Desigualdade de gênero na infância no Brasil e nos Estados Unidos
Eu e meu marido estávamos conversando com os pais de uma amiga da nossa filha e eles nos perguntaram o porquê da nossa filhota não estar participando do time de futebol da escola. Ele, norteamericano, e ela, canadense, tinham dificuldades para entender o motivo pelo qual não havíamos inscrito a nossa pequena nessa atividade, afinal, nós somos do país do futebol! Para além do estereótipo, eles também já sabiam que o meu marido adora “jogar bola”. Nós demoramos a conseguir formular uma resposta porque nunca havíamos refletido sobre o assunto. Eu expliquei a eles que no Brasil as meninas não são tão estimuladas à pratica do futebol como os meninos. Aos poucos o cenário está mudando, mas as pessoas ainda encaram com um certo estranhamento as meninas que jogam futebol. O próprio futebol profissional feminino não é tão valorizado como o masculino, apesar de já ter conquistado excelentes resultados e da jogadora Marta ter sido considerada pela FIFA a melhor do mundo durante vários anos.
As aulas de educação física no Brasil
De repente me lembrei de um episódio que me deixou muito desapontada com a escola que a minha filha estudou durante três anos no Rio de Janeiro (entre os 4 e 7 anos de idade). Fui ao colégio torcer pela equipe dela na olimpíada escolar, e quando cheguei ao estádio me dei conta que estavam ocorrendo dois jogos simultaneamente: o futebol masculino e o queimado feminino. O que me deixou estarrecida foi que os meninos ocupavam todo o campo principal de jogo, enquanto as meninas jogavam espremidas em um espaço atrás de um dos gols. Quando vi aquele cenário, fui comentar o caso com algumas mães que estavam na arquibancada torcendo. Algumas concordaram comigo, mas não se mostraram tão surpresas ou indignadas como eu. Por que o futebol masculino era considerado mais importante do que o jogo de queimado feminino? Por que a escola já diferenciava algumas atividades “femininas” e outras “masculinas” para crianças de 6 anos de idade? Por que nós, pais, aceitávamos passivamente e sem questionamento esse modelo que a escola nos oferecia?
Leia também Criando filhos em Nova Iorque
Puxando pela minha memória, me lembrei um pouco das minhas aulas de Educação Física na escola, e não me recordo de ter jogado futebol. A partir de uma determinada idade, eles separavam os meninos e as meninas, e muitas vezes, enquanto os meninos jogavam futebol, nós, meninas, jogávamos “queimado” ou “pique bandeira”. Fico imaginando que a justificativa devia ser a de proteger as meninas contra a força e a agressividade dos meninos. Mas será que esse é o melhor caminho? Será que é dessa forma que queremos que as nossas meninas e os nossos meninos sejam criados? Eu não tenho respostas prontas e acabadas para todas essas perguntas, mas desde que o casal me perguntou sobre a participação da minha filha no time de futebol, eu fiquei repensando muitos dos costumes que são apresentados como “normais” e que acabamos incorporando e aceitando sem reflexão.
Atividades esportivas nos Estados Unidos
Minha filha tem 10 anos e está cursando o equivalente ao quinto ano do ensino fundamental no Brasil. As aulas de educação física dela são mistas. A escola tem também times mistos de futebol e basquete, que competem com outros colégios da cidade. Essas equipes são formadas por meninos e meninas do 5º ao 8º ano do ensino fundamental. A minha pequena também faz aulas de basquete fora da escola, em um complexo desportivo onde há aulas de futebol, hóquei, ginástica olímpica, e etc. As aulas para as crianças da idade dela são sempre mistas. Na minha visão, os Estados Unidos estão mais desenvolvidos do que o Brasil na questão da igualdade de gêneros durante a infância. Alguns avanços ainda precisam acontecer por aqui também, e isso transparece no número de meninos e meninas na turma de basquete da minha filha: são 4 meninas e mais de dez meninos. Observo que acontece o mesmo em relação ao futebol e o oposto em relação à ginastica olímpica: um número muito maior de meninas do que de meninos. De todo modo, é perceptível que os Estados Unidos estão mais avançados que nós, no Brasil, e as meninas que praticam esses esportes não são vistas como “diferentes” ou “masculinizadas”.
Infância no Brasil e nos Estados Unidos
A impressão que eu tenho é que nos Estados Unidos a infância se extende por mais tempo que no Brasil. Diferentemente do que acontece no meu país, nunca vi pais e mães aqui fazendo referências a crianças do sexo oposto como “namoradinho(a)”. Todos são tratados como amigos pelos adultos. No Brasil, esses comentários são comuns desde o jardim de infância. Quando uma menina e um menino brincam muito juntos, os adultos já começam a querer prever “um romance”, que na maior parte das vezes só existe em suas cabeças. Embora eu esteja falando do microcosmo que eu conheço melhor, que é a escola da minha pequena, essa minha impressão também é compartilhada por outras mães brasileiras que têm filhos em escolas diferentes. Elas me relataram que percebem que seus filhos e filhas, que têm entre 9 e 15 anos, são crianças mais inocentes que os filhos de parentes e amigos da mesma idade no Brasil. Elas notam também que eles são menos estimulados socialmente a namorar desde cedo.
Os Estados Unidos não estão entre os países mais bem posicionados em relação à equidade de gênero no Global Gender Gap Report 2018 do Fórum Económico Mundial. Atualmente ele está na posição 51 do ranking, tendo piorado em relação ao relatório de 2016. Fico meio em dúvida em relação à eficácia da metodologia utilizada quando observo que países como Bolívia e Moçambique aparecem em posições mais favoráveis que os Estados Unidos. De todo modo, os posicionamentos do Brasil (posição 95) e dos Estados Unidos (51) refletem mais ou menos o que eu penso em termos de desigualdade de gênero nos dois países: os Estados Unidos não são o paraíso da igualdade, e consequentemente não são o melhor país do mundo para criarmos nossos filhos, mas as condições são infinitamente melhores que as do Brasil.
2 Comentários
[…] Leia também: Desigualdade de gênero na infância no Brasil e nos Estados Unidos […]
[…] Leia também: Desigualdade de gênero na infância no Brasil e nos Estados Unidos […]