Maternidade em Israel
Recentemente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu Jerusalém como a capital de Israel e decidiu para lá mudar a embaixada de seu país. Amigos e família do Brasil ligaram preocupados com possíveis ataques em resposta à novidade. Todos diziam “mas você não está preocupada com o que pode acontecer?”.
Pois bem. Um dia, saindo para passear com minha filha de 3 meses, percebi que havia deixado seu gorrinho em casa. Tudo bem, pensei, não faz tão frio assim no inverno em Tel Aviv e ela estava suficientemente agasalhada, só faltava o gorrinho.
Inocente. Mãe de primeira viagem. Faixa branca. Tragam todos os adjetivos similares: eu, tonta, não sabia que sair para passear sem o gorro da filha poderia ser imensamente mais preocupante que a situação política do Oriente Médio.
Durante a – que era para ser – simples volta de carrinho nas redondezas, o diabo da Tasmânia – ops – minha filha, resolveu chorar. Chorar muito. Chorar como se estivesse experimentando coentro. Aí resolvi apanha-la de dentro do carrinho para tentar acalmar.
Eis que assim, como quem não quer nada, se aproximou a primeira senhorinha que seduzida pelo meu sorriso amarelo de mãe principiante resolveu perguntar: “você já tentou dar chupeta?” – “sim, hehe, já tentei”, respondi com aquela cara sem graça de é óbvio que já fiz o óbvio.
Mas o sorriso amarelo de mãe principiante aqui em Israel é muito, mas muito convidativo.
O país inteiro é do tamanho do Estado do Sergipe. Atravessa-se o país em sua maior extensão em apenas 6 horas. E, para completar, até pouco tempo atrás vigorava o sistema de Kibutzim, que nada mais eram do que comunidades agrícolas socialistas e sionistas. Ou, em outras palavras e termos mais fáceis: “comunidades que se tratavam como família e dividiam de salário à educação dos filhos”. O sistema de Kibutz foi em sua grande maioria extinto com a ascensão da sociedade capitalista, mas o senso de divisão da educação parental ficou incutido em cada israelense. E veja, não é necessariamente preciso ter sido criado num Kibutz. Parece um chip nacional, onde todos cidadãos partilham desse senso de criação comunitária.
Então, de volta à inofensiva volta de carrinho, quando dei o “sorriso amarelo digno de mãe principiante que está desesperada com o choro da neném” basicamente dei aval para que todos na rua agissem como próprios israelenses, sentindo-se responsáveis também.
O jogo de botcha dos senhores parou. “Vamos palpitar na neném chorando já que esse jogo é inexplicavelmente entediante”, devem ter pensado, ou então apenas “vamos agir como legítimos israelenses e palpitar porque queremos”.
Chegou a próxima: “balance ela um pouco mais pra cá” – e aí, quando comecei a balançar minha filha um pouco mais pro outro lado, pronto, entendi que realmente havia preocupação muito maior do que o futuro do Oriente Médio ou a possível terceira intifada: “cadê o gorro dessa menina?” – alguém gritou. Tumtumtum, parecia que estavam distribuindo alguma coisa gratuita de tanta gente que apareceu. Em menos de um minuto o sindicato dos vovôs preocupados com o gorro dos bebês alheios se reuniu à minha volta.
Parecia até um júri popular. Todos estavam inconformados como uma mãe poderia ter saído de casa sem o bendito gorro no inverno de 20 graus.
Sei lá onde estava o gorro dela, sei apenas que me vi cercada por vovozinhos e vovózinhas muito mais interessados na ausência de gorro do que em qualquer problema do país. Mas quando finalmente consegui cobrir a cabeça dela com algum pano que estava de bobeira, achando que ia me livrar da questão do gorro, uma senhora chega e comenta: “Ela já parou de chorar, por que você ainda está balançando? Vai mimar ela assim…” – foi a última inferência até eu entender o que estava rolando.
Criar um filho em Israel é definitivamente ter guarda compartilhada. Mas com mais 7 milhões de pessoas. Todo mundo se acha um pouco avô ou tia do seu filho. Legítimo o suficiente pra participar – mesmo que só por meio de umas cornetadas – na criação dos pequenos seres.
Se por um lado pode ser perturbador o fato de que sempre haverá alguém palpitando, existe uma certa magia nisso tudo. Essa noção de grande família é a responsável por manifestações e comoções nacionais quando, por exemplo, um soldado é sequestrado. “Tragam NOSSOS filhos de volta”, o país inteiro demandava quando três soldados foram sequestrados em 2014. O filho não pertence somente à família biológica, mas à toda nação. Basta entrar num ônibus e ver alguns meninos bagunçando que é possível ter uma pequena amostra dessa criação compartilhada. O motorista e todos os passageiros passam algum tipo de sermão. Não existe nenhuma resistência à ideia de que é melhor não se meter – e os pais da criança podem estar ou não presentes ou não, definitivamente não importa.
