Vivendo os incríveis (e terríveis) dois anos
Quando nos tornamos mães e começamos a estudar ou seguir outras mães e coaches parentais, o assunto é um dos mais comentados: a fase dos dois anos. Aquela em que os nossos bebezinhos fofinhos que só nos traziam amor e orgulho a cada novo passinho, palavra, sorriso, soneca se transformam em seres questionadores e começam a dizer “não” para quase tudo. É uma mudança radical.
A gente ouve falar dos “terrible two”, mas acha que vai ser uma ou outra crise de choro no meio do mercado, afinal ninguém está livre disso. Só que a realidade pode ser mais pesada. Há dias em que é choro de manhã até a noite. Há semanas que esses dias se repetem consecutivamente.
É exaustivo, desesperador, frustrante. A mudança parece que chega do dia para a noite. Por isso chamo de desafiador. Porque estamos lidando também com nossos limites, revisitamos nossa própria infância. E, diante de gritos, chutes, pontapés, criança desesperada no chão, tapas e objetos que são jogados para longe, me vejo com algumas opções:
- Gritar também e ouvir choro
- Colocar de castigo e ouvir choro
- Respirar fundo e explicar diversas vezes o porquê de algo e ainda assim ouvir choro
- Sair de perto quanto se está ultrapassando o limite da paciência e continuar ouvindo choro
- Beijar e abraçar muito e ouvir choro
- Aceitar a escolha da criança de se afastar (algo que é bem difícil) e ouvir choro
- Ou deixar a criança fazer o que quiser e viver no silêncio
Pois é, educar, criar dá trabalho. Nem sempre o retorno é imediato, mas ser permissiva como na última opção acima nunca foi uma escolha para mim. A permissividade tem consequências para as crianças, veja algumas neste texto. Punir com castigo também não é o ideal dentro do que acredito.
Por isso aqui eu escolho respirar muito. Sair de perto quando estou quase explodindo. Explicar diversas vezes, segurar quando ela tenta bater, dar o espaço dela quando ela precisa. E o mais importante: me colocar no lugar dela.
Revisitar a infância e curar as feridas
Desde que me tornei mãe, eu revisitei muitas vezes minha infância, meus traumas, minhas mágoas quanto aos meus pais.
Lembro de um dia em que eu tinha uns sete anos e minha mãe jogou a caixa de Lego longe porque não guardávamos os brinquedos. Eu senti muita raiva. Eu pensei que queria ser grande logo para dizer o quanto odiava ela (forte, né?) mas não durou muito tempo. Naquele mesmo dia na escola, eu me senti mal e chorei por ter pensado isso da minha mãe. Me lembro que uma criança mais velha me pegou no colo e me carregou e aquilo me aliviou.
Na verdade, eu jamais odiei a minha mãe, eu só tinha sentido raiva do seu gesto e não sabia lidar com esse sentimento. E aí chega um dia em que eu estava com minha filha sem dormir a soneca. À noite ela já não dormia bem. Estava exausta, frustrada com toda a bagunça da casa e com a minha solidão naquele período. E ela não dormia, não dormia, não dormia. Eu serrava os dentes, minha vontade era berrar aquele sentimento preso e jogar todas as roupas não guardá-las pela janela. Jogar longe o que estava fora do lugar. Naquele dia, eu me segurei porque me lembrei dessa passagem da minha infância e de como ela me marcou.
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Mas o mais importante desse dia: eu entendi a minha mãe, que ficava em casa com três crianças, sozinha a maior parte do dia, com todas suas dores e frustrações e ainda assim sempre foi uma ótima mãe. Tudo isso para contar que a partir do momento que entendi a minha mãe, ouve uma transformação daquela situação. Eu compreendia os dois lados: o dela e o meu, que poderia ser o da minha filha.
Isso me permitiu lidar melhor com a situação. E que oportunidade os filhos nos trazem de ressignificar nossas feridas da infância! Então eu tento sempre me colocar no lugar da minha filha nos momentos desafiadores. Volto para os meus sentimentos de criança, sei que eles são verdadeiros e legítimos mesmo quando o motivo não faz sentido para os adultos. Tento acolher, explicar, negociar quando é possível.
Claro que há dias em que não consigo. Grito, digo frases que não gostaria. E, quando isso acontece, me sinto uma péssima mãe. Mas eu peço desculpas, explico que errei. Abraço e beijo. Não me sinto “rebaixada” por admitir quando não faço o que acredito ser certo.
Ou é isso ou vivemos a pesada atmosfera de gritos, raiva e frustração. Eu também leio muito sobre o assunto. Leio textos sobre o assunto em portais de maternidade e infância, sigo alguns perfis nas redes sociais que me mostram que não estou sozinha, que me inspiram com as respostas às situações desafiadoras como o Lua Barros, Elisama Santos , Psimama. Indico também o podcast sobre o assunto do sinuca de bicos: “Incríveis dois anos – Podcast Sinuca de Bicos 045”
Dicas de especialistas
Na minha lista de dicas que ajudam a lidar com os desafios dessa idade, estão:
- abaixar para conversar na altura da criança;
- antecipar alguns fatos que vão acontecer no dia;
- combinar o que vamos fazer antes de um passeio e dizer que, quando o momento de vir embora chegar, teremos que vir;
- ter um espaço da calma (aqui é o próprio quarto, onde coloco uma caixinha de música para ela ouvir);
- pedir ou oferecer um abraço nos momentos de crise (já adianto que é um pouco difícil quando eles não aceitam).
Focar no lado positivo
Outra atitude que me auxilia nessa fase é focar nas coisas positivas. Ela está crescendo, aprendendo a lidar com as emoções, e é lindo ver como de repente ela passou a expressar esses sentimentos de forma tão natural, sem medo, sem vergonha.
É um período de muita descoberta. Cada dia é uma brincadeira nova, uma nova imitação do que ela vê, uma nova musiquinha que ela aprende e canta do jeito dela, novas palavras e expressões que me deixam de sorriso bobo no rosto.
Desde que ela nasceu eu aprendi que tudo que é intenso é desafiador e que tudo passa. Essa fase também irá ficar para trás com aprendizados dos dois lados.
4 Comentários
Oii Mariana! Adorei seu texto, até chorei, me identifiquei que temos tantas coisas da nossa infância para curar em nós. As vezes me vejo em um déjà vu, a mesma situação, mas estando do outro lado. Meu filho foi tranquilo aos 2 anos, para mim os “impossible three” foram bem mais difíceis, eles estão mais fortes, com um vocabulário melhor, com ideias mirabolantes e realmente se acham donos de si… mas cada criança é única. Espero que as coisas se ajeitem por ai. Bjos
Colunista Tati Paiva
Mariana, acho que seremos muitas a chorar lendo teu texto. Identifiquei-me tanto! E não é somente a fase dos dois anos que é difícil e quando nos sentimos impotentes e com vontade de largar tudo. As minhas têm onze e isso ainda ocorre muitas vezes. Questiono-me dia e noite. Ser mãe é um aprendizado constante e nossa criança interior representa um papel muito importante nisso tudo. Força, não estás sozinha!
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