Uma das características mais marcantes das escolas na Inglaterra é a importância da leitura no currículo escolar. As crianças começam a aprender a ler desde bem pequenas, a frequência de leitura exigida é alta e acompanhada de perto pelos professores e pais. Quem vê de fora estranha a rigidez do modelo de alfabetização inglês, mas o fato é que o país que tem a herança literária de Shakespeare, Dickens e Austen, para citar alguns clássicos, prepara muito bem pequenos leitores para serem grandes apreciadores da literatura. O ponto de partida de tudo isso é um programa de leitura estruturado, promovido pelo Currículo Nacional para as escolas primárias na Inglaterra.
O início da alfabetização
Já contei aqui que nas escolas da Inglaterra a alfabetização acontece pelo método fônico, através dos sons (fonemas) de cada letra e a junção deles na formação da palavra. Logo quando as crianças entram na escola, que é obrigatória aos quatro anos de idade, elas iniciam o aprendizado dos fonemas e já são incentivadas a… ler! Explico.
Os livros são curtinhos e seguem um plano de leitura dividido por níveis (reading scheme). A criança começa a “ler” através de livros sem palavra alguma e é incentivada a contar a história em voz alta através das imagens, estimulando a percepção da sequência de fatos e compreensão do enredo. Neste estágio, há também uma preocupação para que a criança aprenda a segurar e manusear o livro, além de ter a responsabilidade de cuidar do exemplar que foi emprestado a ela naquela determinada semana. Depois, as histórias passam a ter palavras que exploram os fonemas já estudados, em frases curtas e simples, para que a criança seja sempre desafiada a evoluir em sua leitura. Com o aprendizado de mais fonemas, as possibilidades de formação de palavras aumentam e a leitura vai ganhando frases mais longas, que evoluem para parágrafos e assim por diante.
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Mas não para por aí. O que assusta muita gente que não está familiarizada com este sistema de ensino é a exigência diária da leitura em casa. A escola conta com a participação ativa dos pais no acompanhamento da leitura dos filhos, que levam para casa um caderno de registro para ser preenchido todos os dias, desde os quatro anos de idade!
É exagero? Pode ser. Poderia ser iniciado mais tarde? Sem dúvida. Mas o fato é que o programa é tão bem estruturado através dos níveis ascendentes de leitura que permite com que a criança veja claramente a sua evolução e se motive a ler, desde pequena.
As coleções de livros por níveis de leitura (reading schemes)
Focadas nesta metodologia, as editoras criam coleções de livros divididos por níveis de leitura, seguindo a orientação da alfabetização do Currículo Nacional. A mais famosa é a Oxford Owl, que apresenta uma família de personagens logo no primeiro nível e acompanha os leitores em toda a série. Pais com filhos que estudaram em escolas primárias inglesas com certeza irão se lembrar de Chip, Biff e Kipper, além do cachorro Floppy. Veja aqui como funciona uma tabela de livros divididos por níveis e a relação com os anos escolares na Inglaterra.
Atualmente, há várias opções de coleções de livros divididos por níveis, inclusive os informativos (non-fiction), o que diversifica a escolha dos títulos que as crianças levam semanalmente para casa. Se alguém quiser tê-los em casa, basta procurar nas livrarias ou bibliotecas por “reading scheme books”. As histórias e as ilustrações são simples, pois o foco é a variedade (a criança lê de um a dois livros diferentes por semana). Além disso, o texto deve priorizar os fonemas de acordo com determinado nível, o que limita bastante o universo de criação do autor.

Diariamente as crianças tem um tempo dedicado à leitura em sala de aula nas escolas da Inglaterra. Foto: Pixabay.
A jornada da criança pelos níveis de leitura
As escolas têm autonomia para criarem sua própria escala de níveis de leitura para classificação dos alunos. Pelo menos uma vez na semana o aluno lê um livro em voz alta, individualmente, para o professor ou o auxiliar em sala de aula, que também escreve suas observações no caderno de registro de leitura da criança. É neste momento que, periodicamente, o aluno é avaliado formalmente e tem a possibilidade de subir de nível, se o atual já não é mais desafiador para ele.
