Vem passear comigo nessa história: “A cor de Coraline”
Normalmente, histórias infantis começam e a narrativa vai levando o leitor para uma situação que pode ser um conflito, uma reflexão, um desafio, ou mesmo uma situação que irá tomar um rumo em direção ao final da história e, se ela for instigante, com certeza, macaquinhos no sótão, à la Menino Maluquinho, do querido Ziraldo, se instalarão na mente do leitor.
Eu escrevi… normalmente.
Em “A cor de Coraline” você percebe que entrou no sótão do seu coração e vários macaquinhos começam a cutucar seus pensamentos, logo na primeira página do livro. Essa é a magia do autor paulista Alexandre Rampazo, que tem a cor da pele “da cor das tintas com que pinta um desenho” e que tira de sua cartola não uma pergunta, mas “a pergunta”, feita pelos lábios de um menino chamado Pedrinho.
E é no rosto surpreso da menina de nome Coraline, e do leitor, não tenho dúvidas, que a pergunta deflagra e conduz a história. A protagonista, com segurança e leveza, com responsabilidade e afeto, levanta várias possibilidades, pertinentes e criativas para responder o questionamento de seu amigo.
Abrimos com Coraline sua caixa de lápis de 12 cores e percorremos as possíveis respostas para essa simples e corriqueira pergunta, possivelmente feita todos os dias em muitas salas de aula do mundo:
“Coraline, me empresta o lápis cor de pele?”
É assim que temas como racismo, preconceito, inclusão, identidade, pluralidade, pertencimento e muitos outros encontram espaços para serem discutidos, vivenciados ou descortinados.
Leia mais: Protagonismo negro na Literatura para Infância – Parte 2
Pais e mediadores podem e devem aproveitar a Literatura Infantil para entender o que se passa no coração da criança, como ela entende e vivencia essas questões em seu dia a dia e como elas são tratadas em casa, com amigos, na escola.
Devem criar espaços de reflexão através de narrativas com franqueza e ternura, compartilhando dúvidas, buscando todas as cores possíveis na caixa de lápis de cor de cada um.
Notas de rodapé
Pego um atalho e trago aqui para cima algumas notas de rodapé. O protagonismo negro vem ganhando espaços cada vez maiores na Literatura Infantil e isso é maravilhoso para que as crianças cresçam seguras de serem quem são. Penso em alguns exemplos importantes, os quais indico, que mudaram o rumo da prosa e desbravaram espaços que até os anos 1970, 1980 eram ocupados muito timidamente. Pinço, por exemplo, “Nó na garganta”, de Mirna Pinsky, ilustrado por Ciça Fittipaldi, de 1980, da Editora Atual; “O menino Marrom”, de Ziraldo, de 1986, da Editora Melhoramentos; “Menina bonita do laço de fita”, de Ana Maria Machado, ilustrado por Claudius, também de 1986, da Editora Ática, que apresentam meninas e meninos se posicionando e abraçando sua identidade. Lembro de “Amoras”, primeiro livro infantil do rapper Emicida, ilustrado por Aldo Fabrini, de 2018, da Companhia das Letrinhas e destaco o livro “Princesas encaracoladas”, da colunista do Mães Mundo Afora, Claudia Kalhoefer, ilustrado por Aline Scheffer, de 2020.
Coraline é uma protagonista luminosa, desenhada com lápis, que nos empresta todas as cores de sua própria caixa de lápis de cor. Seguimos com ela atrás da resposta para a pergunta de Pedrinho e nos deparamos com planetas, medos, sentimentos, mares, mundos fofos e até raivosos.
Com essa menina terna destravamos em nossa memória a infância distante, rodeada de nossas próprias cores e escolhas. Para o pequeno leitor é um momento de conectar as experiências, contar como é sua própria vivência na escola, nas brincadeiras e chegar, se for possível, à questão central e que foi pintada em tons de afeto: a cor da pele que habita cada um de nós e que é nossa identidade, que define nossa ancestralidade. E esse ponto central é apresentado lindamente por Coraline, uma criança negra.

Livro: A cor de Coraline – Arquivo pessoal
Os livros de Alexandre Rampazo sempre me impactam pelos pulos do gato que ele apresenta, tanto na narrativa quanto nas imagens, e trazem sempre projetos gráficos primorosos. “Pinóquio”, lançado pela Editora Boitatá, já tinha entrado em minha lista Top 10.
