No texto anterior apresentei o conceito do ciclo de vida das famílias descrito por Carter e McGoldrick. e algumas premissas para o seu entendimento. A partir desses ciclos, quero focar nos desafios que cada fase apresenta quando falamos de famílias expatriadas.
A migração não é um evento natural no ciclo de vida das famílias, mas tem se tornado bastante comum e aqui no Mães Mundo Afora é tema central. Apesar da família incluir pelo menos três gerações (na foto de destaque eu trouxe quatro!), quando uma família deixa seu país de origem a convivência muda. No geral, mudam-se somente os pais com os filhos, o que tende a fortalecer os vínculos entre essas duas gerações, pois até que todos se adaptem à nova cidade/país, o núcleo familiar será o seu principal suporte.
A família migrante, além de estar distante da sua família extensa e do seu lugar de origem (responsáveis pela transmissão de valores, hábitos e costumes), recebe uma forte influência de outra(s) cultura(s) localmente. Assim sendo, esse conjunto de fatores vai impactar os rituais que serão passados para as gerações seguintes.
Como a migração impacta o desenvolvimento das famílias mundo afora?
A primeira etapa é a do jovem adulto. Espera-se que o jovem adulto estabeleça relacionamentos afetivos, entre no mundo do trabalho e conquiste sua independência financeira. Em algumas culturas essa fase é bem marcada. Nos EUA, por exemplo, os jovens adultos costumam frequentar a faculdade em outra cidade, saem de casa, muitos trabalham e são bem independentes das suas famílias.
A fase seguinte, a do casal recém-casado, é a de negociações por conta da união de duas famílias. O novo casal define as regras de funcionamento dessa nova família a partir das suas experiências e expectativas, negocia a entrada do cônjuge na sua família de origem e no seu círculo de amigos. Além desses desafios como casal, muitas vezes ambos trabalham e ainda estão em busca de consolidar uma carreira profissional.
As negociações provavelmente são ainda mais “intensas” entre casais interculturais. Cada um dos cônjuges traz na bagagem os valores da sua própria família e da sua cultura de origem. Se iniciarem a vida a dois em um país que seja novo para ambos, ou seja, ambos deixaram para trás suas famílias, amigos e vínculos de trabalho, os dois terão que se readaptar. Agora, se uma das partes está “em casa”, o outro precisa construir todos os novos vínculos. Os impactos podem ser bem diferentes, não é mesmo?
Famílias com os filhos em casa
A fase família com filhos pequenos é inaugurada com a chegada do primeiro filho. O principal desafio é formar um casal parental sem esquecer do casal conjugal. Em outras palavras, manter a intimidade a dois e ao mesmo tempo abrir espaço para as crianças.
O casal precisa se organizar para administrar a educação das crianças, além das tarefas financeiras e domésticas. No passado o pai era o provedor e a mãe era responsável pelos cuidados com a casa e a educação dos filhos. Hoje, felizmente, existe uma tendência a uma melhor divisão das tarefas. Vale acrescentar que famílias que moram fora do Brasil, geralmente não podem contar com a ajuda diária de empregados domésticos.
Rede de apoio
A falta da rede de apoio é o principal desafio da família migrante! Rede de apoio pressupõe apoio em todos os sentidos. É ter ajuda de empregados domésticos, é ter a família por perto para uma palavra, um abraço confortante para dividir alegrias ou acalmar ansiedades. É também ter estrutura, como por exemplo, uma creche para a mãe poder trabalhar. Em alguns países não há ampla oferta de creches, especialmente públicas. Há situações em que o alto valor das mensalidades simplesmente torna inviável matricular os filhos antes da idade escolar.
Cada família lida com essas questões do seu jeito. Alguns buscam apoio em grupos de pessoas da mesma nacionalidades, com outros migrantes, com mães da vizinhança. Pode ser um grupo virtual ou real. Sem dúvida, ter com que contar é fundamental!
Os avós
Ao mesmo tempo em que os membros do casal se tornam pais, seus pais se tornam avós. Nessa função, podem curtir seus netos sem as preocupações e responsabilidades dos pais. Mas com a migração vem a distância, e essa pode trazer grande impacto na convivência.
É bastante comum que nessa fase as mulheres coloquem na balança a carreira e a maternidade. Independente da situação socioeconômica da família, a decisão por voltar ou não ao trabalho depois da licença, é sempre muito difícil. Leia mais sobre isso aqui.
Transmissão da língua e tradições
E ainda tem mais? Sim, pelo menos outras duas questões:
- Qual idioma (ou idiomas) falar em casa? A família deseja que as crianças falem português? E quando somente um dos pais fala determinada língua?
- Quais as tradições que serão transmitidas para a geração dos filhos?
Este texto traz atividades para reforçar o português em casa, e na plataforma você encontrará muitos outros.
