O que uma feira de Natal pode nos ensinar para o Ano Novo.
Essa é minha primeira coluna para o Brasileirinhos pelo Mundo, e eu não sabia nem por onde começar quando sentei na frente do notebook para escrever. Me sugeriram fazer uma apresentação da história da nossa família, mas depois de 5 minutos olhando para o arquivo em branco, decidi dividir com vocês um aprendizado do fim do ano, que deu um pontapé positivo nesse 2018, e assim, aos poucos, vocês vão nos conhecendo.
Há 4 anos mudei de São Paulo para Londres com meu marido e minha filhinha, que na época tinha pouco mais de 1 ano. O sonho de morar no exterior era antigo, sou jornalista, trabalhei 12 anos na TV Globo de São Paulo, e com 20 e poucos anos eu já tinha um plano de carreira para me tornar uma correspondente internacional. A oportunidade de morar fora surgiu muitos anos depois, através do trabalho do meu marido, e em apenas dois meses deixamos tudo para trás e nos lançamos “além-mar”.
Dificuldades iniciais e adaptação
Quando chegamos em Londres as dificuldades foram muito maiores do que esperávamos. Para as famílias que mudam com filhos, independente da idade que eles tenham, o trabalho de adaptação costuma ser redobrado. No início você se preocupa com eles e se coloca em segundo plano, afinal são muitos desafios: entender como funciona o sistema de saúde do país, a educação, escolas, a língua, etc.
A adaptação da minha filha, que hoje tem 5 anos, ao contrário do que eu imaginava, foi bem mais fácil do que a minha. Perto de completar 2 aninhos matriculamos ela em uma escolinha inglesa, onde ela passou a ter mais contato com a língua e com a cultura local. Meu marido logo que chegou a Londres deu continuidade a sua vida de executivo dentro da mesma empresa, viajando pelo menos uma vez por mês para diversas partes do mundo, e eu passei a ficar muito tempo sozinha com minha filha.
Do pesadelo ao livro
Os meses foram passando e o que parecia um sonho foi virando um pesadelo para mim. Sem meu trabalho e sem minhas referências, fui dando adeus aquela Silvia cheia de energia que sempre fui. A sensação de que eu tinha perdido, pelo menos temporariamente, a vida que eu havia construído com tanto esforço no Brasil, foi me fazendo perder o brilho, e aos poucos fui vivendo um enlutamento de mim própria, como se quem eu fosse tivesse morrido e eu não conseguisse mais me encontrar.
Quando percebi que a tristeza estava tomando conta da maior parte dos meus dias, comecei a pesquisar sobre os efeitos psicológicos da mudança de país, e descobri inúmeras pesquisas internacionais nessa área. Baseada nesses dados, e mesclando nossas experiências familiares, com as histórias de outras pessoas que também deixaram seus países de origem, escrevi o livro “Atravessando o Oceano – os desafios enfrentados ao mudar de país”, que foi lançado em 2017 no Brasil, em Portugal e na Inglaterra.
Hoje percebo que o exílio, apesar de ter sido bastante duro no começo, tem sido renovador. Há uma sensação constante de que a gente se desconstrói, mas de uma maneira muito positiva, porque se abre para uma nova vida cheia de aprendizados. Um exemplo disso aconteceu há poucas semanas através de uma experiência na escola da minha filha, que mudou meu “modus operandi” de forma definitiva.
A união dos pais em prol de um bem maior
Já estávamos em meados de novembro, e por uma série de motivos, a tradicional “Christmas Fair” (Feira de Natal) que a escola da minha filha prepara anualmente, não aconteceria esse ano. O evento, que costuma ser voltado para os pais e familiares das crianças, tem a verba arrecada para pequenas obras ou para o fundo da escola.
O grupo de pais representantes das classes se reuniu de última hora, e resolveram tentar “levantar” a feira. Durante as semanas que antecederam a festa novas ideias foram surgindo para tornar o evento ainda maior e mais especial, e o objetivo desse ano era arrecadar fundos para construir uma nova biblioteca para as crianças.

Fonte: Arquivo pessoal.
