Convenção de Haia: como fica a guarda de filhos?
Mesmo num momento de desespero, devemos estar sempre atentos e agir com cautela. Sobretudo quando o que está em jogo é a nossa família e filhos, é preciso calma para protegê-los e resguardá-los.
Inicio o texto com esse alerta, que pode parecer óbvio. Mas trabalhando com leis, direitos e deveres, aconselho a quem está de mudança para o exterior com a família ou está relacionamento sério com um estrangeiro: conheça as regras e leis que regem o direito da família mundo afora e fique atenta.
Sair do Brasil com o marido a família, ter filhos em outro país ou casar com alguém de outra nacionalidade são movimentos cada vez mais comuns na vida de muita gente. No entanto, esses acontecimentos podem gerar consequências muito além do previsto no momento de alegria.
Espero que esse texto seja esclarecedor e ajude com informações importantes sobre o direito internacional. Caso seja necessário, procure o serviço consular mais próximo de você e, sempre, um advogado ou defensor público.
A Convenção de Haia e como ela interfere na vida de pais e filhos que moram no exterior
A formação de uma família é sempre um assunto que traz inúmeras questões para as relações sociais e, consequentemente, para o Direito.
Às vezes estão relacionadas ao casamento, regime de bens, adoção, separação, partilha, guarda, etc. Tudo se torna mais complexo quando essa família é composta por membros de diferentes nacionalidades. Ou, ainda, quando a família tem a mesma nacionalidade, mas mora num país diferente do seu de origem.
Há cerca de dois meses, uma criança foi repatriada do Espírito Santo – Brasil, para a Holanda.
É um caso extremo em que houve a separação de um casal – mãe brasileira, pai alemão e criança nascida na Holanda. A família residia na Holanda, no momento da separação, e até hoje disputa a guarda da filha nos tribunais.
Nesse e em muitos casos semelhantes, a comoção pública é enorme e gera muita especulação.
Para compreender essa decisão judicial de repatriação de uma brasileirinha para a Holanda precisamos primeiro conhecer a Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, a Convenção de Haia.
Definições importantes
Primeiramente, como é que cada país se organiza para saber o que se é permitido ou proibido?
No âmbito interno de cada nação são elaboradas leis para regulamentar relações sociais e/ou para solucionar conflitos existentes.
Dessa maneira, cada Estado, leia-se país, interfere organizando o seu território e o seus cidadãos ou pessoas que ali se encontram. É a função de gerir a nação, administrar o país. Assim, fica pré-determinado o que se pode ou não fazer.
Através dessa regulamentação estabelece-se, por exemplo, como deve ser realizado um casamento, quais os trâmites para se comprar um imóvel, os crimes que devem ser punidos, impostos que serão cobrados, dentre muitos outros exemplos.
Mas, o que fazer quando as questões, problemas, regulamentações, ultrapassam as barreiras de um país?
Nesse momento, há a necessidade de uma regulamentação mais ampla, um Tratado Internacional.
Como se cria um Tratado Internacional?
Os países, normalmente representados pelos seus Ministros das Relações Exteriores (no Brasil o Ministério das Relações Exteriores é chamado de Itamaraty), reúnem-se com um objetivo comum.
Assim, é de costume que a cidade-sede da discussão internacional dê nome ao novo regulamento. Foi o que ocorreu com a Convenção de Haia, Tratado de Roma ou Acordo de Paris.
Então, o tema proposto é discutido e um documento formal elaborado. Em sentido genérico, uma “lei”; no âmbito internacional, um “Tratado” (Convenções, Cartas, são sinônimos).
Portanto, será uma norma a ser cumprida pelos países que o assinarem e o incorporarem ao seu direito interno. Foi o que aconteceu com a Convenção de Haia, que aqui tratamos, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 3.413/2000.
Regulamentação Internacional para a proteção de menores numa disputa de guarda
Antes de 1980, quando foi assinada a Convenção de Haia, não havia uma regulamentação internacional sobre mudança de domicílio ou retenção ilegal de menor de idade quando havia uma situação de disputa de guarda parental.
Durante muitos anos, se um dos genitores mudasse de residência com o seu filho, impedindo o convívio com o outro pai/mãe, não havia amparo legal e ajuda entre países para se resolver o problema.
Logo, esse foi o diferencial da Convenção de Haia. Ela inovou por criar a cooperação entre as justiças de diversos países visando favorecer o bem-estar do menor, para que este tenha o direito de conviver com ambos os pais.
Atualmente, se um dos pais levar o filho, sem o consentimento do outro, para país diverso da residência habitual da criança, comete sequestro e sofrerá as consequência previstas na Convenção de Haia. Foi o que aconteceu com a brasileirinha repatriada para a Holanda.