Já na fase da família com filhos adolescentes, os pais precisam dar cada vez mais autonomia a eles. A família deve se adaptar aos questionamentos dos filhos que estão em uma fase de mudança, escolhas e definições. Neste texto contei a minha experiência de ser mãe de adolescente em outro país.
Ninho vazio
O ninho vazio é o momento em que os pais lançam seus filhos no mundo. Suas funções mudam para permitir que os filhos assumam suas responsabilidades e façam suas próprias escolhas. Os pais podem continuar por perto para apoiá-los e orientá-los, mas as relações estão reacomodadas. Para as mulheres, pode ser uma oportunidade para voltar (ou começar) a trabalhar fora.
Já a etapa família mais velha marca a renovação do ciclo de vida. Ao mesmo tempo em que traz mudanças dolorosas, como a perda de autonomia e a partida de pessoas queridas, os avós se sentem revigorados com a vitalidade dos filhos e netos. Eles estão por perto (mesmo quando estão longe), vibrando com cada conquista e esperando pelo próximo encontro. Claro que isso varia de família para família e depende muito dos acordos feitos na formação do casal.
O migrante olha de longe
É uma situação bem delicada acompanhar nossos pais de longe. Eu sempre digo: “cada escolha, muitas renúncias!”. A responsabilidade pelos cuidados com a geração mais velha fica com os filhos que estão por perto. Por sua vez, eles podem se sentir sobrecarregados ou e até abandonados pelo irmão que “escolheu o glamour” de morar fora do Brasil.
Enquanto isso, no outro lado do mapa, o membro que mora longe, talvez não viva uma vida tão glamorosa assim. Pode ser que sinta um tremendo desconforto perante essa situação. A maior parte dos migrantes realmente sente a falta da família que ficou no Brasil. Sofre por isso.
Desafio não é sinônimo de problema
Bem, descrevi as fases do ciclo de vida e os inúmeros desafios que devem ser superados para que as famílias avancem para as fases seguintes. Entretanto é preciso deixar bem claro que desafio não é sinônimo de problema.
Vocês se lembram da metáfora do videogame? Nós temos que enfrentar as novas fases, mesmo as mais difíceis. Vale para o jogo e para a vida. Praticando, vamos desenvolvendo habilidades, e assim, avançamos. E esse processo acontece com todas as famílias. A migração é mais um fator no jogo.
Agora eu quero ouvir de você. Em qual fase do ciclo de vida da família você está? Quais são os principais desafios que você como migrante enfrenta em cada fase? Conte com o Mães Mundo Afora e vamos reforçar a nossa rede de apoio virtual.
6 Comentários
Meus parabéns Carla, muito bom, cada vez melhor, daqui a pouco teremos uma escritora na família , parabéns e boa sorte , bjs 🙏❤️
Pois é tio! Estou cada vez mais a vontade nesse papel de escritora! um beijo tio!
Amei o texto Carla onde colocas de forma magnifica as situações vividas e a importância do equilíbrio e reais sentimentos , dentro do grupo familiar migrante .Parabens pelas colocações e embasamentos profissionais ! Muito orgulho e alegria de te sentir atuante ! Adorei a foto das 4 gerações ! 🙏🥰🌿🕊🌻
Também amo aquela foto. os pais e avos mesmo longe estão sempre torcendo e vibrando pelas nossas alegrias.
Oi Carla, ótimo texto. Para mim viver longe da família é difícil e dolorido.
Quando a gente faz as malas para mudar de país, pode acontecer de a “aventura” durar mais do que o esperado. E se o novo país pode trazer coisas boas, também traz muita saudade e a dor da distância.
O tempo passa e percebemos que não podemos acompanhar o envelhecimento dos nossos familiares. Não podemos ajudá-los quando adoecem e quando precisam da gente. E quando precisamos deles infelizmente também estão longe. Claro, existe whatsapp e a internet hoje facilita bastante a comunicação. Mas não é a mesma coisa.
A mesma dor vale para as amizades de infância que nos acompanharam até a despedida do Brasil. Embora seja possível fazer novas amizades, as amizades de infância são sempre especiais. E é difícil estar a tantos quilômetros de distância, com um outro fuso horário e ritmo de vida.
Quero que minhas filhas tenham asas para voar, mas gostaria de envelhecer perto delas. Espero que seja possível. 😉
Aos poucos vou ler todos os seus artigos.
Saudações da Toscana para você,
Barbara
é isso mesmo Barbara!
A cada escolha, varias renuncias! Temos que lidar o tempo todo com as dores de estar longe e a delicia das descobertas.
As amizades verdadeira resistem ao tempo e a distancia. Tem sido o meu mantra! mas faz muita falta encontrar uma amiga com que temos uma ligação mais longa!
saudações venetas!