Natal na Polônia *
Já viu aquele filme em que a rena fala? Então, ao que tudo indica, essa lenda teve origem nessa parte do mundo. Do Mediterrâneo até a Escandinávia, os países do leste europeu proclamam que, à meia noite do dia 24 de dezembro, os animais ganham a habilidade de falar como os humanos.
Como a Polônia, país onde moro, possui uma grande população rural, essas lendas ainda existem, principalmente entre as crianças mais novas, que ficam de olho em qualquer movimento diferente do animal de estimação da família.
Brincadeiras à parte, a Polônia possui um Natal realmente incrível, diferente de tudo o que você já viu. São tantos detalhes, tantas regras e tradições, que é comum as mulheres polonesas ficarem enlouquecidas nessa época do ano. Mas nem pense que isso as faz mudar um simples prato na ceia de Natal.
A Polônia se orgulha de possuir uma população católica, 86% para ser precisa. Paradoxalmente, as tradições natalinas são praticamente todas pagãs. Grande parte dos poloneses sequer têm consciência disso e muitos acreditam que a forma como o Natal é celebrado aqui é a única maneira de celebrá-lo corretamente.
Verdade seja dita: como em nenhum outro lugar, o que é celebrado nos dias 24, 25 e 26 de dezembro é o nascimento do filho de Deus (Boze Narodzenie, em polonês). Nesse dia nasceu Jesus, ponto! Papai Noel não possui muito espaço, afinal de contas, ele já foi devidamente comemorado no dia 6 de dezembro.
As crianças são o centro de qualquer família polonesa. A sociedade orbita em volta de suas crianças! E o Natal não poderia ser diferente.
A comemoração tem início no dia 1 de dezembro, quando o Calendário do Advento pode ser aberto pelas crianças. Geralmente um chocolate por dia. Esse calendário pode variar de uma simples caixa de papelão com chocolates a artesanatos extremamentes elaborados, com um pequeno presente para cada dia até o esperado dia 24.
Finalmente o dia de “Vigília” chegou! Nesse dia, as pessoas não comem carne, não bebem álcool e deveriam ficar em jejum até que apareça a primeira estrela. Não é um problema tão grande já que o sol se põe por volta das 3:30 da tarde. É comum ver pessoas entrando disfarçadamente na cozinha para comerem escondidas, o que deixa as avós (babcia) revoltadíssimas gritando que “isso é um desrespeito com o menino Jesus”.
As crianças estão liberadas e podem comer, mas normalmente recebem lanches e frutas. Todo o esforço está concentrado nos preparativos da ceia e dos próximos dias de festas.
Para cada dia, os pratos devem ser variados, devem estar frescos, mas você tem que deixar tudo pronto, porque não se deve trabalhar em dias santificados. Fácil não?! Quando eu digo fresco, estou elevando essa palavra a um patamar extremamente exigente. Um dos pratos principais é a carpa.
Em dezembro, tanques gigantescos de carpas vivas são colocados nos supermercados. Obviamente, todos querem comprar os melhores peixes. Você não pode deixar para última hora. Dizem que uma carpa apenas é saborosa quando realmente for fresca. Solução: levar a carpa viva para casa e deixar ela nadando na banheira até a véspera do Natal.
Parece inacreditável, mas quanto mais tradicional a família, maiores as chances de carpas serem encontradas em banheiras das casas por toda a Polônia.
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Mesa devidamente arrumada significa:
1. Feno embaixo da toalha branca. O feno representa o estábulo onde Jesus nasceu, ele é guardado durante o ano todo para trazer sorte para aquela casa. Na zona rural, esse feno é dado aos animais para garantir que eles fiquem saudáveis.
2. Um prato a mais. Alguns declaram que esse prato representa Jesus, outros dizem que o prato a mais estará à disposição de uma pessoa com fome que bata à sua porta.
3. Entre doces e salgados, a ceia deve consistir em 12 pratos, representando o número de apóstolos.
Todos então estarão muito bem vestidos, inclusive as crianças, que devem estar impecáveis. Normalmente os mais velhos usam terno.
As crianças são incumbidas de ficarem de plantão na janela para anunciarem o aparecimento da primeira estrela. Ansiosas, saem gritando pela casa diante do aparecimento de qualquer objeto brilhante, normalmente aviões. O grande objetivo não é propriamente visualizar a estrela, mas manter as crianças ocupadas, longe da mesa meticulosamente arranjada e com suas roupas devidamente limpas.