Por esse motivo, as famílias que se estejam em litígios dessa natureza devem estar preparadas! Não é permitido levar menores de idade para outro lugar sem prévia autorização do outro genitor ou do juiz.
Sequestro ou Subtração de Menor?
A Convenção de Haia utiliza o termo sequestro quando se refere ao pai ou mãe que levou o filho sem o consentimento do outro.
Entretanto, no Brasil, sequestro tem significado muito diferente. Refere-se a privar uma pessoa de sua liberdade. É um crime grave, hediondo. Não há relação ao poder familiar como prevê o Tratado Internacional
Por isso, o termo correto no Brasil é subtração de menor e não sequestro.
Pode parecer apenas uma questão terminológica, mas pode fazer muita diferença. A questão envolvendo guarda de menor é bem diferente do crime brasileiro que nada tem a ver com essa relação familiar.
Criança é prioridade
Atualmente, nas Relações Internacionais, bem como na maioria das democracias existentes, o interesse da criança é considerado como prioridade.
Tal pressuposto foi estipulado por diversos Tratados Internacionais, em especial pela Convenção sobre Direitos da Criança, e no direito interno brasileiro pela Constituição Federal de 1988, seguida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Leia também Os direitos da criança são respeitados mundo afora?
Significa dizer que, em se tratando de crianças, elas estarão em primeiro lugar.
Nesses casos, processos devem ser mais rápidos, interesses particulares dos pais deverão ser postergados, enfim, resguarda-se a proteção especial para um menor em fase de desenvolvimento.
Consequentemente, todas as leis e tratados devem ser analisados diante do caso concreto. Vale dizer que, diante de uma situação de separação e disputa judicial de guarda de filhos, há que se analisar as provas, ouvir profissionais técnicos como assistentes sociais, psicólogos. Enfim, seguir o devido processo legal para alcançar o melhor interesse e bem-estar da criança.
Convenção de Haia e repatriação
A Convenção de Haia prevê que, após cumpridos os requisitos legais, a autoridade (juiz que receba o pedido de repatriação da criança, no Brasil a competência é da Justiça Federal) deva propiciar a entrega voluntária da criança.
Além disso, o retorno da criança deve ser feito desde que seja comprovado que ela não está integrada no novo meio, no novo país. Por isso, pode ser rejeitado o pedido de repatriação.
Por fim, mas acima de tudo, o retorno da criança não pode ser analisado sem o embasamento e fundamentação dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais que sustentam as democracias atuais.
Plano Parental – planejando a vida em família
Em se tratando desse modelo de família multicultural, ou sendo a família brasileira mas morando em outro país, o ideal é que se estabeleçam regras enquanto a relação familiar está em paz.
São chamados de planos parentais, acordos parentais, ou às vezes até mesmo um pacto antenupcial.
Por meio desse instrumento, que deve ser elaborado de comum acordo entre o casal quando a relação está boa e saudável, são formuladas decisões conjuntas caso venha a acontecer uma separação. Funciona como organização da vida futura, um planejamento. Claro, que ninguém estabelece relações amorosas pensando num futuro de discórdia, mas vale a prevenção.
Assim, as decisões ali registradas num momento de tranquilidade visam o bem-estar de todos os envolvidos. Ter esse acordo previamente arranjado e colocá-lo em prática caso haja necessidade é essencial e evita inúmeros problemas posteriores.
Ademais, vale citar o mecanismo das mediações que podem resolver o caso antes de uma árdua disputa judicial.
Alerta do Itamaraty a famílias brasileiras residentes no exterior
O Itamaraty, diante de inúmeros casos envolvendo brasileiros, criou uma cartilha para orientação sobre questões de guarda no exterior. Dentre alguns pontos importantes ali tratados vale a pena reforçar alguns:
Se um brasileiro (a) casado (a) com estrangeiro se separar no exterior pode retornar ao Brasil com seu (a) filho (a)?
Sem autorização judicial com fixação de guarda ou do outro cônjuge, a criança não pode ser retirada do país onde atualmente reside.
Isso porque, preserva-se a criança. Ela estuda, construiu laços e está inserida na comunidade. A Convenção de Haia a protege para que permaneça no local onde possui referências e está habituada.
Dessa forma, não importa que a criança tenha nascido no Brasil ou no exterior. Ambos os pais devem estar de acordo quanto à residência de filho/a menor de idade.
Um casal brasileiro residente em outro país pode levar o filho sem o consentimento do outro (a) para o Brasil?
Não importa a nacionalidade dos pais.
Por meio da Convenção de Haia estabeleceu-se como o local da residência da família para se resolver questões de guarda, separação, alimentos, independentemente da nacionalidade do casal.
