Separação no exterior, guarda dos filhos e os direitos da criança
Colunistas*
Nem todo casamento é eterno, mas paternidade e maternidade duram para sempre, certo? Infelizmente, nem sempre… Separações e divórcios às vezes saem do controle, acontecem de forma litigiosa, e os filhos, no meio de toda essa confusão, são os mais atingidos. Tratados muitas vezes como disputa de propriedade de um ou de outro. Ou como um bem que um deles resolve abrir mão e abandonar.
Existe pai que não vai lutar pelos filhos – a mulher “sumiu no mundo” com as crianças e ficou tudo bem! Você conhece algum caso assim? A mãe mudou de cidade ou estado, o pai não se incomodou e nunca mais viu a filha, que cresceu órfã de pai vivo.
Há também casos extremos, como da mãe e do pai que perderam a guarda do filho por 1,5 ano para o governo da França. Só conseguiram reaver a criança depois do ex-casal entrar em acordo, caso contrário a criança iria para adoção. No caso mais recente que ganhou a atenção da imprensa e fez barulho nas redes sociais, uma mãe que tinha a guarda compartilhada da filha com o pai alemão, por acordo feito por ambos na corte holandesa (ambos moravam na Holanda, ela sendo brasileira há 15 anos residente lá), foi de férias ao Brasil e decidiu não retornar, como previa o acordo. Conclusão: o pai entrou na justiça para reaver o direito de ter a filha por perto e, num acordo entre Brasil e Países Baixos, a menina, de três anos, foi retirada pela Polícia Federal de sua creche no Brasil e voltou, com o pai, para a Holanda.
Como ficará o psicológico dessa criança, a sua saúde mental nesse processo de rompimento abrupto primeiro com o seu pai e a vida que estava acostumada na Holanda, depois com a sua mãe e a vida que já estava se adaptando no Brasil?
Meus pais se separaram, e agora?
Um dos mais fortes rompimentos dos laços afetivos para uma criança é, sem sombra de dúvidas, a separação dos pais. E da maneira como ocorreu no caso citado acima, foi desumano, desrespeitoso e desesperador para todas as partes envolvidas. Mas a criança menor de idade é o ser vulnerável, que deveria ser protegido pelos adultos, estes sim responsáveis por suas escolhas. Não foi garantido à criança o direito à liberdade e a convivência familiar, nem quando foi retirada da Holanda, nem quando foi retirada do Brasil.
Segundo DOLTO, 2003, não se protege a segurança da relação privando o filho do conhecimento do outro genitor. Ao contrário, isso constitui a promessa de uma enorme insegurança futura, visto que é uma anulação de uma parte da criança através da qual lhe é indicado, implicitamente, que esse outro é alguém desvalorizado e falho.
Além disso, a criança, por si só, já está abalada psicologicamente, sofrendo com a separação dos pais. Ela se sente frágil, perdida, insegura, como se o mundo que ela sempre conheceu estivesse se despedaçando. Toda segurança e estabilidade que antes existia, agora se rompeu. É um momento muito difícil: a destruição do seu universo que ela precisará reconstruir.
O assunto é complicado e mexe com nossos instintos maternos e a necessidade que a maioria das mães têm de ter seus filhos sob sua guarda. Uma separação já é difícil e traumática, acontecendo quando se mora no exterior é ainda mais complicado. Mas, quando um casamento com filho acaba, é preciso pensar de forma lógica e racional e, sobretudo, saber colocar seus filhos em primeiro lugar. E isso significa também respeitar os seus direitos.
As crianças não planejam nascer, muito menos migrar e imigrar. Elas são levadas pelos pais – são eles os adultos que escolhem, que tomam a decisão. Por mais que a adaptação das crianças a um novo país seja boa, elas perdem referências de país, família, amigos, escola… Agora, adicione um divórcio a essa conta. Como fica o emocional desses filhos?
Guarda compartilhada e a Convenção de Haia
De forma objetiva, tenha em mente que quando se mora em outro país e ocorre um divórcio, seja o casal brasileiro ou multicultural (de nacionalidades diferentes), se não entrarem em um acordo relativo à guarda, o governo local poderá intervir. É muito comum na Europa como um todo, na Holanda em particular, que em caso de separação a guarda seja compartilhada alternada. Isso significa que a criança passa seu tempo dividido entre o pai e a mãe e ambos possuem os mesmo direitos e os mesmo deveres com relação à criança.
A Convenção de Haia – da qual Brasil, Holanda e outros 120 países são signatários – protege exatamente a criança de ser retirada do país que reside pelo pai ou mãe de forma ilícita. A Convenção existe para evitar que a criança seja jogada de um país para outro e repentinamente perca seu lar, escola, amigos, referências importantes para formação de um ser humano.
