Bola fora, rata, mico, mancada, perrengue, diferentes expressões usadas Brasil afora com o intuito de demonstrar uma situação pela qual passamos vergonha e constrangimento. O dicionário as define como fazer um comentário indevido ou, fora de hora.
Claro que depois podem virar boas lembranças e muitas risadas, mas no momento em que acontecem, geram uma situação inusitada.
Morar fora do Brasil abre um leque de oportunidades para que elas aconteçam. Culturas diferentes, novidade para quem chega, curiosidade para os que querem conhecer os forasteiros, um prato cheio. Assim, nesse texto resolvi contar alguns fatos, passagens da minha vida, da época em que morávamos na Holanda. Então vamos lá, perpetuar o mico!
Família itinerante
Moramos três anos na Holanda. Nesse período conseguimos “pagar alguns micos”. No final, já estávamos até acostumados. Anteriormente, eu e meu marido morávamos em Minas Gerais, quando ele recebeu a proposta de mudança internacional. Já contei um pouco sobre nossos paradeiros em outras oportunidades, se quiser conhecer nossa história um pouco mais clique aqui.
Nessa época o meu filho mais velho tinha 1 ano e 10 meses e eu estava grávida do segundo. Como preparação, passei a ler muito sobre o nosso destino. Devorei livros, blogs, conversei com alguns holandeses. Apesar disso, muitos costumes só tive a oportunidade de aprender no dia a dia.
Se por acaso você está se mudando para a Holanda, irá visitar ou quem sabe conheça algum holandês, fique atento para evitar algum desses micos que passamos.
Aparências locais
Certamente, a cultura holandesa é bem diferente da brasileira. Em geral, nós brasileiros somos mais despojados, informais, às vezes impontuais. Em compensação, costumamos ser parceiros, amigos e calorosos. Os holandeses, por sua vez, são formais, pontuais, mas também sinceros, diretos e alegres.
Logo que chegamos na nossa casa nova, numa cidadezinha próxima à Amsterdã, os vizinhos muito solícitos vieram nos dar boas-vindas. Por ali, a vizinhança em geral era acolhedora. Todos os anos faziam festas na rua para confraternizar. Nesse cenário, nos receberam muito bem.
Nunca pergunte a uma holandesa grávida qual é o sexo do bebê
Por coincidência, os vizinhos mais próximos, cujo quintal nos separava por um muro baixo, também esperavam um filho. A esposa estava grávida com poucas semanas de diferença. Isso nos rendeu um belo papo já nos primeiros dias e encontros pelo quintal.
Assim, procurando ser gentil e iniciando uma amizade, fui logo contando que eu estava esperando um menino e seu nome seria Eric. Claro que não me contive e perguntei sobre o bebê dela. Frases já costumeiras no Brasil: é menino ou menina? Como vai se chamar?
Meio sem graça, ela me respondeu que ainda não sabia. Em seguida, emendou: “É que aqui na Holanda nós preferimos contar somente ao nascimento”.
Para piorar um pouquinho a situação, ela ainda me disse que o nome eles contariam para todos por meio de um cartão, um comunicado formal para a família e os amigos. Foram duas bolas fora de uma só vez!
Para entender melhor a cultura holandesa em torno da gravidez e nascimento, não deixei de ler Tradições holandesas para a celebração de uma nova vida.
Conheça bem o processo de reciclagem e coleta de lixo local
Tanto no Brasil quanto em outros países que moramos, sempre separei o lixo para reciclagem. Mas confesso que para aprender o esquema holandês foi um pouco difícil. Ainda recém-chegados, quando recebemos nossa mudança não sabíamos bem como funcionava o processo.
Dessa maneira, procuramos o contêiner de lixo para papéis que fosse mais próximo, uma vez que o recipiente da nossa casa não comportava tudo o que tínhamos. Havia um bem próximo, apenas a um quarteirão de distância. Na verdade, a caixa quadrada parecia um tanto pequena para tudo o que precisávamos depositar.
Por isso, resolvemos colocar aos poucos. Deixamos as caixas empilhadas ao lado do lixo. Passamos a monitorar se o caminhão levaria a remessa para seguirmos com o nosso plano. Aparentemente, tudo estava resolvido. Depois de alguns dias as caixas não estavam mais lá então, levamos as demais.
Para nossa surpresa, recebemos uma visita. Um holandês alto de fala rápida bateu em nossa porta. Pedimos para que a conversa fosse em inglês. Ele nos explicou já cansado que uns dias antes cortou algumas caixas de papelão e as depositou no lixo. No entanto, dessa vez ele não iria fazer. Desse modo, buscou o nosso endereço em uma das caixas e foi nos ensinar como jogar as caixas de papelão. Deveríamos cortá-las para entrarem na pequena abertura!
Além da lição sobre a reciclagem e como fazer a coleta de lixo na Holanda, aprendemos outras. Uma delas foi perceber o papel de todos nós em relação à comunidade e ao meio ambiente. Ensinar, cuidar, fazer a sua parte. Lógico que o embaraço no momento também foi tão grande quanto as lições aprendidas.
Carregue sempre a chave de casa no seu bolso
Também tivemos alguns incidentes com portas. A primeira regra: carregue sempre a chave de casa no seu bolso. A segunda: nunca confie na porta aberta para jogar o lixo, ela irá bater, fechar e você ficará trancada do lado de fora. A terceira: nunca deixe o seu filho dentro de casa para jogar o lixo, pois lembra da segunda regra? A porta fe-cha-rá! A quarta e última: nunca confie no seu filho ao deixá-lo próximo a um trinco da porta. Certamente, ele irá te trancar para fora.
Os ares serenos do bairro holandes também têm outras peculiaridades. Todas as casas são muito parecidas, com uma entrada da frente e uma nos fundos. Eram cheias de grandes janelas de vidros que se podia enxergar a casa toda, tanto da frente quanto dos fundos.
As semelhanças também diziam respeito à possibilidade da porta fechar e necessitar da chave para ser aberta. Pelo menos era assim que pensávamos.
Nos nossos anos de Holanda, não sei ao certo quantas vezes ficamos trancados para fora. Em contrapartida, descobri que os holandeses também têm o seu “jeitinho”.
Em suma, outra vizinha me viu no sufoco e me socorreu. Na verdade, muitas vezes. Ela me mostrou que um cabide de roupas era o suficiente para abrir a porta por fora. Todo o processo era facilitado pois a entrada do correio ficava perto da maçaneta!
Recordações
A única vez em que ela não conseguiu nos ajudar foi quando meu filho de dois anos nos deixou trancado para fora. Estávamos brincando na neve, ele se cansou e entrou. Ficamos um pouco mais com o mais velho e seguimos olhando-o pelo vidro. O trinco da porta era fácil de manusear e ele o abaixou. Só não entendia que precisava levantar para que entrássemos em casa. Dessa vez, meu marido teve que desmontar o batente da porta para que pudéssemos entrar...
Por fim deu tudo certo e as crianças mal entenderam o que aconteceu. Ficam as memórias e recordações. Os vizinhos ainda mantêm contato, aprendemos a cuidar do lixo na Holanda e nossos filhos cresceram, agora já conseguem nos ajudar com as portas.
E você, tem histórias engraçadas de perrengues e micos que já pagou nessa vida fora do Brasil? Conta aqui pra gente rir junto!