Antes de começarmos nosso passeio, preciso pedir uma gentileza. Feche seus olhos e pense no seu livro preferido. Aquele que é seu querido e que levaria para onde fosse, se só pudesse levar um livro.
Pensou? Guarde essa informação. Você precisará dela ao final do artigo.
Agora, sim! Venha comigo!
A autora, ilustradora e “cozinheira” Margarida Botelho nos presenteia uma experiência literária sensorial com o livro “As Cozinheiras de Livros”. Dona de habilidade absoluta e técnica apurada, ela constrói as palavras e as imagens. Há um ingrediente essencial na narrativa, chamado “Margarida”!
Essa portuguesa de Almada traz a urgência criativa em seu coração e dentro da mochila. Seu compromisso com arte, educação e mundo social a impulsiona a desenvolver projetos artístico-educativos em bibliotecas, escolas, campos de refugiados, centros sociais, culturais, museus e em projetos de intervenção comunitária, através da arte – como a coleção de livros Poka-Pokani, – em Moçambique, no Brasil, na Indonésia e na Índia.
É preciso você conhecer Margarida um pouquinho para ouvir, ver, sentir, cheirar e saborear melhor seu livro.
A história traz uma dinâmica sensacional! Pegue uma lupa, você vai precisar. O texto é uma investigação bem humorada e bem conduzida, onde seu pequeno leitor vai colar os olhos para não perder um detalhe sequer. E você, também!
Imagine que todos os dias, às dez horas, na biblioteca de uma pequena cidade, as pessoas, impacientes por novos livros, se amontoam e reclamam com os bibliotecários. Aliás, não só lá, mas em todos os lugares onde livros eram vendidos. Isso se tornou um problemão: há dois meses não existiam novos livros na cidade!
A partir dessa questão, que aflige e toma os leitores da cidade, ávidos por novos livros, descobrimos que durante esse tempo – tendo que ler sempre os mesmos livros –, eles fizeram de tudo para driblar o problema. De forma criativa, de ponta-cabeça, do fim para o começo, brincando e procurando um jeito de fazer com que os livros fossem lidos novamente, mas de formas diferentes.
Acostamento aqui no passeio, porque esse detalhe traz à narrativa um monte de divertidas brincadeiras com as palavras, aumentando ou mudando a fonte (“Assim, aumentamos a horta e o pomar”), mexendo a posição da palavra na linha da frase. É muito interessante esse recurso lúdico e deve ser sinalizado para, quem sabe, estimular uma ótima brincadeira depois do livro terminar!
Assim, cansados de tantas tentativas, os moradores resolvem descobrir a razão do sumiço dos livros. Eles se unem – e o pequeno leitor vai junto – e levam os objetos necessários para a investigação: lupa, binóculo, bloco de anotações, e partem para tentar descobrir o que está acontecendo!
Ainda não chegamos ao cerne da questão vivida pelos moradores/leitores da cidade. Aqui o clima muda, um aroma invade o ar – ou melhor, a falta dele. Sim, um leitor repara que o cheiro da cidade está diferente. Antes havia no ar um cheiro semelhante ao de uma cozinha.
“– A cidade perdeu o cheiro!”
Essa descoberta olfativa, feita pela leitora mais velha, é a primeira pista concreta que une um grupo aflito e afoito para desvendar e solucionar o terrível mistério que invade e atormenta suas vidas. E é tão bonito isso, as pessoas se dão conta do quão vital é a leitura de livros. Assim como comer, beber e ser amado, Margarida Botelho ensina a crianças e adultos que ler também é essencial!
No alto do monte, numa torre com sete chaminés, o destemido grupo chega até a fábrica e se depara com sete cozinheiras. Esse encontro é tão aguardado por quem está lendo! A riqueza de detalhes nas ilustrações e a explicação que cada uma das cozinheiras dá, tudo é puro encantamento! Por isso, nem pensar em spoiler por aqui, não imagino tirar de vocês a surpresa que é!
O sistema criado pelas cozinheiras para cozinhar/criar livros sobre reis, princesas e castelos, poesia, rimas e lenga-lengas, aventura e desertos, bichos e bichinhos, mar e marinheiros, segredos e magia, é fantástico e dá vontade de correr para a estante e imaginar onde cada um dos nossos livros se enquadraria nesses critérios estabelecidos por elas! Com certeza vale muito imaginar novas especialidades a partir dos interesses de seu pequeno: Que tal monstros e gigantes, curumins e sacis, invenções e esquisitices? Sei lá, é hora de imaginar e criar!

Arquivo pessoal
Essa parte é tão linda que eu pensei que nada mais poderia melhorar nesse livro que cheira, sem ter cheiro, que tem mil texturas e superfícies que eu sinto só de olhar no material das ilustrações, que tem vozes que eu escuto, como as das cozinheiras me contando o sistema de produção de livros, que tem gosto de tudo o que eu amo saborear, sem ter uma imagem sequer da minha comida preferida, que me esquentou a alma e o coração na temperatura, que encheu meus olhos com tantas cores e brilhos, que iluminou tantas novas possibilidades que eu percorri com meus cinco sentidos!
Eu pensei … mas vinha mais, o final é absoluto de poesia e emoção, apresentando, quem sabe, um sexto sentido.
Portanto, qual foi a gentileza que pedi no início do artigo?