Todos ao redor da mesa, a “hóstia”(opłatek) começa a ser dividida entre os convidados. As “hóstias” são compradas em igrejas e shopping centers durante todo o mês de dezembro. Vendedores vestidos de anjos passeiam com uma cesta pendurada no braço com o kit: “hóstia”+feno.
Com um pedaço grande na mão, anda-se em volta da mesa, estende-se a sua “hóstia” para a pessoa à sua frente. Essa pessoa cortará um ou três pequenos pedaços, enquanto você fala para ela o que deseja para o seu futuro: saúde, felicidade e o que mais for necessário. Nesse momento, muitos pedidos de desculpas são feitos, muitas pessoas ficam emocionadas, as mais sensíveis choram.
Em famílias mais religiosas o trecho da bíblia narrando o nascimento de Jesus é lido, orações são realizadas e a refeição propriamente dita tem início. As crianças devoram a comida e já começam a gritar que querem abrir os presentes. Normalmente, cabe as crianças entregar todos os presentes que estão embaixo da árvore.
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Entre o final da refeição e a espera para ir para à missa do galo duas coisas acontecem: os cânticos de Natal, que absolutamente todos da família sabem de cor e assistir ao filme “Esqueceram de Mim”, a única coisa que varia na TV polonesa nesse dia: “Esqueceram de mim 1” ou “Esqueceram de mim 2”. Tradição é tradição!
Perto das 23:30 os adultos vão para igreja, as crianças podem ou não ir, dependendo da idade e da família.
A volta da missa é uma festa, Jesus nasceu! Ou seja, beber e comer está oficialmente liberado: vinho, vodka e um novo prato quente, obviamente um bom pedaço de carne, será servido.
Nos dia 25 e 26, a missa é quase que obrigatória e mesmo várias pessoas que se intitulam “não católicas”, vão à missa nesses dias.
Esse artigo possui um tamanho determinado, por isso outros detalhes e tradições não foram aqui mencionadas. Meu objetivo foi apresentar algumas peculiaridades e a riqueza de detalhes do Natal Polonês.
Se você perguntar para qualquer pessoa nesse país sobre a data mais importante do ano, não tenha dúvidas, será o Natal. Depois de ter passado mais uma década celebrando o Natal nesse estilo tão diferente, posso dizer que qualquer outro tipo de celebração parece menor, menos significativa.
As tradições, o trabalho descomunal que o Natal polonês gera, a repetição orquestrada, criam algo extremamente poderoso: fazer parte de uma comunidade.
Talvez, quem sabe, a criação de pequenas tradições familiares, de repetições anuais de detalhes, não importa quais eles sejam e em que país estamos, também possa criar esse sentimento de acolhimentos para os nossos filhos. O sentimento de que pertencemos a algo maior do que nós mesmos!
Feliz Natal! Wesołych świąt!
*esse texto foi originalmente publicado em novembro de 2017
6 Comentários
Dani PARABENS! Parabens! Parabens! Chorei lemdo a descriçao da ceia de Natal polonês. Que lindo! Que significativa! Achei mesmo muito bonito…. tao diferente do « oba-oba » brasileiro né? Pra gente é uma festa pré Ano novo, e quase sem religiosidade (nao para todos claro)….
Well done darling! Maravilhoso artigo!
Oi Rita!
Desculpa pela demora em adicionar e responder seu comentário. Meu primeiro blog, meu primeiro artigo.
Ainda estou pegando o jeito 🙂
Muito obrigada por sua mensagem.
Um grande beijo!
Amei o seu texto!
A leitura foi um verdadeiro deleite pra mim que estou me preparando para passar meu primeiro Natal na Polônia com a família do meu marido polonês. Ainda não temos filhos, mas a magia retratada no seu texto me faz crer que quem vai curtir esse período como uma criança sou eu. rsrs
Wesołych świąt!
Oi Annaline!
Como eu escrevi acima, me desculpe pela demora em adicionar seu comentário e responde-lo.
Obrigada pela mensagem e seja bem vinda ‘a Polonia.
Em que cidade vc esta?
Um grande beijo!
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Obrigada por compartilhar.
Um grande beijo e um Feliz Natal!