Disciplina, crianças e a família francesa
Assim que cheguei na França e comecei a conviver com a família do meu marido, que é francês, me chamou a atenção a forma como os pais agiam com as crianças. Existe aquela fama de que as crianças francesas são mais comportadas, não fazem manha. Eu confesso que me surpreendi. Achei-as bem mais tranquilas do que estava acostumada. Mas crianças são crianças. E, aqui na França, elas também choram, se jogam no chão, ficam emburradas, como qualquer outra no mundo.
A diferença que eu percebo convivendo com as crianças da família (para situar: seriam de classe média a classe alta no Brasil), observando outras quando saio, pelo que indicam os pediatras e professores e com o convívio da creche: os pais são bem mais rígidos. Se isso é bom ou ruim, eu deixo a você definir.
Mas quero contar sobre como muitos franceses educam os filhos. Deixando bem claro que essa é uma visão parcial, a partir do grupo que relatei acima, de diversas leituras e reportagens que fiz e faço e de famílias francesas que acompanho nas redes sociais. Como em qualquer lugar do mundo, existem pais que adotam tipos de criação diferentes.
Aqui, os franceses são bem firmes. Estabelecem regras, dão bronca, deixam de castigo. Uma das expressões que ouço muito para justificar as chamadas de atenção é: “as crianças agora mandam aqui?”. Outra, quando elas não são autorizadas a fazer algo, é “você não tem o direito de fazer isso”. Ter o direito, para mim, é algo bem forte, mas é assim que eles falam naturalmente.
Como se organizam as famílias
Uma característica importante é que aqui a educação dos filhos é algo que cabe realmente aos pais. Babás são caras, geralmente contratadas apenas para bebês pequenos ou por poucas horas por dia entre a escola (que termina às 16h30) e a chegada do trabalho. Fim de semana, os pais cuidam dos filhos. À noite, os pais cuidam dos filhos. Empregadas domésticas eu nunca conheci quem tenha. Bem mais comuns são as diaristas que vêm na sua casa e passam algumas horas para limpar. Elas não cozinham, não lavam a louça ou cuidam das crianças. Algumas famílias contratam jovens au-pairs, que acabam fazendo serviços diferenciados de acordo com o contrato acordado. Mas para isso é preciso haver uma estrutura de moradia e, além disso, as pessoas nem sempre são muito abertas a ter alguém desconhecido morando em casa.
Horários determinados
Seguir uma rotina é importante para que essa organização funcione bem. Por isso, as crianças possuem horários bem estabelecidos para comer, tomar banho, dormir, ver TV, brincar com eletrônicos. Em diversas famílias, elas não têm o direito de fazer os dois últimos todos os dias da semana – mesmo nos fins de semana o tempo é limitado.
Claro que os pequenos tentam negociar, choram, se escondem para não ir dormir, jogam escondidos. Porém os pais são categóricos e não cedem. Descumprimento é punição. Não quer dormir no horário determinado? Sem problemas, é só ficar no quarto e ler até o sono chegar. Nada de ver TV (que aliás nunca vi no quarto de uma criança) ou ficar brincando e decidir quando quer dormir.
Regras durante as refeições
As refeições são outro ponto bem diferente do que estava acostumada a ver no Brasil. Nada de mesas barulhentas, suco ou guaraná passando para lá e para cá. Ou mesmo metade da família comendo em uma hora e a outra em outro momento (no sofá com o prato na mão, então, nem a sobremesa é permitida).
Antigamente, crianças comiam separadas dos adultos ou na mesa em silêncio. Hábitos que hoje são quase extintos. Entretanto, se elas se sentam à mesa, precisam se comportar e respeitar os conceitos básicos determinados para o momento.
Vale lembrar que aqui existe entrada, prato principal, queijo e sobremesa. Uma pessoa serve todas as outras, geralmente é a dona da casa quem o faz. Mas quando se está em uma refeição mais descontraída, isso pode ser feito por outro membro da família ou amigo.
As crianças não são autorizadas a saírem sem que toda a refeição acabe. E, como normalmente os adultos continuam na mesa conversando um tempo depois, elas precisam pedir para saírem. Se se levantam e se vão, levam bronca.
Não é permitido falar enquanto um adulto fala. Ninguém para para ouvir a criança que fala ao mesmo tempo que os outros ou fica chamando alguém sem parar. E elas são repreendidas se o fazem, pois é preciso esperar quem esteja falando primeiro terminar. Claro que elas têm o direito de participar, mas cada um de uma vez. Não podem falar alto ou gritar para chamar alguém que não esteja a ouvindo.
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Os pais escutam, sim, os filhos e os incentivam a participar dos assuntos comentados durante a refeição. É um momento de troca e conversa, só que com regras que eles consideram como educação.
“Por favor” e “obrigado” são extremamente importantes e muito usados o tempo todo. Criança não se senta à mesa e diz: “Quero batata. Me dá mais”. Para pedir alguma coisa eles usam uma forma de falar que seria traduzida para “Eu posso ter água, por favor?”. Sempre seguido de um “Merci” (obrigado) e do nome da pessoa ou título dela: vovó, mamãe, senhora (quando é alguém desconhecido), etc. Desde a creche essas regras já são ensinadas. Se um bebê não quer comer, ele precisa esperar os outros terminarem para poder sair.
Foi observando essa forma de educar que entendi o comportamento “mais calmo” dos pequenos. Sendo uma família formada por culturas diferentes, e morando fora do meu país, é muito importante compreender o modo como as crianças são criadas. Isso me permite saber como minha filha será tratada no ambiente escolar, o comportamento que será dela esperado. E, assim, também como me posicionar e poder equilibrar as diferenças com a minha cultura.
Para terminar, uma curiosidade: existe um livro direcionado às crianças que explica as regras e o comportamento correto à mesa. A primeira edição foi lançada em 1986, mas é vendido ainda hoje. O “Le convive comme il faut”, que eu traduziria como “O convidado perfeito”, de Philippe Dumas, utiliza o humor para tratar o assunto sem deixar de ser sério. Neste vídeo aqui dá para entender um pouco da abordagem e regras.
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