Hoje venho contar para vocês o desenvolvimento da fala e os erros frequentes que meu filho comete ao falar português fora do Brasil. Entretanto, antes, vou lhes contar o quanto ele foi exposto a diferentes línguas.
Nós pais temos uma grande expectativa em quando nossos filhos começarão a falar. O meu foi uma criança que falou no tempo esperado, mesmo estando exposto a outros idiomas e escolheu o português como língua principal para a alegria da mamãe.
Vida escolar inserido em vários idiomas – África do Sul
Quando Lucca tinha um ano de idade, morávamos na África do Sul e decidimos que era hora de ele ir para escola. Após visitar algumas possibilidades, decidimos por uma escola alemã por ser muito perto de casa e pela língua.
A África do Sul tem o inglês e outras dez línguas oficiais. Por lá é muito comum as pessoas falarem mais de três idiomas. Então a maioria das escolas falam duas línguas, geralmente inglês e afrikaans ou inglês e zulu.
Como sabíamos que não ficaríamos muito tempo no sul da África, optamos por uma língua que fosse útil para ele no futuro, já que os idiomas Afrikaans e zulu são poucos conhecidos.
De um a dois anos e meio o Lucca esteve no kinderkrippe (creche), com a professora que falava alemão e a assistente que falava inglês. Aos dois anos e meio ele foi para o kindergarten (jardim de infância). A partir dessa fase a escola disponibiliza classes em inglês ou alemão.
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Uma coisa engraçada que aconteceu foi que ao final do primeiro ano todas as crianças da classe sabiam falar e entendiam o significado da palavra “água”, em português, que ele ensinou.
Como todos os amiguinhos foram para a classe alemã e também porque achávamos importante, decidimos que ele iria também. Depois de quatro meses nessa classe a professora nos contou que ele se recusava a falar alemão, que sempre que alguém falava com ele, ele respondia em inglês.
Nós achávamos que era muito cedo para julgar sobre o aprendizado dele, afinal ele tinha menos de 3 anos, não tinha ninguém da família que falava alemão e estava exposto a outras duas línguas. E mesmo sendo um idioma difícil, ele entendia. Todavia a professora sugeriu que ele fosse para a classe em inglês.
Vida escolar inserido em vários idiomas – Itália
Um pouco após ele completar três anos nos mudamos para a Itália e antes dele iniciar a escola internacional que havíamos escolhido aqui em Turin, ele foi por alguns meses para uma escola italiana, onde foi exposto a mais um idioma.
Outra coisa que vale pontuar é que logo que chegamos na Itália, ele virou uma chave na cabecinha dele e passou a falar somente em inglês. Foi aqui também que ele descobriu que falava mais de um idioma e começou a separar as línguas que antes era uma coisa só. Como: vermelho é português, red é inglês.
Não fomos muito felizes na escola italiana. Era uma escola rígida, com muitas crianças por classe, ele ficou ainda mais agitado do que já é e começou a gaguejar. No final do dia ele nem conseguia falar. Ele tentava repetidas vezes começar uma palavra e no fim desistia falando: eu não sei falar isso.
Depois dos três terríveis meses de adaptação na primeira escolinha, Lucca sempre amou ir para escola, mas já estava em uma fase que ele não queria mais ir. Por isso achamos que essa escola já não estava sendo boa para ele.
Gagueira – visita a fonoaudióloga e psicóloga no Brasil
Na nossa última ida ao Brasil decidimos procurar uma fonoaudióloga e uma psicóloga. Não foi a primeira vez que ele gaguejou, mas da outra vez não foi tão intensa e passou logo. A psicóloga sul africana que procuramos na época nos disse que não se pode considerar gagueira antes dos quatro anos.
Como Lucca agora tem quatro anos, estávamos muito preocupados. Contudo a fonoaudióloga do Brasil nos explicou que é muito difícil casos de gagueira em crianças que não tem histórico na família, mesmo que bilíngues.
Depois de analisá-lo por duas horas, o laudo foi que ele só estava passando por um momento de muita ansiedade e que pensava muito mais rápido do que conseguia se expressar. Para ajudá-lo, quando as crises começarem é indicado ficar tranquilo e tocar a criança para que ela se sinta segura.
Complementando a consulta da fono, a psicóloga nos orientou a retirar o tablet, nos explicando que para a idade de 4 anos o recomendado é de assistir no máximo trinta minutos por dia e que a exposição as telas deixa as crianças muito ansiosas.
