Decidi escrever sobre esse assunto depois de ler uma reportagem sobre o suicídio de uma adolescente chilena no mês de maio de 2018, após sofrer cyberbullying por parte de vários estudantes do colégio. Essa reportagem teve muita repercussão e é bastante chocante a crueldade dos agressores e as práticas que vêm se instalando nos ambientes escolares chilenos.
Por outro lado, também me chamou muito a atenção a indiferença e a inação da própria instituição, talvez por falta de preparo para lidar com essas situações. Nesses acontecimentos extremos, o mais estranho é que sempre se trata de buscar um culpado ou, inclusive, responsabilizar a vítima pelo ocorrido. Essa postura se nota, inclusive, na reação do próprio colégio onde a garota estudava, quando recebeu denúncias de outra aluna sobre grupos nas redes sociais usados para difamar os estudantes. E também na própria postura assumida pelo colégio depois do suicídio da aluna. Para quem quiser ler toda a reportagem, clique aqui.
Com isso, comecei a pensar sobre o modelo de educação no Chile e a responsabilidade dos colégios frente a estas situações. Os colégios no Chile são classificados conforme um ranking de eficiência. Na maioria das vezes, isso gera um ambiente de muita competição e uma exigência exagerada sobre os resultados dos alunos. A sociedade chilena é ainda muito elitista e classista, o colégio onde você estudou é, muitas vezes, mais importante do que a universidade ou a graduação que você fez. Os amigos de colégio têm uma importância muito maior para a vida das pessoas do que os amigos que possam surgir em outras situações ao longo da vida. Escolher um colégio, ou melhor dizendo, ser escolhido por um colégio é algo que vai definir a vida daquele estudante.
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Aqui, para que um aluno seja aceito em um colégio, é necessário passar por um processo de seleção em que os pais candidatam os filhos e tem que cumprir com todas as etapas do processo segundo o procedimento de cada instituição. Na maioria das vezes, os alunos já são avaliados com 3 ou 4 anos de idade, sendo obrigados a cumprir com certos requisitos e expectativas que não condizem com sua maturidade, o que é muito variável quando se trata de crianças dessa idade. O processo, às vezes, chega a ser invasivo com perguntas do tipo de parto que a criança nasceu, se a criança é prematura ou não, com quantas semanas de gestação, a religião dos pais e se os pais são casados na igreja ou não.
Digo isso por experiência própria, porque tive que passar por esse processo com meu filho. Além disso, depois de selecionados, os pais precisam pagar a taxa de incorporação para garantir a vaga do filho. Os valores podem variar de R$ 5.000 a R$ 15.000. Ou seja, depois de pagar uma taxa desse valor fica muito difícil mudar uma criança de escola, caso ela não se adapte, pois terá que enfrentar um novo processo de seleção e a família deverá pagar uma nova taxa de incorporação, o que acaba por definir a escolha do colégio para toda a vida escolar do aluno. Sem falar que este processo não tem nada de inclusivo. Pelo contrário, os colégios buscam selecionar os alunos que têm perfil para contribuir com mais rendimento da imagem da escola ou que não sejam alunos problemas.
Voltando à questão dos rankings, essas classificações são tão importantes para manter a imagem dos colégios que diante de situações como esta do cyberbullying envolvendo a comunidade escolar, tenta-se minimizar o problema ou mesmo abafar os casos para não manchar o nome da escola. É triste pensar que uma instituição que tem por objetivo formar a educação de vários estudantes tenha uma postura tão apegada aos interesses financeiros.
Além disso, certos assuntos polêmicos ainda são considerados como pertencentes à esfera privada. Portanto, as pessoas não se envolvem porque entendem que tal assunto não lhes compete. E, assim, transferem a responsabilidade para a vítima ou a família através da criação de uma imagem negativa de ambos, ou seja, buscando elementos que possam denegrir a imagem dessas pessoas como forma de justificar o seu não envolvimento ou tentando se livrar de qualquer responsabilidade.
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O mais triste foi ver as estatísticas apresentadas pela Superintendencia de Educacion: desde o ano de 2016, 82% das vítimas de cyberbullying foram estudantes mulheres e as denúncias de maus-tratos contra mulheres são o dobro das de homens, com 1.543 casos contra 719. Além disso, segundo a Ministra da Mulher, Isabel Plá, todos as características que apresentou a estudante coincidem com as de uma mulher vítima de violência de gênero, como o fato de ela descrever na carta que deixou para os amigos a sua sensação de solidão, de desamparo e também o estigma das suas condutas como forma de culpar a vítima.
A questão é que falta muita empatia. É necessário olhar um pouco para o coletivo. De nada serve culpabilizar a família ou a escola. Nestes casos, não existe só um culpado. Quando algo assim acontece, a culpa é de todo o sistema, seja a escola, a igreja, os amigos, a família – cada um na sua esfera não foi capaz de ser solidário com os avisos, os sintomas e os sentimentos da vítima. Quando algo tão brutal assim acontece, todos sofrem, todos perdem. Imaginem só o sofrimento dessa comunidade de alunos!
Para concluir, o sistema escolar precisa estar atento a estes tipos de comunidades nas redes sociais, que são usadas para difamar os estudantes. É um assunto que precisa ser discutido com toda a comunidade de pais e alunos para que se conscientizem e estejam atentos aos sinais que podem apresentar as vítimas. É importante ter canais de comunicação em que as vítimas possam ser escutadas e acolhidas. O sistema educacional em si precisa passar por uma revisão, para pensar sobre o tipo de aluno e ser humano que estão sendo construídos ao adotar uma postura tão competitiva e elitista.
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