A cobrança pela maternidade em Israel.
Em 2004 deixei o Brasil para vir fazer Mestrado em Ensino de Línguas na Universidade Tel Aviv. Anos antes, havia feito intercâmbio cultural por um ano em Utah – EUA e me considerava super aberta e adaptável a diferenças culturais. Hoje, após 13 anos em Israel, percebo o quanto aprendi, mudei e me adaptei.
No início não me incomodava com os comentários de que meu relógio biológico não andava ao meu favor e que era melhor eu arrumar um marido logo e ter filhos. Os comentários e os “conselhos” vinham de qualquer um, até de estranhos em uma simples conversa informal, seja no ônibus , na academia ou supermercado.
Como assim? A explicação é simples: os israelenses têm o costume de fazer uma enxurrada de perguntas logo de cara, dentre elas, se você é casada e tem filhos. Com o tempo pude perceber a campanha massiva a favor da maternidade, seja através do matrimônio, da produção independente ou por contrato. Isso mesmo, contrato! O último caso foi uma solução encontrada por diferentes grupos de pessoas que querem ter filhos, mas não necessariamente estão em um relacionamento. Assim, a criança tem um pai e uma mãe e sua guarda é compartilhada. E é aí que entra o contrato, onde dentre outras coisas são estabelecidos direitos e deveres.
Com o passar dos anos comecei a me “desculpar” por não ter filhos, mas continuava perplexa ao escutar coisas do tipo: “a vida sem filhos não tem sentido, se vive para os filhos”.
O amor, duas crianças e mais cobrança
Anos mais tarde tive a felicidade de me apaixonar e de me casar. Junto com este amor vieram duas crianças, na época com 6 e 4 anos de idade que, teoricamente, moram conosco duas vezes por semana e em finais de semana intercalados. Temos a sorte da flexibilidade em ambos os lados, fazendo com que este arranjo seja bem confortável pra todos.
Mas a cobrança continuava. Quantas vezes, em nossos passeios de final de semana, alguém se dirigia a eles como meus filhos e as crianças corrigiam dizendo que eu não era a mãe, mas a esposa do pai. Isso era mais um gancho para o comentário de que eu deveria me preocupar em engravidar “ontem”.
Sempre achei que a maternidade fosse algo que aconteceria normalmente e na hora certa, so não tinha como controlar essa tal de hora certa. Embora fosse cobrada todos os dias eu sabia que não estava preparada. Nem eu e nem o meu marido, que já tinha filhos pequenos. Ainda quando namorávamos conversamos sobre o assunto e o plano foi esperar, pois um, a gente queria se curtir e dois, as crianças teriam tempo e espaço pra se adaptarem à nova realidade. Como parte do plano e por causa da minha idade (40 anos na época), procuramos um especialista em fertilidade com o intuito de congelar nossos embriões para, um dia, fazermos a transferência e engravidar.
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Israel é um dos países mais desenvolvidos em tratamentos de fertilidade, os tratamentos sao subsidiados pelo governo para os primeiros dois filhos e é o único pais do mundo que financia os custos sem limitar o número de tratamentos de FIV para mulheres até os 45 anos, mesmo a taxa de sucesso sendo baixa. Segundo o jornal Haaretz, a taxa de sucesso resultando em nascimento em 2016, em mulheres com menos de 35 anos, foi de 31,3% e 3,8 % de sucesso entre mulheres acima dos 43 anos de idade.

Foto: Unsplash
E agora? Plano B traçado, mas a campanha e a pressão geral continuava. Deixei de me “desculpar” e esperei com paciência ate que estivéssemos prontos a engravidar.
Quantas vezes escutei de vizinhos e desconhecidos para procurar tratamento, mas pra ser honesta, eu ja tinha me acostumado ao jeito israelense de ser e não me sentia na obrigação de compartilhar meus planos.
Quando a hora chegou fiz novamente tratamentos hormonais para receber os embriões, tratamento quase idêntico ao da retirada dos óvulos, regado a muito hormônio e muitas injeções. Logo de início descobriram um líquido no meu útero que poderia prejudicar a implantação do embrião; tentamos umas duas ou três vezes sem sucesso. Pensei: “Eu posso não ter filhos, por mim tudo bem! O difícil é ter que ser bombardeada todos os dias por não ser mãe!” Foi aí que nosso médico nos sugeriu a opção da barriga de aluguel. A fim de evitar mais perguntas e cobranças, não dividimos com amigos antes da semana 24.
Barriga de aluguel em Israel
Barriga de aluguel aqui é permitido (pago), no entanto, o processo é longo e depende da aprovação de um conselho. Resolvemos então fazer em Tbilisi, na Georgia, com uma agência israelense e medicos e técnicos em laboratório também israelenses, e com uma super estrutura de apoio, incluindo toda a burocracia junto ao hospital de nascimento e a embaixada/consulado de Israel, para a emissão do passaporte do bebê para quando retornássemos pra casa.
Quando voltamos pra casa com nossa linda filha, hoje com um ano e um mês, e a apresentamos para vizinhos e amigos menos presentes, ouvi muito: “Mas e a mãe?” “Mãe? Que mãe? A mãe sou eu!!!” Foi aí que percebi o quanto as pessoas desconhecem o assunto. Nós mesmos não conhecíamos ninguém que tivesse feito antes. Recebi muito carinho e felicitações também.
Por mais que causando estranheza aos israelenses, nossa filha veio na hora certa. Ela trouxe junto consigo a possibilidade de eu me reinventar, de entender o porquê de todo esse frisson sobre ser mãe. Só ela conseguiu me fazer compreender o que eu levei anos ouvindo e não me tocava. A sociedade israelense é bastante moderna e ocidentalizada ainda que, por vezes, tão conservadora. Ter filhos é prioridade e a campanha da cobrança é pesada e generalizada, mas hoje eu me emociono com a benção que é ser mãe e eu não sabia.
9 Comentários
Nossa! Que incrível sua história!!! Parabéns por toda sua resiliência e por ter seguido seu momento e fico feliz de ver que tudo deu tão certo!!! 💜💙💜
Olá Nadja, isso foi um pouquinho das surpresas que a vida nos mostra. Que legal que você curtiu. Tudo acabou por dar super certo! Obrigada pelo comentário.
Texto lindo, honesto e uma delícia de ler! Que história linda e que interessante saber um pouco sobre essa cobrança da sociedade israelense. Mal posso esperar pelo seu próximo artigo! Parabéns!
Obrigada, Dea pela força e inspiração. Sou fã da sua colaboração no Brasileirinhos pelo Mundo. Bjs
Adorei seu texto, leve ,claro e objetivo. É Bom saber que você está feliz e realizada ,Um grande abraço.
Fico feliz com seu comentário, Alice. Obrigada pelo carinho.
Obrigada, Alice. Nunca imaginei que seria tāo especial!!!
Eu e minha esposa estamos indo para Israel para um tempo de voluntariado. Gostaria de saber se , por um acaso nós engravidarmos, podemos ter o filho no país através do sistema público de saúde? Além disso, como funciona a questão de nacionalidade? Obrigado.
[…] falei anteriormente sobre a cobrança pela maternidade aqui . Dessa vez, vou contar um pouco da minha experiência como mãe em tempo integral de uma linda […]