Outra coisa que aproveitei para esclarecer com as profissionais foi que ele estava falando o português errado. E elas me relataram que mesmo uma criança que cresce no Brasil, da idade dele, comete muitos erros ao falar.
Elas nos instruíram a corrigir qualquer coisa que ele falasse errado a partir de agora, inclusive a tirar a mania dele não usar o “eu” e usar o seu nome no lugar, por exemplo: o Lucca quer isso. Essa era uma dúvida que eu tinha, porque eu não sabia o quanto isso poderia fazer ele se irritar com o idioma.
A gagueira dele passou antes de voltarmos para casa. Acredito que o ambiente familiar de muito amor foi muito importante
Erros de português
Lembro de explicar para pessoas de outros países que a mesa é feminina e o fogão é masculino e a pessoa ficar chocada. Uma vez uma pessoa me disse, mas se a mesa é mulher a cadeira só pode ser homem. Risos!
Hoje eu também acho estranho a gente ter sexo para os objetos e consigo ver o tanto que isso faz confusão na cabecinha do meu filho. Ele tem dificuldade em diferenciar o “meu” e o “minha” e as frases ficam assim: minha papai, minha carro, meu mamãe.
Ele chama todas as pessoas de “ele” ou “amigo”, independente do sexo. E agora preciso lembrá-lo se um pessoa é homem ou mulher.
– Filho, elA é sua amigA, ela não é um menino.
Outro probleminha que é herdado do inglês é a ordem do possessivo em uma frase. Como: o dele carro, a vovó casa.
Ele tinha um sotaque terrível para falar o “ão” que já foi resolvido, mas se você escutar o sotaque dele falando “bravo” ou “braço”, entrega totalmente que é uma criança bilíngue.
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Se tudo já estava um pouco complicado, ainda entra o italiano que inverte o sexo das coisas. Por exemplo, carro é uma palavra masculina no português e feminina no italiano. Calça é feminina no português e masculina no italiano.
Eu acho o italiano ainda mais complicado, pois tem algumas palavras que são masculinas no singular e mudam de sexo no plural se tornando femininas, como por exemplo dedo, ovo e braço. Como eu explico isso para uma criança de quatro anos?
Nem vou comentar o erro nos verbos no passado, porque acredito que isso seja comum até para crianças que crescem no Brasil. Como: eu fazeu.
Me contem quais as dificuldades que vocês enfrentam e até as coisas cômicas por terem crianças bilíngues? E o mais importante, quais são as dicas de ouro que vocês usam para resolver esses erros na linguagem? Comentem abaixo e vamos continuar essa conversa!
4 Comentários
Muito legal saber sobre o desenvolvimento de fala de outras crianças bilíngues! Com certeza muita coisa é igual ao desenvolvimento de uma monolíngue, como o ”fazeu”,”trazeu”… pq é como eles usam a conjugação regular em um verbo que eles não sabem que é irregular. Com o tempo e constante exposição ao idioma eles vão aprendendo! Assim como essas transferências do outro idioma. Aqui acho até fofo quando acontece (port – italiano e vice-versa): seggiolão (cadeirão), descere (quando ela não sabe o verbo em italiano simplesmente usa o português com e no fim), fazeva (ao invés de fazia, usando o italiano faceva), entre outros… eu uso a tática de corrigir sem mostrar que estou corrigindo, mas simplesmente usando o certo em uma frase. Por ex, se ela pergunta quem trazeu algo, eu respondo: “quem trouxe foi o papai”… enfim, é um desafio gostoso esse de criar bilíngues!
Adorei a dica Amanda, vou usar!Porque acho que ele está ficando um pouco irritado de ser corrigido o tempo todo.
Por aqui também temos as línguas adaptadas, como o “ho terminato”
bjos
Gostei muito do texto, acho que todas as crianças bilingues e mesmo nós, adultos, passamos por isso.
Eu, às vezes, percebo que “invento” palavras, porque penso que estou falando francês. E não, estou simpelsmente adaptando um palavra do meu vocabulário português.
Com as minhas filhas, corrijo, mas não sempre, para não irritá-las. Tenho uma amiga aqui que me corrige todo o tempo (em situações onde é comum mesmo os franceses errarem, simplesmente para falar mais rápido) e isso me incomoda, porque eu SEI qual é o certo.
Enfim, não é fácil essa mudança constante de um idioma e outro.
Adorei ler seu ponto de vista Zandra!
Eu adoraria ter alguém para me corrigir no Italiano e mesmo no inglês, mas nunca tive essa sorte.
bjos