Quando comecei a avisar os amigos de que em breve nos mudaríamos para Hong Kong, as duas perguntas que eu mais ouvi foram: “Como vocês – e principalmente as crianças – vão se acostumar com a comida?” e “Mas que língua se fala em Hong Kong, vocês vão ter que falar chinês?”. Bem, sobre a comida vou escrever em outro post. Este aqui será dedicado à questão linguística que também nos intrigou quando estávamos avaliando os prós e contras da mudança.
Um pouco de história
Hong Kong, inicialmente território chinês, foi tomada pelo Império Britânico após a Guerra do Ópio (1839-1842). Posteriormente, durante a Segunda Guerra, foi invadida pelos japoneses. Com a derrota do Japão, voltou a fazer parte do Império Britânico até 1997, quando foi devolvida à China. Essa brevíssima aula de história é necessária para entendermos melhor porque hoje em dia as duas línguas oficiais de Hong Kong são o inglês e o chinês. Nesses dois idiomas são escritas todas as correspondências oficiais e placas de sinalização, por exemplo. Entretanto, embora Hong Kong seja uma cidade cosmopolita, onde moram pessoas do mundo todo e onde se cruzam várias línguas, posso afirmar que no dia a dia o que mais se ouve é mesmo o chinês.
Mandarim ou cantonês?
São muitas as línguas e dialetos falados na China. Aqui em Hong Kong há o mandarim, que é falado na China continental e internacionalmente conhecido como “chinês”, e o cantonês, língua falada na região do sul da China, de onde veio a maioria da população de Hong Kong. São línguas distintas e nem sempre o falante de uma entende o falante de outra.
Em relação às escolas, há uma grande diferença em termos linguísticos. Nas públicas o chinês (em geral o cantonês) é a língua de uso, sendo o inglês ensinado como segunda língua. Nas escolas particulares internacionais, o inglês (ou o francês, ou o alemão, dependendo da origem da escola) é a língua de uso e o chinês (sempre o mandarim, não o cantonês) é ensinado como língua estrangeira, com carga horária variável entre as escolas. Por essa razão, é praticamente inviável que um expatriado, um estrangeiro, coloque seus filhos em escolas públicas, já que a adaptação de um não falante de chinês seria bastante complicada.

Arquivo pessoal
A adaptação
Ao saber de tudo isso, fiquei parcialmente aliviada de imaginar que conseguiríamos todos nos virar bem sem ter que falar chinês. A adaptação das crianças na escola com os idiomas foi excelente. Os colégios aqui normalmente funcionam em período integral. Minhas filhas ficam lá entre 7h45 e 16h e durante esse tempo o inglês é a língua usada, com exceção de uma hora diária de mandarim. Elas gostam de aprender essa língua e eu acredito que seja um grande exercício para o cérebro conhecer um idioma tão diferente em sua forma, significados e sons.
Leia também: Adaptação escolar na China
Eu, no dia a dia, me viro com meu inglês mais ou menos. Às vezes é difícil entender o inglês falado pelos chineses por conta do sotaque, mas eles se esforçam para ser entendidos e me entender também. Só tive uma experiência ruim até agora, com uma secretária de uma médica que gritou comigo no telefone por eu não entendê-la. Algumas pessoas não falam nada de inglês, como a maioria dos motoristas de táxi, por exemplo. Aí a saída é levar o endereço anotado em chinês e mostrar a eles os caracteres. Ou pegar um Uber, o que normalmente eu prefiro. Entro e saio do carro sem ter que me fazer entender.
Vivenciei aqui duas situações novas, mas de certa forma prazerosas: posso falar em português com as meninas tudo que vier à cabeça no elevador, no metrô, na rua, sem que ninguém entenda o que estou falando. Isso às vezes é bem útil! E, por outro lado, não fico colocando o ouvido na conversa alheia, já que não entendo nada mesmo. Isso faz com que eu não desvie a atenção do meu livro no transporte público, por exemplo, algo que vivia me acontecendo no Brasil (risos)!
O isolamento linguístico
Entretanto, confesso que o isolamento linguístico muitas vezes angustia. Eu sempre fui aquela que batia papo com o porteiro, com a caixa da padaria, com o segurança do restaurante, naquele estilo bem brasileiro de ser. Minhas filhas ficavam até com vergonha de sair comigo de tanta gente que eu cumprimentava no bairro. Aqui, após quase um ano, parece que eu ainda não consigo ser eu mesma, já que minha vontade é puxar aquele assunto com as pessoas com as quais cruzo todos os dias, mas a fala não sai. Aprendi as saudações básicas em cantonês e vou passando sorrindo e pronunciando-as em alto e bom som para pelo menos estabelecer uma interação básica.
Para ilustrar isso um pouco melhor, todos os dias levo e busco as meninas no ponto onde o ônibus escolar passa. A avó de uma outra aluna faz o mesmo. Ela não fala nenhuma palavra em inglês. Ficávamos as duas ali às vezes quase meia hora juntas e nada de papo… eu sorria, acenava, ela correspondia e parava por aí. E eu morrendo de vontade de fazer umas perguntas, uns comentários sobre o tempo… Quando viajamos ao Japão vi um aparelhinho de tradução e não tive dúvida, comprei. Assim que voltei, levei-o para o nosso encontro diário e começamos a conversar com a ajuda dele. Que delícia! Hoje em dia batemos um papinho breve diariamente, e aos poucos vou conhecendo um pouco mais da cultura local através dessa avó tão doce que alegra as minhas tardes.
A célebre frase do filósofo austríaco Wittgenstein nunca fez tanto sentido para mim como aqui: “Os limites da minha linguagem definem os limites do meu mundo”. Que bom que hoje em dia a tecnologia pode nos auxiliar a ampliar o nosso universo e as nossas relações humanas, basta saber usá-la a nosso favor.
3 Comentários
[…] tratei no meu texto anterior, as duas principais preocupações iniciais quando decidimos viver em Hong Kong eram a questão da […]
[…] eis que… aos 42 anos, me mudei para Hong Kong. Lugar que tem como línguas oficiais o inglês e o chinês (cantonês e mandarim). “Não dá para ser entendida em português, francês ou […]
[…] Leia também Como nos adaptamos (ou não!) à comida de Hong Kong e Mas que língua se fala em Hong Kong? […]