Dando continuidade à minha última publicação sobre a liberdade das crianças na Finlândia, menciono alguns outros hábitos das crianças finlandesas que me fizeram rever as minhas próprias crenças e valores.
Fazer escolhas
Sempre que vou almoçar na casa do meu sogro as crianças podem fazer inúmeras escolhas à mesa: carne ou peixe, água ou leite, salada ou sopa, sorvete ou bolo… Eu observo, com espanto, cada criança com um prato diferente. Lembro-me então das inúmeras vezes que tive que comer quiabo, jiló e abobrinha sem o direito de fazer nenhum comentário. Ah, se ousasse falar que não queria o feijão!
A Finlândia nesses momentos me parece o paraíso das crianças empoderadas, que têm a oportunidade de escolher o que, quanto e quando preferem comer. O que não podem é desrespeitar as regras de boas maneiras ou comer doces fora do dia reservado para isso.
Desde um ano de idade elas já aprendem a comer sozinhas. Aos sete, já se servem no refeitório da escola e depois devolvem tudo ao seu lugar. Pelo que eu me lembre, aos sete eu ainda tomava meu leitinho antes de dormir e nem imaginava decidir sobre o conteúdo do meu prato. Acredito que ensinar as crianças a fazer escolhas seja o melhor caminho para a formação de adultos mais seguros e independentes.
Conviver com os amigos
As crianças finlandesas passam dias inteiros na companhia dos amigos do jardim de infância enquanto os pais trabalham. Muitas delas convivem mais tempo com os amigos do que com a própria família e acabam desenvolvendo vínculos de amizade muito fortes para o resto da vida.
Meu filho recebe visitas diariamente. Faço questão de que a minha casa seja a ”sede do clube” para que eu possa conhecer cada um deles. Minha sala já virou ateliê de artes, acampamento, sala de cinema, laboratório de química, salão de festas, brinquedoteca e até mesmo campo de batalha. A liberdade de reunir-se com os amigos ensina as crianças a verdadeira importância de se cultivar amizades duradouras. Não haverá meio amigo e o tempo livre será dedicado às pessoas que realmente as conhecem e valorizam.
Apreciar o silêncio
As crianças finlandesas não são acostumadas com muito barulho. Até mesmo as festas de aniversário são mais calmas, nada de danças ou músicas no último volume. Além disso, elas também gostam de passar o tempo sozinhas sem serem incomodadas. O “me deixe em paz” começa a ser dito bem antes da adolescência por aqui. Meus filhos aprenderam a valorizar os momentos de introspecção e a escutar a voz interior. Até que a paz seja rompida pela latinidade de sua mãe desconfiada, que às vezes pergunta: ”O que vocês estão aprontando?”
Descobrir o mundo por si mesmos
O direito de ir e vir é inerente à infância na Finlândia. Entendi isso desde que me tornei mãe, ao observar os pais deixarem seus filhos brincar livremente por toda parte. A principal preocupação é prevenir incidentes – ou nem tanto, já que o país é bastante seguro e os pais despreocupados por natureza.
Eu sempre acompanhava meu filho no parquinho do prédio. Até que um dia uma vizinha veio me perguntar quando eu o deixaria brincar sozinho, uma vez que ele já havia completado cinco anos. Decidi então que, para evitar que ele se isolasse, eu o deixaria descer sozinho e olharia pela janela. Não durou muito. Acabei passando tardes inteiras vigiando de longe para não ser notada. Afinal, ele já era um homenzinho nórdico de cinco anos e a presença da mamãe havia se tornado desnecessária.
Desafiar o perigo
As crianças finlandesas adoram subir em montes de neve, escalar morros de pedra, usar as ferramentas dos pais para construir e consertar coisas, mexer com faca e praticar esportes radicais. Muito para a cabeça de uma mãe superprotetora que não compra calçados de amarrar para os filhos não tropeçarem. Meu marido tenta me explicar que se machucar faz parte da infância e que as crianças jamais aprenderão sem errar.
Diversas vezes me peguei fechando os olhos ao ver uma criança montando uma cabana na floresta com um serrote, até descobrir que elas aprendem a usar o serrote nas aulas de carpintaria na escola. Pois é, a chave para assumir os riscos é preparar as crianças para enfrentá-los! Assim, podem caminhar aos sete anos sozinhos para a escola, pois conhecem as regras de trânsito. Claro que acidentes acontecem, mas são bem raros. Os pequenos aprendem tudo muito rápido e com muito mais maestria, já que começam a praticar desde cedo. Enquanto isso, eu aguardo o dia que poderei andar de bicicleta sem ser notada…
Aprendendo a deixá-los viver
Os finlandeses são criados sem grandes luxos e com liberdade. Pode parecer arriscado ou até mesmo descuido, mas aqui se desenvolve o senso de responsabilidade desde cedo. Não é nada fácil superar os medos, assumir riscos e aprender as regras do pátio da escola longe dos adultos. Viver sem muros exige que as crianças estejam preparadas para enfrentar o que está do lado de fora.
Queria poder manter meus filhos como a rosa do Pequeno Príncipe, protegidos de qualquer maldade, num mundo ideal. No entanto, aprendi com os finlandeses a criá-los para enfrentar o mundo real, deixando-os tentar seus próprios voos e permitindo que eles percebam que a vida é, afinal, um voo solitário. É preciso coragem e responsabilidade para se voar alto e chegar ao destino final.