Como falar sobre a morte com as crianças?
Era um dia feliz para todos nós. Estávamos no avião, indo para o Brasil, quando recebi a notícia do falecimento do meu pai. A notícia veio sem querer, pelo grupo de Whatsapp. Na hora, eu gritei sem perceber e o choro surgiu repentino. Eu não conseguia parar, eu não conseguia me controlar, ali, naquela poltrona apertada, entre meus filhos.
Como explicar que o avô havia falecido? Ali, naquele lugar estático, onde não poderíamos fazer nada. Então, eu guardei para mim. Chegamos ao Brasil e mudança de planos: do aeroporto direto para o velório. E, naquele momento, eu tive que pensar rápido. Decidi que não levaria os meus filhos ao velório do avô. Deixei-os com os tios do meu marido.
Voltei para casa, juntei minhas forças e era hora de chamar as crianças para conversar…
Como explicar a morte para as crianças?
Não sei se existe uma forma correta ou menos dolorosa para este assunto, quando de fato um ente querido morreu. Então, decidi ser direta e contei detalhadamente o que tinha acontecido.
Quando finalmente juntei o resto de forças que eu tinha, eu expliquei o que tinha acontecido e como havia acontecido. Sem mentiras, uma conversa franca.
No primeiro momento, eles pareceram ficar bem. Conversamos, dividimos histórias e lembranças do vovô. E como estávamos recém-chegados no Brasil, apesar da tristeza, o clima também era de festa. As crianças ficaram bem, choraram um pouco, mas entenderam que isso pode acontecer. Expliquei que é um ciclo natural da vida e que, agora, o vovô estava finalmente descansando, após ter estado doente por meses.
Como lidar com a culpa neste caso?
Passado alguns dias, minha filha estava chorando de saudades do avô. Um avô que, segundo ela, ela não pôde conhecer direito, pelo fato de levarmos essa vida louca e distante de todos que amamos. Naquele momento, a culpa surgiu como uma flechada em meu coração.
Quando decidimos morar fora, a gente planeja quase tudo. Buscamos as melhores condições, os melhores lugares para trabalhar, melhores bairros, melhores escolas…Buscamos fazer novos amigos, buscamos amiguinhos para nossos filhos… Mas parece que, por um momento, a gente esquece que a morte existe e que ela pode chegar rápida e sorrateira, nos deixando sem tempo de despedidas.
E este assunto é tão triste, que me causa arrepios! Mas é, de fato, algo que infelizmente não estamos imunes. E como lidar com a culpa neste caso? Eu me senti por muito tempo muito culpada. Culpa por ter privado meus filhos de conhecerem o avô melhor e por privá-los do contato diário com a família que ficou no Brasil.
A culpa bateu tão forte que a minha vontade era de voltar correndo… e aí eu entendi que a culpa também faz parte do processo de luto.
Estou agindo certo?
Do momento da notícia do falecimento até a chegada do velório, uma infinidade de dúvidas pairaram em minha cabeça. Será que levo as crianças? Será que não levo? Conto, não conto? Afinal, era um momento de alegria e um momento muito esperado, as nossas férias para o Brasil!!!
Mas estávamos ali no avião, nós 4, sem privacidade alguma para poder chorar, gritar, e sentirmos a dor da perda com toda a sua força. Ali, eu tinha que somente me conter e pensar qual seria a minha decisão, a melhor decisão.
E eis que a minha decisão em relação às crianças foi de não levá-los ao velório do avô, para que eles tivessem, em suas memórias, a eterna imagem de um avô brincalhão e sorridente. Mas, ao mesmo tempo, mantive uma conversa franca sobre o que é morte. Achei que era importante eles vivenciarem esse processo por completo e não somente dizer que o vovô tinha feito uma viagem.
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E isso deu lugar a várias dúvidas na cabecinha deles e na minha também.
E para a minha surpresa, semana passada, meu filho de 7 anos quis conversar sobre isso novamente. E nossa conversa foi mais ou menos assim:
– O vovô está no céu agora?
– Quem sabe? Pode ser que ele esteja no céu olhando por nós. Pode ser que ele esteja no hospital espiritual tentando aceitar sua morte. Ou pode ser que ele esteja apenas dormindo… Não sabemos, porque a morte é um mistério que eu não quero desvendar tão cedo!
– Nem eu!
– Eu também não!
– O vovô sempre vai estar no meu coração, mesmo eu não tendo conhecido ele direito.
– No meu também!
E sorrimos!!!
E, pela primeira vez, eu percebi a maturidade surgindo nos meus filhos. E também a primeira cicatriz em suas vidas. E fui capaz de compreender a pureza com que as crianças são capazes de lidar com o sofrimento e com a morte. Eles falam com tanta naturalidade, e com um brilho tão especial nos olhos que até esqueço a dor e o sofrimento, e fico apenas com a saudade.
Sabe aquela sombra em nosso olhar ou aquela tristeza em nossas palavras, que surge quando falamos sobre alguém que se foi? Para a criança isso não existe! E, hoje, após quase 3 meses desse acontecimento, eu ainda sofro, mas tenho certeza de que, naquele momento, eu tomei a melhor decisão que poderia!
E eu poderia finalizar esse texto dizendo que o que aprendemos foi…
Mas, prefiro finalizar com….
No final, o que aprendi com meus filhos foi que:
Não existe partida para aqueles que permanecerão eternamente em nossos corações.
E você, querido(a) leitor(a), já passou por essa situação? Como lidou com isso? Não deixe de compartilhar sua história com a gente!
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