Um domingo comum, família reunida com amigos em um restaurante e, na mesa dos pequenos, as meninas de 7 anos cochichavam, riam e se cutucam, quando por fim uma delas pergunta a sua mãe: “Mamãe, o que é transar?”. Depois de um largo silêncio de indignação e constrangimento, a mãe olha para os lados e encontra uma resposta tão previsível, como pouco útil: “E por que vocês estão falando tão alto?”.
As crianças se calaram, não pela satisfação da resposta, mas pelo desconversar dos adultos.
Esta cena, em tempo atuais, não deveria ser tão corriqueira, porém, em contraste com a superabundância de informações e exibicionismo que reina nas redes sociais, muitos tabus e falsas crenças continuam a pesar nas famílias quando o assunto é educação sexual.
A tendência é os pais acreditarem que as crianças são muito inocentes, que não sabem de nada, que só pensam em brincar. Não se enganem! As crianças falam sobre sexo entre si. Sendo assim, é importantíssimo falar sobre sexualidade de forma aberta, pois os filhos provavelmente já têm uma grande quantidade de informações, vindas de colegas e, claro, da Internet.
Falar com os filhos sobre sexo raramente é algo confortável para os pais. Mas mesmo com tanta insegurança é importantíssimo que se faça um esforço real. Afinal, é em casa e com as pessoas mais íntimas que se consegue as respostas mais preocupadas com o bem-estar.
O que é sexualidade?
É importante primeiro mantermos sempre em mente que sexualidade não é sexo. Sexualidade é tudo aquilo que somos capazes de sentir e expressar e faz parte da personalidade de cada um. Portanto, as crianças tem sexualidade!
A partir da visão da vida sexual do ser humano como algo flexível, mutável e em permanente processo de transformação, a realidade do ato sexual é captada em toda a sua profundidade. A sexualidade não tem uma função única, nem é algo particular de um período da vida humana. Não é algo rígido do nascimento à morte. Cada etapa de nossa vida tem suas peculiaridades e a sexualidade não é estranha a essa realidade.
O primeiro contato que temos com a sexualidade é durante a amamentação. A sexualidade nos é apresentada de maneira não verbal: pelo toque dos pais, pelo modo como a mãe amamenta, como o bebê é embalado no colo, como o olham, como o amam, ou seja, por meio dos comportamentos e experiências afetivas-sexuais que o bebê vivencia.
A sexualidade dever ser estimulada de maneira saudável, de modo que a criança tenha familiaridade com seu próprio corpo, saiba identificar onde dói para ajudar os pais a tomar conta de sua saúde, e também se instrumentalizar para estabelecer os limites entre carinho e abuso.
Educação sexual: por onde começar?
É importante como pais atendermos os questionamentos e os despertares dos filhos, pois as respostas e as falas emitidas por nós, adultos, soam com mais força e conforto aos filhos e, acima de tudo, criam e mantem uma relação de confiança.
Em um primeiro momento, cabe aos pais ajudar a criança a construir sua sexualidade de maneira positiva. A curiosidade de cada criança deve ser o termômetro para saber sobre o quê e quando falar.
Os pais devem ficar atentos às curiosidades que forem surgindo e sempre explicar dentro da capacidade da criança de entender aquela conversa. Devemos também considerar a personalidade única de nossos filhos e entender o tempo de cada uma de descobrir o mundo a sua volta.
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O melhor é usar linguagem simples, sem recorrer a metáforas ou histórias e situações que não existem no mundo real. Utilizar livros sobre o assunto, desenhos, teatralização. Material lúdico como suporte torna a educação sexual mais didática, compreensível e, por que não, divertida.
O mais importante de uma educação sexual consciente para crianças é ensinar o que é amar, se relacionar, o que é afeto e privacidade, assim como identificar o que é abuso. Ou seja, a reconhecer, respeitar e defender o próprio corpo e o corpo do outro.
Por meio da educação sexual, é possível ensinar a criança a não deixar que nenhuma outra pessoa tire sua roupa, toque em seu corpo e em suas partes íntimas. Também deve-se orientar desde pequeno que, caso essas situações ocorram, elas nunca devem ter vergonha e escondê-las. Ao contrário, devem comunicar imediatamente os pais.
Mitos e verdades
- A educação sexual não incentiva a iniciação precoce
Precisamos superar o mito de que a educação sexual pode erotizar ou incentivar a iniciação sexual precoce de crianças e adolescentes. Pelo contrário! Inúmeros relatórios emitidos pela Organização Mundial da Saúde afirmam que quanto mais informação de qualidade sobre sexualidade, mais tarde os adolescentes iniciam a vida sexual, além de terem melhores relações interpessoais e melhores conhecimentos sobre autocuidado.
- O contato da criança com a nudez não é o mesmo que presenciar cenas de sexo
A criança tem contato com a nudez desde que nasce. Seja no momento da amamentação no seio, em que sua mãe está à vontade, seja brincando no banho com outras crianças, primos, nos momentos de troca de fralda na creche. A nudez em si é uma informação importante para a criança entender como funciona o próprio corpo, seja dos seus pares ou de adultos. Saber que existem diferenças entre meninos e meninas, entre os corpos das crianças e dos adultos e saber estabelecer os limites sobre o que são partes íntimas, que partes não devem ser tocadas por outras crianças ou adultos que não sejam responsáveis pela sua higiene e cuidados diários, são conhecimentos não só saudáveis, mas protetivos no que se refere à prevenção da violência sexual.
- Falar sobre educação sexual com os filhos não significa dar permissão para praticar o ato sexual
Falar sobre educação sexual é falar sobre opções; é falar sobre responsabilidades e riscos. Assim, se estabelecemos uma base sólida com nossos filhos em torno deste tema – sem vergonha, tabus, proibições ou crenças sem evidências empíricas – tudo se torna mais fácil à medida que envelhecem. E, se formos ao cerne desse mito, a realidade é que mães e pais não estarão pessoalmente com seus filhos quando eles estiverem pensando em fazer sexo. Mas quaisquer informações que tenham recebido os ajudarão a tomar decisões mais informadas e responsáveis sobre o assunto.
- Crianças e adolescentes que têm educação sexual estão mais protegidos contra a violência sexual
A educação sexual, que o senso comum tanto teme, é, na verdade, uma das formas mais eficazes de enfrentamento da violência sexual. Não se refere apenas ao conhecimento dos genitais e saber de onde vêm os bebês, mas aos conceitos de autoproteção, consentimento, integridade corporal, sentimentos, emoções, sonhos, identidade, tipos de toques que adultos estão autorizados ou não em relação ao corpo da criança e do adolescente – tudo isso é educação sexual. Quando fornecida com qualidade, material adequado a cada faixa etária, a educação sexual é extremamente protetiva. Crianças e adolescentes que têm educação sexual, na escola e em casa, estão 6 vezes mais protegidas contra a violência sexual.
A educação sexual deve ser um caminho que se vai construindo aos poucos, mas sempre com constância e consistência; uma educação baseada no respeito, em que haja abertura à curiosidade e questionamentos, e que seja ensinada desde cedo.