Portanto, nenhum dos pais pode retornar ao seu país de origem com a criança sem que haja acordo com o outro genitor e autorização judicial.
Mais uma vez, a prioridade é a criança.
Caso o cônjuge que subtraiu a criança retorne ao país de residência, para onde foi repatriada a criança, ele pode ser preso?
Se o país considerar crime a subtração de menor, o genitor poderá ser processado e condenado a cumprir pena. Ele pode ficar inclusive privado de exercer o seu poder familiar.
Pode ainda ser submetido a penalidades administrativas, como a perda do visto.
Como deve proceder a vítima em caso de violência doméstica?
A vítima deve sempre procurar ajuda das autoridades no país em que se encontra. Ela deve se resguardar por meio de Boletins de Ocorrência Policial e documentos oficiais.
Dessa maneira, as autoridades tomam conhecimento do que está se passando e podem atuar. Nem sempre é fácil estar no exterior e encontrar ajuda, por isso os consulados também oferecem ajuda.
Por fim, lembre-se: ficar calado nunca é solução, procure ajuda oficial.
8 Comentários
Raquel, seu texto é maravilhoso e muito esclarecedor! Obrigada por compartilhar tantas informações importantes!
Danyella, muito obrigada! Tenho trabalhado bastante e espero poder ajudar com os textos. Um abraço
[…] Para saber mais sobre a Convenção de Haia, leia aqui! […]
Meu filho mora no México e é casado com uma Mexicana a 1 ano e meio. Eles tem uma filha de 6 meses. Eles tiveram um desentendimento e acabaram se separando. Ela pensa em pedir divórcio. Minha pergunta, ela se divorciar sem que meu filho assine. E como fuca a visitação por parte dele de sua filha.
Maria Aparecida, existem duas possibilidades para a separação e divórcio: consensual e litigioso. Isso significa dizer que poderá ser amigável, com acordo entre as partes, ou quando não há acordo e é necessária uma decisão judicial. Caso seu filho não entre em acordo com a ex-esposa será um processo litigioso em que o juiz decidirá sobre a guarda de menor, visitas, partilha de bens. Atualmente, não se discute mais a possibilidade de se negar separação ou divórcio. Os tratados internacionais e leis internas de cada país resguardam os direitos humanos que prevê a liberdade entre os cônjuges de querer a separação ou divórcio. Por isso, um processo consensual amigável é mais tranquilo e rápido do que o litigioso. Esse momento é muito delicado e tem a criança que será prioridade sempre. Há países em que é preciso primeiro se separar para depois se divorciar. Outra coisa, a guarda provavelmente será da mãe pela idade da criança (ressalvados casos extremos) mas o direito de visitas de quem não tem a guarda é preservado. Mais uma vez, pela idade da criança as visitas podem ser restritas e irem aumentando conforme a criança vai crescendo. Espero ter ajudado. Qualquer coisa estou à disposição pela página http://www.leispelomundo.com, ou no instagram/facebook @leispelomundo. Desejo que mesmo diante desse momento difícil tudo possa ser resolvido com tranquilidade e respeito. Abraços, Raquel
[…] E como fica a guarda dos filhos? Leia aqui neste texto sobre a Convenção de Haia e a guarda de filhos de brasileiros no exterior. […]
minha oirm’a [e Brasileira e tem cidadania Briit@ancia, o marido dela [e braileiro e tem cidadania italiana, elesmo raram na Inglaterra por 10 anos e ela conseguiu uma permiss’ao de passar um ano com a filha no Brasil em novebro de 2019, durante esse per[iodo o marido dela demorou 6 meses para vir ao Brasil e eles por fim decidiram se separar, minha orm’a quer ficqar ocm a filha aqui no Braisl e ele quer levar a menina de volta para a Inglaterra. (a menina tem 3,5 ano e nasceu na Inglaterra. foi dada entrada no Div[orcio aqui mesmo no Brasil. o que a conven;’ao de Haia fala sobre isso?
Olá Rebeca! Obrigada pelo contato. A Convenção de Haia protege sempre a criança e a residência habitual dela. Isso é a maneira para se preservar a convivência social. Se o processo de divórcio já está em andamento no Brasil e for litigioso, sem acordo entre as partes, o juiz decidirá o caso. Poderá ouvir testemunhas, serão apresentados documentos para comprovar o melhor interesse da criança. Além disso, os pais deverão provar meio de sustento no país que deseja ficar com o filho. A melhor alternativa é sempre tentar um acordo. Espero ter ajudado. Estou à disposição por esse canal ou pela página http://www.leispelomundo.com ou redes sociais leis pelo mundo.