Como nosso passeio começou pelos olhos de Coraline vendo sua caixa de lápis de 12 cores, eu indicaria uma passada, quando fechar o livro, no site do autor, que apresenta seus trabalhos, os livros premiados, sua biografia e um blog ótimo, com vídeos de alguns de seus livros, entre eles, “A cor de Coraline”.
Pensando bem, quando fechar o livro e depois de se deliciar com o site do autor, tem ainda outra parada obrigatória que descobri quase nos acréscimos: Coraline foi tema, em 2020, da escola de samba mirim, criada em 2002, Pimpolhos da Grande Rio. Além de ser uma escola de samba mirim é também uma ONG e tem como objetivo promover a inclusão social e educar através da arte, da cultura e do carnaval.
Leia as palavras do autor e emocione-se como ele, assistindo a lindíssima apresentação dos Pimpolhos!
“Este samba de enredo tão poderoso que a Pimpolhos Da Grande Rio me presenteou colocando A COR DE CORALINE na Sapucaí em 2020, um presente que qualquer autor jamais imaginaria. Que presente! Queria essa sensação de alegria em todos os meus dias e pra todo mundo.”
Então, escolha um lápis colorido para anotar:
Qual livro?
“A cor de Coraline”, da Editora Rocco Pequenos Leitores
Para qual idade?
Os pequenos leitores vão adorar, porque o traço é um sonho e as cores utilizadas super familiares. O texto é do tamanho ideal para os leitores em formação e apresentado de forma lúdica.
Agora, é livro para todas as idades e o mediador poderá aprofundar conforme sentir que a criança está interagindo e confiante.
Qual é o tema?
Identidade e empatia, solidariedade e confiança, ternura e aventura, representatividade e coletividade, sobre cada um de nós e a cor que nos habita.
O livro também é sobre memória afetiva, aquela que será despertada no leitor pela pergunta que Pedrinho faz para Coraline na primeira página.
O que o livro tem que é um charme?
De cara, a cor da capa é um absurdo de linda e traz Coraline no traço a lápis. Um charme.
Tem uns detalhes para você descobrir ao longo da leitura, tem Coraline com todas as combinações de cores, e tem um super charme no final: o autor conta como nasceu a ideia de escrever Coraline e seu questionamento.
Para finalizar, a quarta capa é assinada por Ignácio de Loyola Brandão, membro da Academia Brasileira de Letras.
Em que lugares o livro está disponível?
Na página da editora você encontra várias opções (Amazon, Americanas, Travessa, Shoptime, Submarino)
Estante Virtual (usados)
7 Comentários
Uau!! Coraline já me encantou pela narrativa de Cristiane! Em dias um tanto sombrios, renasce a esperança de que as novas gerações possam viver em uma sociedade inclusiva, plural, com respeito à diversidade! Grata!
Ah, exatamente! Precisamos tanto das cores diversas que Coraline delicadamente nos apresenta! Que possamos seguir mais confiantes e com escolhas mais transformadoras! Um grande abraço!
Belíssimo artigo, Cris! Quão importante e reflexivo é!
Percebe-se que, ao enfrentar tal questão, nos deparamos com um grande desafio que decorre da necessidade de desconstruir o racismo, o preconceito, a discriminação etc, etc…
Quando o mundo entender que as “diferenças” somam, que se aprende com elas e aceitar todos que estão ao nosso redor, tudo será mais harmônico e belo.
Pena que tudo isso está longe do pensamento, do entendimento, da compreensão de muitos…
Concordo, Regina! São muitos os desafios e o caminho é longo. Mas alguns sinais andam florescendo e é por aí que devemos seguir. Oferecer Literatura Infantil de qualidade e estimular reflexões e mudanças de comportamento nos pequenos leitores. Todo carinho e obrigada pelas palavras!
Desde cedo “estimular reflexões e mudanças” nos pequenos, com certeza, começando pela família, em casa.
Muito carinho, amiga!
Mais uma resenha deliciosa – leio todas! Parabéns pela ótima dica! Que livro incrível! Que ilustração primorosa! Trabalho perfeito para levar às crianças uma boa reflexão sobre a aceitação das diferenças, se possível, uma vez por todas! Leitura excelente para se fazer com a família reunida.
Beijos!
Sim, o autor e ilustrador Alexandre Rampazo apresenta um tema seríssimo e necessário com doçura e estética! Obrigada pelo comentário, carinho e apoio sempre!