Ser mãe em tempo integral: uma escolha difícil
Nosso trabalho é uma das dimensões da vida que molda parte daquilo que somos. É um dos parâmetros internos e externos, valores individuais e compartilhados que nos definem. Ao mesmo tempo, nossa vida não é estática, vivemos em constante transformação e reinvenção. E esses parâmetros e valores estão sempre mudando. Neste texto, compartilho a minha história de transformações profissionais.
Sou formada em Engenharia de Alimentos e sempre me imaginei trabalhando em uma grande empresa, reuniões e escritório o dia todo. Uma imagem daquelas bem clássicas e impessoais de antigamente, sabe? Comecei a trabalhar em uma grande multinacional atuando em uma das muitas áreas relacionadas à minha formação – passava o dia não exatamente em reuniões e escritório, mas dentro de uma cozinha industrial – e gostava muito.
Entretanto, depois de dois anos de uma rotina extenuante, acabei percebendo que o balanço entre as demandas da minha vida profissional e as minhas necessidades pessoais estava absolutamente desigual. Comecei a ficar doente, ter sinais clássicos de estresse em demasia e meu rendimento profissional caiu muito. No final das contas, fui desligada da empresa, coincidentemente (ou não) na mesma semana em que tinha me convencido que pediria demissão, pois precisava cuidar de mim.
Após esse período, refleti bastante e pensei que precisava focar mais na minha qualidade de vida, na minha saúde mental e resolvi mudar o foco. Decidi mudar de direção e transformar minha paixão / hobby em carreira: me tornei professora de inglês. Não tinha formação acadêmica para ser professora, mas possuía vasto conhecimento da língua e uma grande paixão por ensinar. Então me dediquei, busquei uma certificação em língua inglesa, comecei a trabalhar como professora em uma escolas de inglês e, depois de um tempo, estava até me destacando nessa nova jornada que eu escolhera.
Já eram dois anos trabalhando nessa nova área. Então, veio a possibilidade de mudança de país através do trabalho do meu marido. E eu teria que pausar a minha carreira.
Mudança para a França
Ao me mudar para a França, apesar de o meu visto permitir que eu trabalhasse, decidi não buscar nenhum trabalho e ficar em casa cuidando do meu filho em tempo integral. Contribuíram para isso o fato de que eu não falava francês e não havia vaga em creche para ele.
No começo não foi nada fácil, me vi totalmente “sem valor”: sempre me valorizei pela capacidade de produzir algo, ganhar meu próprio dinheiro e, de repente, estava “só” em casa, dependendo do meu marido financeiramente e fazendo nada mais do que o esperado de mim – sendo mãe.
Cruel, não é mesmo? Sim, eu era dura nesse nível comigo: se não estava trabalhando fora, integrada ao mercado de trabalho, não tinha valor. Esse pensamento logo se tornou insustentável e entrei em crise. Sabia que era irreal e até ingrato: tínhamos uma grande oportunidade, estávamos bem e felizes e eu estava caçando problemas dentro da minha cabeça.
Mas, infelizmente, mudar esse raciocínio não era fácil, já que além dessa pressão enorme que eu colocava sobre mim, existe uma pressão externa “invisível” sobre aqueles que abdicam de uma carreira profissional. A pressão externa visível, felizmente eu não tive: ninguém além de mim mesma me pressionava para trabalhar, e o dinheiro, bom, no nosso caso era só fazer a gestão, não um problema.
Mas a pressão que eu chamo de “invisível” é a mais cruel de todas e muitas vezes ela se apresenta travestida de uma preocupação genuína com você… Perguntas simples e inofensivas podem vir carregadas de julgamentos e servirem de gatilho para quem tomou essa decisão: “Nossa, mas você não faz nada?”; “E o que você faz para você?”; “E a sua independência? Como fica?”; “Ficar em casa é fácil, quero ver…”; “Impossível se dizer feminista e não ter sua própria renda”…
Essas perguntas e afirmações podem ser bem nocivas dependendo do contexto e forma como aparecem e são mais uma faceta daquela cobrança injusta e irreal que existe na maternidade, quando dizem que você pode e deve ter tudo, alcançar sucesso em todas as esferas da sua vida. Aliás, essa última frase não machuca, exatamente: ela ME IRRITA – eu poderia escrever um texto inteiro como resposta para ela.
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Travei uma batalha interna árdua para relembrar dos anos de terapia que fiz e ressignificar tudo dentro de mim.
Precisei olhar com mais acolhimento, mais calma e compaixão para mim e para minha volta. Precisei de calma e clareza para olhar a realidade e racionalizar como uma equação matemática: não, não é possível ter tudo ao mesmo tempo, 100% em todas as áreas da sua vida ao mesmo instante!
Constantemente em nossas tomadas de decisão fazemos um balanço entre os fatores e com a maternidade e a profissão não seria diferente: se dedico minha energia quase integralmente para uma, a outra não terá a totalidade. Vale a ressalva de que essa é a forma como eu, pessoalmente, lido. Há excelentes mães com carreiras sólidas dividindo o seu tempo e isso não é mais ou menos digno de admiração.
Precisei também começar a dar valor a tudo que fazia e ainda faço. Eu não apenas “ficava em casa”: eu estou criando e educando meu filho, cuidando dos diversos aspectos da nossa casa e da nossa família, sou o esteio/ponto de apoio do nosso núcleo aqui na França, e convenhamos que cuidar de uma casa é um trabalho imenso, não paramos nunca! Não há horários, férias, finais de semana… Mães e pais em tempo integral são os verdadeiros 24/7/365. É simplesmente incorreto dizer que não trabalho. Trabalho – e muito! Apenas não trago dinheiro para dentro de casa.
Abraçando minha escolha
Ao buscar tudo isso dentro de mim e mudar meu ponto de vista sobre vários pontos, eu encontrei a minha paz interior e fiquei tranquila com minha escolha. Finalmente fiquei tranquila em deixar uma possível carreira profissional para depois. E ainda estabeleci limites: se vier a atrapalhar meu equilíbrio novamente ou interferir no meu foco – que é o bem-estar da minha família – abrirei mão totalmente desse aspecto da minha vida sem nenhuma culpa.
Mas sei que nem sempre é possível atingir essa paz com nossa decisão. Às vezes precisamos continuar seguindo rumos que não nos servem, ou então que nos incomodam. Para esses momentos, creio que precisamos tentar focar no aspecto positivo e na efemeridade de tudo na nossa vida: nada é uma constante absoluta, tudo é passageiro e irá mudar. Ter em mente que a situação não será necessariamente a que você vive atualmente daqui a um, cinco ou 10 anos pode ajudar bastante.
Manter a calma e um diálogo aberto, claro e honesto consigo mesmo e com aqueles que nos rodeiam é o essencial para encontrarmos o equilíbrio em qualquer situação. Valorizemos mais os muitos aspectos inerentes à nossa vida pessoal, nossas relações interpessoais e nossa saúde física e mental – e menos o mercado, o capital e o acúmulo de renda. Lembre-se que trabalhar fora de casa é só mais um trabalho: sua carreira – ou a ausência dela – não deve definir integralmente quem você é.