Copa do mundo e a construção de lembranças.
Eu confesso que não estava nem um pouco animada com a copa do mundo. Não sabia quando começava e respondia com surpresa quando os amigos brasileiros diziam empolgados: “vocês estarão aqui quando a copa começar”, já que passaríamos um mês no Brasil e isso incluía a primeira semana de copa.
Não sinto que na França a copa do mundo seja tão “vivida” como no Brasil. Mas é preciso saber que estou há apenas dois anos no país e quase não assistimos TV.
Segundo meu marido, que é francês, na França a copa não é esse fenômeno como no Brasil. As empresas não param ou dispensam funcionários em dias de jogos da seleção francesa. Apenas em 98 o país se movimentou mais com o evento, já que o sediou, com bandeirinhas e parte da empolgação que vemos no Brasil de quatro em quatro anos. A família dele nunca se reuniu para assistir a um jogo.
Quando mais jovem, um ou outro era visto no bar com amigos, porém sem um fiel acompanhamento do campeonato. Então essa não é uma tradição que faz parte da vida dele. Outro ponto é que este período é o fim do ano escolar para as crianças. Então acho complicado para os pais tirarem o foco dos estudos nessa época.
Voltando para o minha posição, o momento no Brasil não é dos melhores. Economia ruim e política pior ainda, na minha opinião. Não concordo com o grupo político que está no poder, com as reformas e projetos que estão em pauta. Aliás, questões como a falta de liberdade das mulheres sobre o próprio corpo (leia-se proibição ao aborto), a questão de como a corrupção é tratada e julgada, a desigualdade e a intolerância de muitos brasileiros com as ajudas sociais, são alguns dos motivos que me fazem querer continuar na França para que minha filha cresça numa sociedade que considero mais justa e segura (ainda mais quando se é mulher).
É difícil torcer por um país quando se está tão contrariada com ele. Mas, às vezes, é preciso pensar no outro lado. A copa do mundo sempre foi um motivo para reunião e alegria na minha infância.
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Me lembro de assistir no vizinho de cima as defesas de Tafarael, com o famoso “vai que é tua, Tafarel” e gritos da minha mãe. E a final de 98 já no interior, na casa da tia, com todos os primos reunidos de cabelo pintado de verde e amarelo e camisas da seleção. O churrasco lá fora, música sertaneja nos intervalos e “amarração” em cima da tv para dar sorte, o que, como todos sabemos, não funcionou. Mas demos boas risadas antes da frustração de termos perdido.
Em 2002, o penta foi visto na casa de outra tia, também com os primos, o churrasco, a música. E, claro, a carreata pela cidade após o resultado. Carros e mais carros com bandeirinhas nos vidros buzinando e comemorando. Que criança não amaria isso?
Por que não, então, levar um pouco destes momentos para a minha filha? Ela não entende de política e economia, sou eu que tenho que pensar nessa parte para ela por enquanto. Mas festa e alegria ela sente e isso é importante.
Tenho pensado muito em como colocar o Brasil presente na vida dela. Quero que ela se sinta brasileira, mesmo se crescer longe do nosso país, e não apenas francesa. Lendo os textos sobre Português Língua de Herança aqui do BPM kids, tenho percebido como o trabalho de fazê-los falar e gostar da nossa língua é importante e não tão natural como imaginava. Por isso, passei a ver este momento como mais uma oportunidade, uma chance de construir memórias do Brasil, como as que eu tenho da minha infância e consequentemente o amor pela língua e cultura.
Aos 45 minutos do segundo tempo, na manhã do domingo da estreia do Brasil na copa do mundo 2018, passamos numa loja e compramos uma camisetinha simples para minha filha, a bandeira verde e amarela que minha mãe costurou há mais de 20 anos foi para a janela. Ela só ficou 10 minutos do jogo acordada, mas a camiseta do Brasil passou o dia com ela. As fotos mostrarão no futuro a sua primeira copa, iniciada no Brasil. E, claro, a trouxemos no retorno à Europa.
Os próximos jogos serão vistos aqui na França. Serão dias de vestir a camisetinha com o nome do Brasil. Talvez daqui um tempo seja um período de se reunir entre brasileiros, com animação e muito verde e amarelo nas roupas, rostos e cabelos, e essa seja uma parte de suas lembranças positivas da infância, assim como são da minha.
3 Comentários
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[…] Essa também uma ótima oportunidade de passar nossa cultura aos pequenos, como disse aqui a […]
[…] da competição e não tive como deixar o sentimento de festa tomar conta de mim. Contei nesse texto aqui o porquê decidi apresentar a Copa para minha filha, na ideia de trazer lembranças da minha […]