É inverno no norte da Inglaterra. A estação teve início no dia 21 de dezembro, bem perto do natal. Era a época de fazer as malas e partir para o Brasil, para o calor. Desnecessário explicar que desta vez não foi possível fazer isso. E essa opção acabou por nos ensinar muita coisa. Em meio à pandemia, tiramos dos armários nossos casacos pesados, gorros e luvas. Para minha surpresa, não “quebrar” o inverno com uma ida ao Brasil fez com que eu sentisse menos o frio. Naturalmente, me adaptei às temperaturas mais baixas e aos costumes invernais na sequência do outono para o inverno. Seguindo o conselho lido em uma revista, busquei abraçar a estação ao invés de tentar evitá-la a todo custo.
Solstício de inverno
O mês de novembro costuma ser o pior em termos de escuridão e choque com o final do outono. Mas é mesmo em dezembro que acontece o solstício de inverno. É ele que está na origem da celebração do natal. Trata-se da noite mais longa do ano. Apesar de marcar o início da estação, os dias começam lentamente a ficar mais claros a partir do solstício. A data inspira introspecção e reflexão. Diz-se ser um bom momento para se livrar de velhos padrões e comportamentos. Nascimento e renascimento estão intimamente ligados às tradições de celebração do solstício de inverno, que foram também incorporadas pela religião católica nas celebrações de natal.
Natal branco
Ouvi Caetano Veloso cantar White Christmas na sua live de natal, junto com o filho. Minhas filhas vestiram Christmas Jumpers (agasalhos com temas natalinos) e cantaram carols na escola (que a esta altura ainda estava aberta). O natal aqui é um pouco como o carnaval no Brasil, observei. As pessoas se fantasiam, usam acessórios engraçados e realmente mergulham no clima. Ao embalo das músicas, comidas e do clima aconchegante, caminhamos vendo as casas iluminadas no nosso bairro. Foi bonito quando as pessoas, às 6 da tarde, saíram tocando sininhos na noite de natal. Na Inglaterra, as restrições pela pandemia fizeram com que não pudéssemos receber visitas, mas algumas amigas vieram na porta de casa trazer lembrancinhas e comidas natalinas, o que foi bem especial. Escrevemos e recebemos cartões de vizinhos e colegas de escola. No espírito de abraçar o inverno, saímos religiosamente para fazer caminhadas todos os dias. Pé na lama, pé no gelo, bons casacos, gorros e luvas. O inverno é bonito, afinal. E não tivemos um dia de natal branco, mas no dia 26 acordamos com tudo coberto de neve.
Quem quer brincar na neve?
É difícil descrever a emoção de acordar, abrir as cortinas e ver tudo branco. Parece que o mundo está coberto de açúcar ou que estamos dentro de um cartão ou globo de natal. Não hesitamos: fomos para fora caminhar e brincar na neve. Misteriosamente, ver as crianças escorregando na colina do parque em frente à nossa casa em seus trenós de plástico me lembrou da praia. Brincamos na neve como quem brinca na areia. Voltamos para casa, fizemos biscoitos, comemos pizza, assistimos a muitos filmes, jogamos jogos de tabuleiro e de cartas. Lembrei que um dos meus maiores medos quando mudamos para cá era o medo do inverno desconhecido, para quem vem do Rio de Janeiro. Mas agora ele já não parecia tão assustador assim. Talvez eu fosse mesmo capaz de domar essa estação e até aprender a gostar dela. O medo do isolamento também parecia ter dado uma trégua, pois estávamos em harmonia com a natureza.
Novo ano no inverno
As previsões para este inverno não eram das melhores. Bleak winter (inverno sombrio) foi uma expressão que apareceu nos noticiários não apenas para descrever a temperatura, mas para se referir à dureza que a pandemia traria no inverno. Números de casos e mortes aumentando, nova variante do vírus, voos cancelados e, finalmente, nosso terceiro lockdown. Tivemos medo, saudades e precisamos seguir uma série de regras impostas pelo governo para tentar conter o avanço do vírus. O mundo exterior exigiu resiliência, flexibilidade e sabedoria para lidar com tudo aquilo dia após dia. Havia também as boas notícias de vacinas e a vacinação de fato se iniciando, o que trouxe algum alento.
Esperança
Um pássaro desses enormes, um magpie branco, preto e azul, caminha no nosso quintal, em cima da neve. Depois vem um blackbird e lembramos da canção dos Beatles. Minutos antes do ano novo, vimos uma raposa caminhando tranquila ao redor das casas da nossa rua. Há muita beleza no inverno e a gente conseguiu enxergar isso tudo, mesmo nesse inverno sombrio. Apesar da distância dos parentes, dos desafios da pandemia e das previsões desanimadoras. A vida acontece também dentro da gente e é preciso estar atento a isso. Não se trata de alienação ou de esquecer do sofrimento e do cuidado necessário. Mas manter o coração aberto e aquecido para descobrir que mesmo no inverno a vida floresce.
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