A classificação do aluno é feita não só pelo critério do domínio da leitura por si só, mas também pela compreensão do vocabulário e do texto, que é testada através de diferentes abordagens, como, por exemplo, o pedido para que o aluno reconte a história ao professor.
Os pontos positivos desta metodologia
A maior vantagem desta metodologia, na minha opinião, é a abordagem individual e o respeito pelo tempo de aprendizado do aluno. Em uma mesma classe, os níveis de leitura podem variar muito e cada um é estimulado de acordo com as suas possibilidades.
Outro ponto que merece todo o meu respeito é como a conquista de cada nível é celebrada pelos professores com o aluno. Várias vezes, quando vou pegar meus filhos na escola, a primeira coisa que eles me falam, com um sorrisão no rosto, é que mudaram de nível na leitura. Cheio de orgulho, chegam dizendo “Eu já sou do nível seis!”.
Uma vez, na saída da escola, vi uma criança que estava com 12 adesivos de estrelas colados no rosto, e a professora veio contar aos pais que ela tinha subido quatro níveis de uma vez, do oito para o doze! O sorriso dela conseguia ser maior que o brilho do celofane das 12 estrelas. O oposto também acontece: quando um aluno está muito aquém do nível médio da turma, recebe uma atenção específica dos professores e os pais são chamados para discutir como podem ajudar na evolução da criança.
A conquista do status de “free reader”
A quantidade de níveis na escala de leitura das escolas na Inglaterra pode variar, mas em comum elas tem um objetivo final para o aluno: ser um “free reader” e poder escolher o livro que quiser! É algo que as crianças dos últimos anos da escola primária almejam e a idade em que alcançam este status pode variar, já que o método respeita o tempo de cada aluno – mas, normalmente, está na faixa dos nove aos onze anos de idade.
Como um “leitor livre”, o aluno não precisa mais levar para casa os livros de acordo com um nível de leitura, pois já é classificado como proficiente na leitura e compreensão de uma ampla variedade de textos. Aliás, este domínio da leitura em estilos diferentes, da prosa à poesia, passando por peças de teatro e livros informativos, é algo que o Currículo Nacional faz questão de enfatizar como necessário no processo de formação de leitores proficientes.
No próximo mês vou contar como foi acompanhar (e vibrar!) com a conquista do status de “free reader” pelo meu filho e o quão transformador isso pode ser na formação acadêmica da criança. Além disso, vou falar como a literatura está fortemente presente nas escolas inglesas, garantindo a perpetuação da herança britânica como formadora de grandes autores em sucessivas gerações. Nossos filhos podem ser os próximos!
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3 Comentários
Achei muito interessante saber da importância da literatura em crianças pequenas
E a alegria de ser promovida a mais um nível mostra o interesse em gratificar a experiência
Já estou esperando o seu comentário sobre seus filhos
Meu abraço agradecendo seu ótimo texto
Que incentivo espetacular de leitura que é dado pelas escolas britânicas! Ah, se no Brasil tivéssemos este incentivo… nossa realidade é bem diferente, exceto em escolas particulares. Parabéns pela excelente descrição da conduta das escolas britânicas! Bom vermos realidades diferentes! Gosto de ver seus filhos lendo antes de dormir. Isso me enche de orgulho! Mérito seu!!!! Bjs
[…] No mês passado escrevi sobre a importância da leitura nas escolas da Inglaterra e foquei na metodologia de alfabetização, com abordagem individual no processo de leitura e níveis de aprendizagem. A criança avança de acordo com o seu desenvolvimento, até se tornar um “free reader” (leitor livre), quando já é considerada proficiente na leitura e na compreensão de uma boa variedade de textos. […]