A literatura nas escolas da Inglaterra
No mês passado escrevi sobre a importância da leitura nas escolas da Inglaterra e foquei na metodologia de alfabetização, com abordagem individual no processo de leitura e níveis de aprendizagem. A criança avança de acordo com o seu desenvolvimento, até se tornar um “free reader” (leitor livre), quando já é considerada proficiente na leitura e na compreensão de uma boa variedade de textos.
Agora quero contar da parte que mais me encanta: a paixão que a Inglaterra tem por literatura, que invade as salas de aula e cria um ambiente facilitador para que as crianças se tornem apreciadores dos livros para a vida toda.
A literatura na Inglaterra
Para refletirmos sobre a importância da literatura na Inglaterra, gosto de pensar que Shakespeare está para os ingleses assim como Leonardo da Vinci ou Michelangelo para os italianos. Enquanto o Renascimento na Itália trazia a exatidão da arte representada pelos dois artistas, entre outros, a Inglaterra se encantava pelas comédias e tragédias no teatro elisabetano de Shakespeare.
Desde então, ouso dizer que a Inglaterra nos deu vários dos maiores escritores clássicos universais. Depois que a Rainha Elizabeth I deu um impulso na poesia e no drama que caracterizaram a sua época, o caminho foi aberto para grandes romancistas da ficção inglesa na era moderna, como Jane Austen, Mary Shellen, Charles Dickins, George Orwell, Virginia Woolf e J.R.R. Tolkien.
Na literatura infantil não foi diferente, apesar de ter começado um pouco mais tarde: Lewis Carroll nos presenteou com “Alice no País das Maravilhas” (1865), Beatrix Potter com “Pedro Coelho” (1901) e C.S. Lewis com “As Crônicas de Nárnia” (1950), para citar alguns entre vários que adoro. Se chegarmos ao nosso tempo atual, não podemos deixar de fora J.K. Rowling, que revolucionou a literatura infantil ao incentivar crianças do mundo inteiro a lerem “Harry Potter” (1997).
Dos livros para os palcos
Outro fato que mostra como a Inglaterra adora literatura é a presença marcante das histórias no teatro. Já levei meus filhos para verem clássicos que eles sempre gostaram de ler (ou de ouvir quando leio para eles) e vi o brilho nos olhos deles ao verem seus personagens ganharem corpo, voz e personalidade fora dos livros. Já vimos “O Grúfalo”, “Pedro Coelho”, “Capitão Flinn”, “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”, Ballet Shoes e Alladin, a preços acessíveis e fácil de chegar.
A literatura nas salas de aula
Crianças de todas as escolas do mundo deveriam ser rodeadas de livros na sala de aula, nas rodas de contação de história e leitura individual, por exemplo. Infelizmente esta não é a realidade de todos os países, nem de todas as escolas, mas podemos dizer que as que possuem recursos têm essas atividades como rotina escolar das crianças.
Nas escolas da Inglaterra vejo uma relação com os livros ainda mais próxima, talvez por este pano de fundo da importância e tradição da literatura no país. Para começar, frequentemente há visita de autores infantis nas escolas, com direito a bate papo com os alunos, venda de livros autografados e oficinas criativas com as crianças.
Eu mesma, que sou autora infantil iniciante, já fui convidada a falar sobre o processo de produção de um livro para crianças do Year 2, na idade de 6 e 7 anos. Na apresentação, as crianças participaram ativamente não só descrevendo cada estágio do processo criativo, mas também os nomeando. Quando perguntei o que vinha depois da ideia e da caracterização dos personagens, levantaram a mão dizendo: “o roteiro!” Cataploft. Caí para trás de orgulho.
Leia também: Alfabetização e bilinguismo: um olhar empático
Crianças como autores
Outra atividade que faz parte da rotina escolar na Inglaterra é a criação completa de histórias (por isso o conhecimento prévio da meninada na minha aula). Meus filhos constantemente têm atividades em que são convidados a entrar no mundo da literatura como autores de seus próprios livros, desmistificando a dificuldade da escrita de um livro. Não é só redação: as crianças se envolvem no passo a passo no projeto de elaboração da história. Um dia precisam pensar em uma ideia original envolvendo um tema específico que lhes foi dado, outro dia desenham os personagens e escrevem a personalidade deles e seguem livres para criar seu mundo de fantasia.