As tradicionais tendas de bebidas quentes, guirlandas, delícias de Natal, produtos artesanais, e trabalhos artísticos feitos pelas próprias crianças, foram mantidas. Durante o mês de dezembro os professores costumam desenvolver atividades em sala e os alunos produzem enfeites e artesanatos para serem vendidos na “Christmas Fair”. Esse ano, por exemplo, cada criança da sala da minha filha produziu um porta-retrato com sua foto. Os pais e avós corujas sempre acabam adquirindo o produto de seus “pequenos artistas”, e assim colaboram com o evento.
Novidades e multiculturas
Muitas novidades chegaram na Feira, além dos tradicionais estandes de comidas e doces, criaram também uma área específica de comidas típicas das nações. Em escolas multiculturais, como a maioria em Londres, não é difícil encontrar famílias de todas as partes do mundo, e a ampla praça de alimentação da escola recebeu delícias típicas da Índia, Espanha, Brasil, México, EUA, Austrália, Egito, Inglaterra, França, Turquia, China, Coreia, e um mix de regiões da Ásia.
Veja também: Criando brasileirinhos na Inglaterra
Pais argentinos inovaram e criaram uma tenda de expedição com uma atividade que chamaram de “Argentine Dinosaur Excavation” onde as crianças participavam de uma espécie de escavação de fósseis de dinossauros, brincando e aprendendo ao mesmo tempo. Estandes com brincadeiras para adultos e crianças presenteavam os participantes com chocolates, docinhos, vinhos, azeites e produtos de beleza. Numa das tendas que eu mais gostei, a criança poderia adotar um animalzinho de estimação, na verdade um bichinho de pelúcia que já tinha sido de outra criança e que foi doado para a Feira.
O evento, que era aberto apenas aos familiares dos alunos, esse ano recebeu toda a comunidade local. Diversas empresas e instituições da região colaboraram com a festa, o Museu de Richmond por exemplo, levou para a escola uma experiência muito legal para os alunos: objetos da “Era Tudor” puderam ser manuseados enquanto os monitores contavam para as crianças trechos da história inglesa relacionados aqueles objetos, as crianças também podiam vestir roupas típicas dessa época.
O que uma feira de Natal nos ensinou
Além de todas as doações de itens, os pais dos alunos também foram voluntários e trabalharam na feira. Nossa família contribuiu com doações e eu participei da produção do estande de comidas típicas brasileiras. Na manhã do evento acordei cedo, fritei coxinhas e risoles de carne, montei uma bandeja com os brigadeiros de morango, que eu havia preparado com minha filhinha no dia anterior, e meu marido carregou as sacolas pesadas até a escola.
No fim do dia a surpresa: em apenas 3 semanas os pais dos alunos conseguiram levantar um evento que arrecadou impressionantes 22 mil libras, o equivalente a quase 100 mil reais, muito mais do que o suficiente para proporcionar aos pequenos uma nova biblioteca, e uma quantia que representou 3 vezes mais do que a arrecadação da “Christmas Fair” do ano anterior.
Fiquei pensando em tudo o que vivemos e no que minha filha tem aprendido: engajamento, doação, um ambiente colaborativo onde pais, professores, alunos e comunidade doam tudo de si para conquistarem um objetivo comum. Somos PODEROSOS quando nos movemos juntos, basta termos força de vontade e acreditarmos. As mudanças no mundo nós devemos começar dentro de casa e no nosso entorno, então que 2018 seja assim para todos nós: um ano de trabalho conjunto e mais doação.
6 Comentários
Show! Adorei! Seja bem-vinda a ilha! Tambem sou colunista de Londres e , certamente, ainda trocaremos muitas figurinhas.
Sucesso e parabens pelo texto!!
Obrigada Mônica! Vamos trocar muitas figurinhas sim. Grande abraço e nos vemos por aqui.
Silvia, adorei o texto. Muito sincero, me senti igual a você em muitos aspectos com a mudança de país. Uau, 22 mil libras!!! Arrasaram! Na escola do meu filho arrecadaram 9 mil libras e eu achei um record impossível de ser batido…haha.
Obrigada pela mensagem Rhaniele! Fizemos mesmo uma boa campanha no evento de Natal. A Summer Fair desse ano também foi incrível. Espero que os pais continuem empolgados. Grande abraço para vc!
Silvia: amei seu relato! Parabéns por colocar no papel o que nos todos sentimos.
Obrigada Luciana! Grande abraço! Silvia