Maternidade e a perda de identidade
Sempre sonhei em ser mãe mas nada me preparou para maternidade. Acho que nenhuma pessoa esta preparada para as mudanças que um filho traz na vida.
E de uma forma, somos educadas (bem, eu fui) para que a partir do momento em que nasce um filho a mãe fica em segundo plano, que não importa as nossas dores, contanto que nossos filhos estejam bem. Minha mãe é um exemplo dessa educação. Quando descobrimos seu câncer com 49 anos de idade, ela disse: “Rezei tanto para que nada nunca acontecesse com vocês, antes em mim do que em filho meu”.
E em todo processo de seu tratamento ela repetiu isso muitas vezes.
Mães não podem reclamar, têm que ser gratas à vida de nossos filhos e sua saúde. Minha vó dizia. E assim cresci. Minha irmã teve seus três filhos e senti um pouco da maternidade real, porém para ela nunca pareceu difícil. Ela sempre nos dizia que nasceu para ser mãe e se pudesse teria mais três. Ela me passou tudo sendo perfeito. A gravidez, amamentar, a educação, ou pelo menos assim eu vi.
Minha mãe sempre cuidou de nós em casa, e o máximo de trabalho fora de casa que ela teve foi ajudar meu pai na empresa dele. Ela ajudava demais, e cuidava muito dos funcionários. Minha irmã é professora e tem a profissão mais maravilhosa quando se tem filho pela flexibilidade, férias escolares remuneradas, etc.
Até que chegou minha vez. Eu trabalhava em tempo integral e fazia um doutorado quando engravidei. Durante a gravidez, eu diminuí minha carga horária para três dias na semana e tive que largar meu doutorado. Já comecei a sentir os efeitos da maternidade antes mesmo da minha filha nascer.
Gravidez para mim, nas duas vezes, foi um meio para um fim. Nunca amei estar grávida, nem odiei. Eram inegáveis as mudanças que meu corpo e eu estávamos passando. O parto da minha filha foi a coisa mais incrível que eu, como mulher, já fiz. Foi um parto natural, nunca me senti tão poderosa e tão mulher. Chegamos em casa e o grande desafio começou.
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Claro que quando nossos filhos são recém-nascidos, mergulhamos em seus cuidados e universos, esquecendo completamente de nós mesmas. Não que seja certo, mas honestamente, não dá tempo. E de uma certa forma, eu sabia que seria assim. Porém, o tempo foi passando e entramos no automático: trabalho, casa, marido, filhos.
Voltei para o trabalho quando minha filha tinha seis meses, e em alguns meses nossa nova rotina estava estabelecida. Trabalhava três vezes por semana e ficava com ela duas, curtindo sua infância.
E por mais que minha vida tenha voltado ao “normal”, depois que temos filho eles se tornam o centro do nosso universo. As prioridades mudam, e tudo gira em torno deles. Escrevi sobre educar filhos sem família perto aqui.
A vida muda tanto quando temos filhos, que os assuntos também voltam para eles. As amizades mudam também. Primeiro ano de vida da criança e nosso dia a dia gira em torno das sonecas e dormir.
Acho que, por estarmos tão exaustos e ainda tentando nos recuperar das noites sem dormir dos primeiros meses, o sono vira uma obsessão. Com minha filha foi assim, já com o segundo muda um pouco, ele meio que se adequa à rotina já estabelecida pela família.
Amigos que têm filho entendem um pouco, os que não têm, nem sempre. E aí acabamos nos afastando e quando nos encontramos com amigos que têm filhos, os papos giram em torno das crianças.
A vida com filho é uma bagunça. Um caos que por vezes é maravilhoso, por vezes tão estressante que a vontade é sair correndo da própria vida. E manter crianças vivas e saudáveis exige tanto de nós, que toma conta da nossa cabeça de uma forma que ficamos de lado.
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Toda mãe que converso comenta que sente a mesma coisa. A perda da identidade.
Sim, o ser humano é uma metamorfose ambulante, e com as mudanças que a vida nos traz, mudamos também. Até aí, ok. A mudança que a maternidade traz é imensa. Algo que eu jamais imaginei.
Já estava inserida no universo infantil, trabalhando, estudando quando engravidei de novo. E como meu filho nasceu prematuro com algumas complicações, resolvi parar de trabalhar. Então abri dois negócios que me dão a flexibilidade que preciso.
Com a segunda gravidez mergulhei mais ainda na rotina dos meus filhos e mais e mais distante de mim. Muito se diz sobre saúde mental das mães, mas a verdade é que não temos tempo. Tempo de ter um tempo para você? Que horas? Moramos fora, não temos ajuda e com dois filhos pequenos, não sobra nem ar.
Claro que sei que as coisas vão melhorar, que eles vão crescer, mas no momento é assim que sinto. E o que sinto é que eu me perdi no papel de mãe. Entre a gravidez da minha primeira filha e hoje, ficou a Aline e eu não sei bem quem ela é mais.
Tanta coisa que penso em fazer e se perde. Quero começar a praticar a meditação há anos. Mas que horas que tenho sem interrupção? Quando eles dormem ou antes de acordar. Mas essas são as horas que tenho para todo o resto que não dá para fazer com eles acordados, como trabalhar.
Perder a identidade é um assunto muito recorrente entre mães, e talvez respeitar nosso momento e ser gentil conosco seja uma boa estratégia. E eu continuo aqui, entre mil reflexões, entre choros e risadas, clientes e reuniões tentando entender quem sou eu.
E você, se sente perdida entre as muitas funções que desempenhamos na vida?
3 Comentários
Eu senti a dor dessa perda de identidade muito forte nos primeiros dois anos do meu primogênito. Mas depois passou. Não sei se me conformei, ou se mudei a perspectiva. Me encontrei sendo mãe, trouxe todo um universo maravilhoso que antes eu desconhecia. Me permitiu um crescimento emocional enorme. Me trouxe projetos novos que eu amo. Claro que tem a falta de tempo, de sono, mas eu já não sinto mais a falta de identidade. Me identifico com a minha vida atual, vivo mais o momento, e quando os filhos crescerem e forem precisando menos de mim, pretendo buscar outra identidade. Talvez eu sinta novamente essa perda temporária de identidade qd o ninho ficar vazio, mas hj em dia tenho mais esperanças de q vou conseguir novamente me reinventar. 🙂
Excelente texto. Obrigada pela reflexão. Tento resgatar a minha identidade antes dos filhos, mas vejo que me transformei. Toda a experiência que sigo tendo, me faz entender que nunca mais serei a mesma. Apenas gostaria de ter mais tempo para mim. muitas coisas já estou fazendo por mim…
[…] Hoje sei que muito da minha dificuldade em me sentir pertencente na Itália se misturou totalmente com a crise de identidade que passamos ao nos tornarmos mães. Sobre isso tenho um post no meu instagram e também tem um texto interessante da colunista Aline Arruda aqui na plataforma. […]