Eu mencionei para vocês no meu texto de despedida de 2019 que, no ano passado, eu tomei da decisão de só ler mulheres. Eu me inspirei no movimento do Leia Mulheres (clique aqui pra conhecer) e acabei até fundando um clube do livro depois, mas isso é outra história… A decisão foi tomada porque eu queria entrar em contato com temas e perspectivas que tivessem mais ressonância com o meu universo e o interesse cada vez mais crescente pelas questões da mulher. Sendo eu mulher e mãe de uma menina, isso não é um capricho, mas uma necessidade.
Olhar para lista de livros que li em toda a minha vida reafirmou esse desejo – 80% dela era preenchida por autores, ou seja, escritores homens. Eu sei quantas mulheres maravilhosas e capazes escreveram e escrevem, mas elas ainda são minoria nas listas dos maiores clássicos de todos os tempos, nas estantes das livrarias e bibliotecas, nas indicações de blogs, jornais e revistas, nas bibliografias das escolas e na lista pessoal da maioria dos leitores do mundo. Eu, inclusive.
Estava na hora de mudar isso. Eu embarque no meu desafio pessoal do “leia mulheres” e isso encheu meu universo de uma literatura que falou diretamente ao meu útero, para ser bem literal. Escritoras incríveis me fizeram companhia, desvendando um mundo de discursos a partir de uma perspectiva nova, temáticas profundas, olhares diversos, prosas lindas e fortes. Foi um encontro maravilhoso.
Neste mês dedicado às mulheres e sua luta, compartilho abaixo alguns títulos que me marcaram de forma irreversível.
Eu sei porque o pássaro canta na gaiola
A americana Maya Angelou foi atriz, cantora e bailarina e escreveu incansavelmente durante mais de 50 anos – muitos livros de poesia, peças de teatro, roteiros para cinema e televisão e autobiografias. “Eu sei porque o pássaro canta na gaiola” é o primeiro de seus cinco volumes autobiográficos em que ela relata a sua vida – da infância até os 16 anos. Suas memórias dolorosas falam de racismo, abuso sexual e libertação. Ao tratar da sua relação com a família e os pais que a abandonam para viver com a avó paterna no sul rural dos Estados Unidos, Maya transforma sua dor em um livro magistral, visceral, honesto e poético, libertando-se através da escrito e nos levando com ela nesse caminho duro de uma vida de privação e preconceito, em que a voz da mulher negra era silenciada. Maya demorou 40 anos, mas quebrou esse grilhão e nunca mais se calou.
A garota da Montanha
Um livro de memórias. Uma história real e incrível do poder do conhecimento e da família na formação do ser humano. O livro traz a trajetória de Tara Westover, uma americana criada nas montanhas por uma família religiosa radical que se isolou do resto da sociedade esperando literalmente o fim do mundo acontecer. Ela, e os irmãos e irmãs, foram privados de frequentar a escola e irem a médicos, além de obrigados a trabalhar no ferro-velho do pai. Tara retrata de forma muito honesta a sua infância, os seus pais e a relação, muitas vezes violenta, com seus irmãos e os efeitos que eles provocaram na sua vida e personalidade. Aos 17 anos, Tara resolveu romper com aquele ciclo. Sua busca por conhecimento a transformou e a levou a Harvard e Cambridge. O título orginal do livro é “Educated“, muito mais apropriado do que a tradução brasileira.
Chimamanda Ngozi Adichie
Eu conheci a autora nigeriana graças ao “Sejamos todos Feministas”, título fundamental para quem quer entender, de forma introdutória e muito simples, o feminismo (assista esse TED Talk da escritora que você não se arrependerá). Em 2019, li dois romances de Chimamanda. Apesar de “Hibisco Roxo” ser seu livro ficcional mais famoso, foi Meio Sol Amarelo que me conquistou. O livro recebeu o National Book Critics Circle Award e o Orange Prize de ficção em 2007. Não à toa. A partir da trajetória de duas irmãs gêmeas não-idênticas filhas da alta sociedade e da intelectualidade nigeriana, esse romance épico conta o horror da guerra de Biafra, uma tentativa mal sucedida e genocida de separar a Nigéria. Mas o panorama político é tratado apenas de relance nas falas dos personagens. São os dramas humanos, pessoais e familiares o cerne do livro. Maravilhoso e imperdível.
Também reli outro título de Adichie no ano passado – “Para Educar Crianças Feministas”. Recomendo fortemente para pais e mães e também para quem não quer ou ainda tem filhos, pois nos faz entender a nossa própria criação.
Um clássico
Não podia faltar, né? O Sol é para Todos, de Harper Lee, foi o meu escolhido. Lançado em 1960 e vencedor do Pulitzer, estava há muito na minha lista, sempre deixado para depois. A história de um advogado branco do interior rural do Alabama que na década de 30 resolveu defender um negro acusado injustamente de estupro de uma jovem branca. O romance baseado em fatos reais e com personagens inspirados em familiares da autora é narrado por Scout, a filha do advogado, uma menina de sete anos, o que o torna ainda mais sensível. O título do livro em inglês, “To Kill a Mockingbird”, é mais fiel à saga: a morte da inocência. A obra aborda a não só a questão racial, mas também de classe e de gênero. Fala de coragem, compaixão, coerência e de uma justiça que está longe de ser para todos.
Uma inglesa com pseudônimo misterioso
A minha lista de leitura de 2019 incluiu ainda o primeiro volume de Harry Potter – que apresentei para a minha filha com muito prazer e orgulho. Li a saga do bruxinho na época de seu lançamento, no fim da década de 90, e não via a hora de despertar na Alice a minha paixão que eu tive. Demorou, mas consegui. E foi a oportunidade de contar para ela que J.K. Rowling assinou seu primeiro livro assim porque tinha certeza de que um livro infanto-juvenil sobre bruxos escrito por uma mulher não conseguiria uma editora que o publicasse nem alcançaria o público. Joanne é hoje a escritora inglesa mais rica do mundo e uma das mais famosas e bem sucedidas de todos os tempos.
Li ainda muitos outros títulos, que incluem Virgína Wolf, Anaïs Nin, Carol Bensimon, Christina Dalcher, Michelle Obama, Helena Morley, Elena Ferrante, Brené Brown.
E foi honrando, aprendendo e reverenciando mulheres reais e ficcionais que eu me alimentei de inspiração no ano passado. A ponto de não querer abandonar o meu pacto com a literatura feita por mulheres
Na minha estante me aguardam ainda Angela Davis, Clarice Lispector, Clarissa Pinkola, Jane Austen, Cecília Meirelles, Isabel Allende, Simone de Beauvoir, Cora Coralina, Carolina de Jesus, Conceição Evaristo, Nelida Piñon, Lygia Fagundes Telles, Adelia Prado, Carola Saavedra, Alice Munro, Grada Kilomba… não vejo a hora de encontrá-las. Leia mulheres!
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