A criação compartilhada é realmente estranha, e dos medos que a maternidade me trouxe talvez um dos maiores seja a bronca que vou levar dos israelenses se minha filha não estiver devidamente agasalhada. Mas a noção de família que se tem por trás dessa interferência toda e, acima de tudo, a tranquilidade que é trazida pelo fato de que todos estão genuinamente preocupados com as crianças e que sempre haverá alguém de olho no seu filho é algo confortante e especial. Só não esqueçam o gorro!
16 Comentários
Isabela, A-DO_REI seu texto!!!! Dei risada lendo, me transportei prai! Que barato e que experiencia interessante! Mal posso esperar pelo seu proximo texto. E afinal, onde estava o gorro!!! bj
Adorei o texto! Super bem escrito e divertido. Estive em Israel no ano passado e fiquei encantada com o país. Fiquei com uma curiosidade com o seu texto, essa unidade que você conta inclui os muçulmanos? Porque senti o país tão dividido, que não imagino os muçulmanos se preocupando com os filhos de pessoas fora da comunidade deles e vice-versa.
Adorei o texto Lela…continue nos presentiando com essas pérolas !!!!beijos
Adorei seu texto! Otimooo
É exatamente assim mesmo!!!
Eu estou grávida e ja ouvi recomendações de hospital, doula, tipos de parto, nomes entao! Nem se fala…
boa sorte com a sua bebe e NUNCA MAIS esqueca do gorro!!! Hahahh
amei
Ri muito! Adorei! Parabéns pelo seu dom de escrever.
Vou passar para meu marido e filhos que não só não se acostumaram com a guarda compartilhada mas ela as incomoda. Aliás, nos mudamos para Israel pela junção de pontos negativos do Brasil e positivos aqui.
Adorei o texto, só queria fazer uma correção em 2014 a campanha bring back our boys, foi pelo sequestro de 3 estudantes (Eyal hy”d, Gilad hy”d e Naftali hy”d) que foram sequestrados e mortos por terroristas do Hamas.
Muito bem dito! Eu também recentemente virei mãe e o povo aqui adooooora dar palpite! Gostei muito do seu blog, eu também comecei com um há pouco tempo atrás sobre Israel e sobre a vida no Neguev. Ele se chama “Brasileiras em Israel”. Se quiser dá uma olhadinha… Abraço
muito bom!e assim mesmo e sempre foi e parte da mágica deste pais! me identifiquei apesar q. já tenho netos… era assim e muito mais a 40 anos atras!
Minha querida neta.
A facilidade e o humor com que você discorre sobre o tema é agradável de ser lido. Idishe mome existe em todos os lugares, mas acredito que em Israel deve ser “People mome”. Discordo apenas de uma afirmação, pois o DNA não poderia me trair publicamente. “Chorar como se estivesse experimentando coentro.” Minha bisneta Noah, vai adorar coentro tanto como o bivô dela. E não se intrometa na educação alimentar dela. Não se atreva.
Agora me esclareça geograficamente a extensão de Israel. “Atravessa-se o país em sua maior extensão em apenas 6 horas.” A pé, de carro ou de avião?
Hahaha. Adorei o texto. Moro na Inglaterra, aqui são todos muitos discretos, não dão palpites, não tocam no bebê e quase nem olham as crianças com medo de importunar ou parecer estranho. Mas me lembro indo com meu filho ao Brasil, grávida do segundo, e de ter ficado super espantada com as tantas interferências no caminho. Fui no inverno do Rio e, para eles, nascidos na Inglaterra, era verão. E as pessoas recomendavam casacos, davam biscoitos e até tocar a minha barriga rolou. Achei uma loucura, mas levei na boa e me diverti. =)
Lela! que delicia de texto. Ri muito. Delicia de texto! Continua.
Delícia de texto. Lembrei do caso de uma amiga saindo de um hotel em Tel Aviv. Ela estava com um casacão e foi abordada por uma hóspede: “pra que esse casaco? você acha que vai fazer todo esse frio hoje”? A moça, desacosutumada com a chutzpá local, levou um susto. Em um ônibus, um bebê chrava muito. O motorista gritou: “Põe uma chupeta na boca dessa criança”.
E eu, jovenzinha, parei em uma loja em Holon para comprar “creme rinse” (atual condicionador). E a delicada vendedora me diz: “Pra que você quer creme rinse para esse seu cabelo oleoso?” Fofa, ela…
[…] Leia também: Guarda compartilhada por 7 milhões […]
Hahaha muito bom! Visualizei tudo. Muito bem escrito e muito interessante. Agora tem q ter paciência com os palpites, se é cultural e tudo pelo bem, sai pro abraço e ria por dentro. Parabéns!
Muito bom esse texto! Quando eu estava grávida da minha primeira filha, vivíamos na Italia e as pessoas também eram um pouco assim. Me divertia muito!