2019 está batendo a porta sem olhar para trás e eu me peguei questionando o que foi esse ano para mim e o que eu levo dele. Ou melhor, quem eu fui nos últimos 12 meses. A gente se guia pelo calendário gregoriano, com seus ritos e seus ciclos. Somos homens inseridos numa cultura. E, para além dela, tem a natureza aqui fora da minha janela que me diz quando é tempo de varrer o pólen para semear a terra e quando é tempo de deixar ir as folhas e guardar energia para quando houver pouca luz ao redor.
Não há dúvidas de que foi um ano duro. O mundo como todo, o Brasil em particular, vive um tempo de movimentos tristes e sombrios, que parecem contraditórios com a necessidade do planeta e do ser humano como sociedade. No início de 2019, eu só enxergava retrocesso ao meu redor. Mas olhar para dentro me fez abrir os olhos da alma para ir além da aparência e reconhecer avanços – em mim e no mundo.
Eu e minha família nos mudamos para a Holanda há 2,5 anos. Nesse período, passei por muitas fases. E me dei o direito de desacelerar, descansar, ficar triste, não ter planos, sair das caixinhas que me definiam, fazer o que desse vontade – o que incluiu muitas vezes não fazer nada. E me permiti ter novas experiências e me colocar em contato com novos saberes, novas perspectivas e olhares para a vida, para o outro, para o nosso planeta e para mim mesma.
E nesse esforço de buscar dentro de mim a esperança que eu queria ter no mundo, num dia de muita descrença e desânimo, eu sentei e fiz uma lista. Nunca consegui manter um diário, mas ganhei de aniversário um caderno lindo, desses de capa de couro e papel rústico amarelado, que eu decidi abrir e inaugurar com um plano para comemorar uma década de vida da minha filha – 10 anos que nasceu a Carolina-mãe disparando esse movimento que nunca mais cessou: a maternidade. Ao plano, seguiu-se a lista que me assegurava que não fora um ano perdido.
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Era uma lista de conquistas pessoais. Sim, naturalmente estavam lá algumas metas que eu havia definido e alcançado. O holandês, por exemplo, que eu tirei do 0 e hoje consigo ler, escrever, entender bastante do que falam comigo e falar num nível que já passa do básico. E estavam lá também as ausências. Como a careira de motorista, adiada mais uma vez. Mas o que preenchia de verdade a minha lista eram as pequenas conquistas do dia-a-dia. Essas, que se perdem na memória, porque a memória insiste em marcar os fracassos e sofrimentos e supervalorizar aquela meia dúzia de coisas realmente extraordinárias que você fez. Sim, as coisas extraordinárias têm muito valor. Mas quando reduzimos nossa existência a elas, podemos criar em nós uma sensação de que não somos suficientes, não fazemos o suficiente, não conquistamos o suficiente, não vivemos uma vida inteira e plena, com significado e todas essas coisas que pregam os gurus da produtividade por aí.
Mas a minha lista estava lá, crescendo diante dos meus olhos. Minha mão produzindo sem parar uma cadência de vivências e lembranças que me traziam sorriso aos lábios, lágrimas aos olhos e alimentavam minha alma e coração de certeza: o importante da vida é a vida que a gente leva.
Eu meditei e fiz ioga pela primeira vez. Levei a minha filha ao seu primeiro show. Fiz uma torta de limão de aniversário pro meu marido e uma festa de sereia para a Alice. Passei quase que uma aula de hip hop inteira perdida nos passos e rindo de mim mesma. Fui ao Brasil e tive momentos maravilhosos com a minha família e amigos queridos, com direito a cerveja em pé na praça, samba, churrasco, estadia em hotel de frente pra praia, jogos de tabuleiro até de madrugada, Alice feliz com os seus amigos da primeira infância. Fiz passeio de barco que virou festa pelos canais holandeses com novos e queridos amigos.
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Recebi visitas que não se importaram em dormir no colchão inflável na sala e com quem ri e chorei. Tive saudades e matei muitas. Viajei com as minhas tias e prima. Viajei com a minha irmã e cunhado. Viajei só com as amigas. Fui ao cinema ver filme brasileiro e holandês. Bebi muita cerveja, vinho, caipirinha, gin e tônica, experimentei kombucha e conheci o verdadeiro champagne bebido na fonte.
Traduzi textos médicos. Hospedei cachorros. Ouvi muito podcast e apresentei para muitos esse presente em forma de áudio. Ajudei pessoas em tratamento para reencontrar os seus sorrisos há anos perdidos pela paralisia facial. Apresentei Michael Jackson para a Alice e adicionei mais uma fã ao clube. Participei de um seminário na Erasmus University para discutir o papel da mulher nas organizações e a disparidade de gênero no mundo atual.
Voltei a lugares que adoro. E conheci muitos outros – Maastricht, a tríplice fronteira Bélgica-Holanda-Alemanha, Luxemburgo, Dinant, Rems e a região de Champagne… Nos perdemos em labirinto embaixo de chuva. Experimentei novas comidas. Tive aula de culinária para inovar e tentar transformar a rotina chata de cozinhar todos os dias em algo prazeroso e saudável. Dei aulas de português para holandeses. Patinei no gelo mais de uma vez. Dancei. Sambei. Cantei. Pintei meu cabelo sozinha. Adorei uma árvore de Natal natural!
Reciclei tudo que podia. Tornei-me mais consciente da necessidade de fazer o máximo para diminuir o impacto negativo do ser humano sobre o planeta e estou muito mais ambientalmente alerta. Estabeleci 1 dia sem carne aqui em casa. Reduzi o consumo de produtos e a produção de lixo.
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Eu me questionei semanalmente que tipo de mãe eu sou e que tipo de valores eu estou passando para a minha filha. E recomecei tudo de novo e de novo, na maternidade e no casamento. Tive saúde e a minha família também.
Escrevi pouco mas li muito. Só li mulheres. Li mais de 1 livro por mês. Descobri autoras magníficas. Aprendi tanto sobre tanta coisa… Criei um Clube do Livro e essa plataforma maravilhosa que é o Mães Mundo Afora, que empodera, forma uma rede de apoio e propósito e informa brasileiras nos quatro cantos desse planeta!!!
Nada disso me dá contracheque. Nada disso precisou do meu diploma de jornalista. Nada disso vai entrar no Guiness nem vai mudar o curso da história da humanidade. Nada disso me define. Mas tudo isso me expande. E me faz ter a certeza de que eu vivi uma vida plena em 2019.
Venha 2020, que meu caderno tem muitas folhas para serem preenchidas com as pequenas maravilhas do dia a dia! Para que eu nunca esqueça. E sempre agradeça.
4 Comentários
Otimo texto, deveriamos todas fazer uma lista como essa e agradecer mais que nos lamentarmos.
Que texto lindo e inspirador, Carol! Pareci que eu estava ouvindo você falar… Adorei a ideia da lista, vou fazer. E parabéns pelas práticas sustentáveis 😉
Que bom que você gostou. imagino a Lista linda que vai fazer <3
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