Pois, então. Pegue esse livro e plante-o. Ele vai germinar e dele irá nascer uma árvore nova de consoantes ou de vogais, para que as cozinheiras tenham novos ingredientes para os novos livros que elas precisam cozinhar para os leitores!
Já imaginou uma árvore do seu livro preferido?
Vamos aos ingredientes desse livro tão saboroso?
Qual livro? “As Cozinheiras de Livros”, escrito e ilustrado por Margarida Botelho.
No Brasil, saiu pela Editora Paulinas, em 2014.
Para que idade? Não é absolutamente delicioso compartilhar a cozinha com seu filho ou seu neto para fazer brigadeiros, bolos, cookies, seja de que idade ele for?
Esse livro tem essa habilidade de oferecer uma narrativa e uma estética lúdica e divertida para todas as idades! Aproveite!
Qual é o tema? Livros! Como são fundamentais em nossas vidas. É sobre uma investigação. É uma história de detetive, com provas, sinais e um enredo com um mistério a ser resolvido.
O que o livro tem que é um charme? Como contei no início do artigo, Margarida é o principal ingrediente dessa história. Perspicaz, ela nos envolve, aguçando todos os sentidos.
Porém, um charme extra e que precisa de destaque são as técnicas utilizadas nas ilustrações, como papel machê para efeitos tridimensionais, objetos reais na criação dos personagens e cenários, papéis amassados, folhas de livros, pinceladas de tintas – enfim, tudo junto e fotografado, transformando a narrativa cênica num livro genial!
Alguma dica extra?
Várias! Prepare o terreno antes de apresentar o livro ao seu pequeno leitor, porque, ao final dele, vai dar vontade de criar personagens, de criar árvores de letras, de criar histórias novas!
Conheça a artista e arte-educadora portuguesa Margarida Botelho e seu trabalho através do site dela, com ótimas informações.
“As Cozinheiras de Livros” faz parte da Coleção Além-Mar, da Editora Paulinas, que apresenta autores portugueses e suas obras para crianças. Vale a pena esse passeio extra!
Em que lugares o livro está disponível?
O livro saiu pela Editora Presença, em 2008
Aqui no Brasil foi publicado pela Editora Paulinas.
Pela Amazon.
10 Comentários
Cris, certamente é um livro para ser “degustado”.
A leitura é combustível inesgotável para a imaginação, nos dá as palavras para construir sonhos.
Como é importante ler! Ler novas histórias, construir novas histórias, estimular reflexões sobre as histórias.
Não consigo imaginar o sumiço dos livros e a aflição… “dos leitores da cidade, ávidos por novos livros”.
Minha sugestão é… “Pegue esse livro e plante-o. Ele vai germinar…”, com certeza!
Fiquei pensando no que Lúcia escreveu e pergunto a você, Regina, grande leitora, qual livro você plantaria? Obrigada pelo apoio e pelo carinho!
Plantaria “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector.
Macabéa, a personagem, vem para o Rio de Janeiro, onde se depara com uma realidade muito diferente de onde vivia, o sertão de Alagoas.
Amei!! Ótima escolha!
Desta vez não foi um passeio, foi uma viagem por muitos sentidos! Fico lendo e imaginando os olhinhos do Vicente brilhando de curiosidade para desvendar cada pista e as muitas ideias mágicas que vão surgir. Lembrei- me também da Helena, que já sabe ler e sua alegria com a brincadeira das letras e palavras. E eu, certamente, vou me encantar, porque já me encantei com a tua narrativa. Um grande e carinhoso Obrigada, mais uma vez!
Liara! Eu é que viajei com suas palavras cheias de afeto, apoio e amor! Esse livro é um achado, realmente, porque mistura todos os sentidos e ainda apresenta um ótimo mistério a ser desvendado!
Mais uma resenha de Cristiane Tavares de tirar o fôlego! Com palavras precisas e encantadoras, ela fez o livro saltar vivo em frente ao meu celular! Fantástico! E que história especular! Os pequenos vão ficar maravilhados! E eu plantei o meu livro favorito: Verão no Aquário, de Lygia Fagundes Telles.
Parabéns, Cristiane Tavares!
Obrigada, maesmundoafora!
Caramba, Lúcia, que maravilha ler seu comentário! Tenho certeza de que “Verão no Aquário” vai florir em breve! Adorei! Acho que plantarei “As cozinheiras”! Beijos!
Que delícia de texto e que indicação maravilhosa, Cristiane! Mostrar para os pequenos como os livros podem ser importantes na nossa vida é um papel que todos nós como pais, avós e educadores temos que ter. Depois que eles são picados pelo bichinho da leitura vão embora sozinhos nesse caminho com toda sua curiosidade natural. São tantos livros que tiveram um valor siginificativo em diferentes momentos da minha vida, mas posso destacar “Paris é uma festa” do grande Ernest Hemingway que me fez viajar pela história e por uma época glamourosa de Paris. Como meu filho passou a morar lá por um bom tempo, foi muito bom conhecer mais sobre a cidade e viver no passado lugares em que costumava estar. Posso até dizer que Hemingway e seu relato sobre Paris me deixou mais perto do meu filho naquela época. Cada vez sigo mais encantada com suas dicas!!
Paula, você me emocionou! Imagino a importância de “Paris é uma festa” para você e suas memórias com seu filho. Os livros nos confortam, abraçam e diminuem as distâncias! Muito obrigada por compartilhar a sua dica literária e “plantá-la” aqui! Um beijão!