Falta de atenção, dificuldade de aprendizagem, distúrbios comportamentais… Os profissionais que trabalham com a infância advertem para os perigos da exposição precoce à televisão e outros aparelhos digitais, dos jogos eletrônicos e da utilização de celular e Internet. Imagino que o tema seja recorrente na maior parte dos países do mundo, mas vou tratar sobre como está a situação na França hoje. Já há alguns anos professores, pedagogos, psicólogos e psiquiatras observam o comportamento de crianças desde a creche e maternal e preocupam-se com alunos que não conseguem segurar o lápis ou que não respondem quando são chamados pelo nome.
A agressividade ou passividade excessiva também são traços comportamentais que têm chamado a atenção. E muitos acreditam que as novas tecnologias sejam as grandes vilãs. O problema é que esse fenômeno sócio-tecnológico é relativamente recente e os estudos científicos não podem ainda comprovar a relação entre a exposição às telas e o comportamento dos espectadores mirins.
O que faziam os dirigentes políticos de ontem…
Durante o governo do presidente François Hollande, de 2012 a 2017, o investimento para implantar ferramentas digitais nas escolas públicas foi grande, em torno de 1 bilhão de euros. A promessa era que alunos a partir da 6a série dispusessem individualmente de um computador ou tablet em sala de aula. Lembro que minhas filhas, quando estavam no primeiro ano primário (2014), realizavam alguns exercícios de matemática ou francês no computador.
Há quem defenda a total retirada dessas ferramentas da sala de aula, como o engenheiro Philippe Bihouix, co-autor do livro “Le désastre de l’école numérique” (O desastre da escola digital) da editora Seuil, porque a utilização do digital pelos professores seria uma forma de apologia ao seu uso, ou simplesmente uma prova do aval do ensino público. Esses mesmos defensores do retorno ao sistema antigo argumentam que o aluno já passa seu tempo livre em casa ou no trajeto casa/escola/casa no celular, tablet ou televisão, e seria ainda mais exposto a todos esses eletrônicos durante o tempo que está em sala de aula.
… e o que fazem os de hoje
O Ministro de Educação do atual governo preconiza a ausência total de tela (televisão, tablet, celular) antes dos 6 anos e a proibição de celular nas escolas (em todos os níveis). Na sala de aula é mais fácil de aplicar essa regra. Mas no pátio, durante o recreio, os incidentes por desobediência são frequentes. Uma enquete aponta que atualmente na França 97% dos pré-adolescentes e adolescentes (12-17 anos) possuem celular e um terço das crianças ganha o primeiro telefone aos 10 anos. A maioria, no entanto, tem acesso ao primeiro celular aos 11 anos, quando deixa a escola primária. Isso porque com frequência é nessa fase que as crianças começam a usar o transporte público, ou têm horários de curso muito variáveis e os pais desejam poder se comunicar com os filhos facilmente. O que ocorre, entretanto, segundo a mesma pesquisa, é que não raro a chamada cai na mensagem eletrônica e que em casa o celular perturba o bom desenrolar dos deveres. No fim das contas, o telefone não funciona para garantir a comunicação entre pais e filhos e ainda prejudica o desempenho escolar.
Celular, o grande vilão da história
Pesquisas revelam que a principal causa de conflito entre pais e filhos hoje é o uso de aparelhos celular, jogos eletrônicos e tablets. Cada família se desdobra em criatividade para resolver o problema: uma enquete colheu algumas das formas que os pais encontraram para regular um pouco o uso do celular:
- plano restrito
- aplicativos de bloqueio
- proibição do uso durante as refeições e os deveres de casa
- entrega do aparelho aos pais a partir das 21 ou 22 horaS
Experiência pessoal com pequenos
Trabalho como assistante maternelle (assistente maternal) há pouco mais de dois anos. Lido diariamente com crianças entre 3 meses e 3 anos. Posso relatar vários exemplos que confirmam que antes dos 3 anos a criançada já assistiu muuuuuuita televisão, já manipulou tablet e celular. Fotografo com frequência as crianças de que cuido para dividir com os pais durante o dia um pouco do cotidiano dos filhos. Uma menina, na época do fato que vou relatar com 2,5 anos, ao ver-me fotografá-la pediu para ver a foto e imediatamente fez o gesto com o polegar e o indicador para dar o zoom na imagem! Fiquei boquiaberta…
Há algumas semanas, uma outra menina que cuido sofreu um acidente doméstico na casa dela e ficou quinze dias sem vir. O retorno foi um pouco difícil, porque ela preferia ficar com a mãe. Por ter ido visitá-la durante esse período, e tê-la visto mais de uma vez assistindo a algum desenho, propus Peppa Pig para convencê-la. Sucesso imediato! Ontem, já sem chorar, ao chegar ela me ordena: “Nounou (babá), Peppa Pig!”. E dirigindo-se à mãe: “Au revoir, maman!” (até logo, mamãe). Aos 2 anos ela já é capaz de obter autorização para assistir à televisão através de chantagem emocional…
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Também me impressiona a atração que a televisão, o computador e o celular causam nos bebês. Se eu ligar o computador e alguma imagem aparecer, o menino de 6 meses que fica comigo dirige instantaneamente o olhar para a tela. Fiz a experiência de colocar-me na frente e a reação foi a mesma que teria uma criança maior ou mesmo um adulto: mexer a cabeça para o lado para tentar enxergar.
Quando recebo uma mãe ou um pai em uma primeira conversa antes de passar a acolher o filho em minha casa, explico que não disponibilizo nem televisão nem joguinhos eletrônicos e apresento referências de artigos científicos que preconizam o não uso desses aparelhos. Mas quando relato que fulano ou beltrano me pediu durante o dia para assistir a um desenho, ou que olhou um pouco porque minhas filhas que são grandes estavam em casa e ligaram a televisão, todos são unânimes em declarar “não tem problema!”.
Snapchat ou um baseado?
A especialista inglesa em dependência, Mandy Saligari, afirma que presentear uma criança com um celular seria a mesma coisa que dar-lhe um grama de cocaína ou uma garrafa de vinho. Para ela, aplicativos como Snapchat ou Instagram se revelam fortemente viciantes. Minhas filhas entram no equivalente ao 6o ano em setembro. Aniversariam igualmente em setembro, quando completarão 11 anos. Pelo sim, pelo não, acho que entre uma Smirnoff e um celular, vou optar por um brinquedo ou um livro!
E você, o que acha dessa relação da infância, internet e aparelhos eletrônicos?
3 Comentários
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