Os países signatários respeitam o acordo para que uma separação conjugal não se transforme em uma “guerra jurídica internacional”, onde não se sabe qual país tem a lei mais forte, qual será aplicada… A convenção vem justamente unificar o assunto para que, seja qual for o país, a criança seja respeitada e protegida.
Sabemos que a vida de imigrante não é fácil e essa é mais uma questão a se considerar. Não é algo que somente a mulher brasileira e mãe casada com um estrangeiro deva se preocupar. Mesmo sendo ambos brasileiros, os pais que decidiram morar fora do país e acabaram se separando fora do Brasil estão sujeitos à lei do país onde vivem e da Convenção de Haia. Em resumo, um dos progenitores não pode simplesmente decidir voltar para o Brasil com a criança se o outro não concordar e permitir. Porque a Convenção entende que o lar da criança é onde ela vive no momento, onde estuda e criou sua rede, e que ela tem o direito a conviver com mãe e pai. E, se esses pais decidem iniciar uma disputa e não conseguem chegar a um acordo na justiça, o governo pode se apoderar do seu filho até que os adultos em questão provem que têm condições de criar seus próprios filhos.
Para saber mais sobre a Convenção de Haia, leia aqui!
Uma forma de evitar problemas futuros é fazer um pré-acordo de guarda, também conhecido como plano parental. Enquanto está tudo bem e todos se amam e querem viver felizes para sempre, fazem o acordo. Em caso de divórcio futuro, seguem o que já estava definido (e que fora definido quando ainda havia amor, respeito e diálogo, o que torna tudo muito mais fácil). A grande questão é cumprir. Não adianta fazer um acordo e quatro anos depois, no divórcio, descumprir tudo. Nesse caso, haverá problemas ainda maiores.
Esse texto não tem o propósito de alarmar nem de julgar qualquer caso. Queremos alertar a você mãe e pai que está lendo esse texto para importância de não expor seus filhos a uma briga que é do casal, dois adultos que decidiram trazer filhos ao mundo.
Não importa os motivos que os levaram a um rompimento. Homens e mulheres se juntam e se separam todos os dias. Existem milhares de ex-casais por aí, mas não existe ex-pai e ex-mãe. Ou, pelo menos, não deveria. Trabalhem como adultos as suas incompatibilidades, mas deixem as crianças fora disso. Para uma criança, toda mãe e todo pai são heróis. Deixem que sejam crianças, mas os respeitem como indivíduos. E um indivíduo completo é aquele a quem é dada a oportunidade de viver integralmente seus afetos e ter sua dignidade respeitada e sua segurança física e emocional garantidas.
O apelo que fazemos como mães é que, por mais difícil que seja conviver com o ex-marido (ou ex-esposa, para os pais que nos leem), coloquem seus filhos acima de tudo. O apelo que venho fazer como jurista é respeitem as leis criadas para salvaguardar as crianças. O preço que se paga por infringir uma norma é muito alto para pais, mães e principalmente crianças. O assunto é sério! Peçam ajuda! Mudem de advogado, informem-se, não corram o risco de perder seu filho legalmente nem emocionalmente. Não deixem seus filhos sem o pai ou a mãe. Não pratiquem alienação parental. Se forem vítimas dessa atitude por parte do/da ex-cônjuge, procure um advogado de família para se orientarem. Não se arrisquem.
Segue o link do portal da justiça européia que tem um vídeo bem explicativo e serve para qualquer nacionalidade.
* esse texto foi produzido de forma colaborativa pelas colunistas Carol Medeiros (Holanda), Cíntia Romano (Portugal), Claúdia Kalhoefer (EUA), Raquel (EUA), Thaís Rodrigues (Espanha), e Viviane Curci (Portugal).
4 Comentários
Adorei!!! Ficou ótimo Carol. Esse tema é super importante é tão comum!
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Estou vivendo este problema. O pai do meu filho é europeu e decidiu não retornar para o Brasil, onde vivia. Como estamos em plena pandemia essa decisão se dilui pela clara dificuldade de locomoçnao neste momento. Minha preocupaccão é depois, como conduzir para que meu filho não se sinta abandonado pelo pai.
Olá! Realmente a separação é um momento muito delicado e com a pandemia então, nem se fale. A melhor maneira para que as crianças sigam em contato com pais que moram longe é manter o bom relacionamento. Os encontros precisam ser programados e haver segurança para que a criança possa fazer visitas regulares e, da mesma maneira que o pai possa visitar o filho. Além disso, incentivar conversas por vídeo chamadas periódicas (quem sabe fixar dias e horários por semana, talvez até mesmo por um jogo ou brincadeira online). Incentivar o bom relacionamento entre pai e filho ajuda a construir um adulto mais feliz. Espero ter contribuído de alguma maneira. Estou à disposição para o que precisar, Raquel Rocha