choramos juntas. Assim ela entende que não está sozinha em suas dúvidas e momentos de tristeza. Vai dar tudo certo!!
Carol,
Muito bom, comovente e muito útil o seu texto.
Bjs
Maria Lucia
Vindo de uma mestra esse elogio, fico até lisonjeada!
Texto com muita emoção e sua experiência pode ajudar outras mães pelo mundo. Lindo!!
Se meu texto fizer isso por uma mãe que seja, já fico imensamente feliz! ❤😘
Oi Carol sei bem o que você passou , passei com o Arthur que é tímido como a Alice , afinal eram tão amigos por serem parecidos . Feliz por ela e por vocês 😘
É um processo, né Valéria? Saudades de vcs!!! Como eles estão grandes!!! Beijo em todos. Em breve vamos ai visita-los. Alice não esquece do amigo.
Que emocionante esse texto. Diria que vai alem da escolha de uma escola para o seu filho.
Que bom que você gostou, Adriana. Concordo com você- vai bem além 😊
Oi Carol,
Adorei o texto, o conteúdo e as suas expressões.
Estou prestes a dar inicio a transição de país com a minha família com a princesa de 5 anos.
Obrigada, Vania! Que sua mudança seja boa e corra com tranquilidade, muita união e amor. Só pode far certo! Um
Beijo
Olá Carol!
Nossa muito Obrigada pelo seu texto e por compartilhar sua experiência !
Existe algum site que possa procurar por essas escolas? ou algum site oficial do governo que diga sobre esse sistema? mesmo que seja em holandês, preciso muito pra que ajuda no processo da guarda da minha filha!
Na verdade, eu e ela visitamos uma escola dessa nas nossas férias na Holanda, para filhos de expatriados. Mas queria um site oficial que fale a respeito desse sistema. Vamos morar em Hoofddorp
Me emocionei e me identifiquei muito com seu texto! E muito feliz que deu tudo certo!
Obrigada!
Oi, Leandra! Fico feliz que tenha gostado do meu texto. Nos próximos dias publicarei novo texto no blog falando um pouco sobre o sistema educacional holandês e nele indico alguns sites e textos onde você pode ter mais informações. Fique à vontade também para me enviar email s precisar: carolinamsoares@gmail.com
Beijos e uma boa mudança pra vocês!
Carol
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Eu queria saber mais sobre a evolução dela, eu namoro um holandês e me programo em ir morar daqui há 3 anos em Rotterdam, meu filho estará com 8 anos e isso me deixa aflita, por conta da idade e por ele ser tímido