Meus filhos brincam de “fazer livro” em casa, mesmo no tempo livre. Fazem o formato do livro com papel e fita adesiva, desenham na capa e escrevem o texto dentro. O mais atual por aqui foi chamado de “My wobbly tooth” (Meu dente mole), que minha filha está escrevendo desde que o primeiro dente dela amoleceu.
Dia Mundial do Livro (World Book Day)
O dia mundial do livro é um dos eventos mais aguardados pelos alunos nas escolas da Inglaterra – mais uma evidência de como a literatura está enraizada na cultura escolar britânica. A data é como se fosse o nosso dia das crianças no Brasil. As crianças têm, normalmente, alguns dias de programação especial envolvendo a literatura infantil e, no Dia do Livro, que acontece na primeira quinta-feira de março, podem ir fantasiadas do seu personagem preferido.
As livrarias e bibliotecas públicas também oferecem uma programação literária cheia de atividades. Neste ano, eu e meu filho participamos de um evento incrível com dois ilustradores das capas dos livros do Harry Potter, organizado pela Waterstones, a maior rede de livrarias do país.

Criança fantasiada para o dia mundial do livro, evento que mostra a paixão por literatura nas escolas da Inglaterra. Foto: Unsplash.
Herança para a vida toda
Agora junte um programa estruturado de leitura, padronizado por um currículo nacional para as escolas públicas do país todo (como contei no meu texto do mês passado) e a vivência marcante da literatura dentro e fora de sala de aula. O resultado pode ser maravilhoso – e para a vida toda.
De acordo com pesquisas da National Literacy Trust, instituição inglesa de maior autoridade em relação a projetos e estudos sobre alfabetização e leitura, crianças que leem em seu tempo livre possuem os mais altos índices acadêmicos. Entre elas, as que mais se destacam são as que leem ficção, que por sua vez também são as mais engajadas em leitura. É um ciclo vicioso: elas se engajam na literatura (ficção), leem mais, tiram as melhores notas e se motivam ainda mais a ler.
Vi isso acontecer com meu filho aos nove anos de idade. Ele começou a gostar mais de ler, passou a ler um livro após o outro e naturalmente foi evoluindo nos testes de leitura. Um dia, fui pegá-lo na escola e ele veio correndo, gritando, afobado, com um sorriso escancarado no rosto: tinha virado free reader! Feliz com o reconhecimento, não parou mais e virou meu maior companheiro de leitura. Lemos juntos no metrô, na minha cama e nas viagens. Cada um com seu livro, em silêncio, fazendo companhia um para o outro.
É claro que cada caso é um caso e os pais influenciam muito no hábito de leitura dos filhos. Sou apaixonada por literatura e meus filhos sempre me veem lendo, mas agradeço a Inglaterra por esta imersão literária que vivemos desde que nos mudamos para cá. A paixão pela literatura é uma das maiores heranças que quero dar aos meus filhos e sei que não é fácil, mas sigo motivada por ter um país inteiro como meu aliado nesta missão.
4 Comentários
Paulinha
Uma das razões de vc estar gostando de morar em Londres é este amor pela literatura e que está passando para seus filhos
É mesmo admirável ver este país incentivando as crianças na leitura
Como sempre vc brilha nas suas redações !!
Parabéns !
Com certeza vovó, vejo os livros, contos de fadas e filmes por vários lugares em Londres e isso me inspira muito. Adoro esta cidade e adoro literatura! A combinação das duas é fantástica.
Com certeza vovó, vejo os livros, contos de fadas e filmes por vários lugares em Londres e isso me inspira muito. Adoro esta cidade e adoro literatura! A combinação das duas é fantástica. Obrigada pelo incentivo de sempre 🙂
[…] Leia também: A literatura nas escolas da Inglaterra […]