A batalha por opções saudáveis na lancheira e na escola
Meu filho sempre comeu super bem. Confesso que até me orgulhava de contar para as amigas a paixão desenfreada que ele tinha pelo tomate cru com sal. Na escola do Brasil ele também mantinha uma alimentação saudável, uma vez que a cozinha era interna, com nutricionista própria, e recebíamos o cardápio semanal com antecedência. Em 2018, meu filho completa seis anos sem nunca ter tomado refrigerante. Em casa também sempre comemos bem – e por bem entenda-se um cardápio variado e balanceado (tirando as preferências do papai por refrigerante e pão francês, quando pode escolher). Entre brócolis, arroz integral e cenoura, seguimos. Até que chegamos na China.
Veja, não estou aqui colocando em discussão ou fazendo julgamentos sobre quaisquer criações ou escolhas familiares, estou expondo a minha experiência detalhada para que refletir sobre as mudanças culturais, os hábitos alimentares e como, muitas vezes, nos tornamos frutos do meio em que vivemos.
Como ele estuda em um colégio internacional, a escola opta por não restringir os almoços a uma cultura específica, sendo assim, muitas vezes me deparo com cardápios semanais onde as opções são: pizza, macarrão, sanduiche de presunto, hot dog e, sim, algumas vezes muitas dessas opções na mesma semana. Como fazer? Posso mandar o almoço de casa? Posso, mas a primeira vez que tentei fazer isso foi num dia em que os amigos almoçaram pizza e ele arroz, feijão, frango e salada. Recebi em casa um filho bem alimentado, mas extremamente frustrado.
Além disso, o lanche da manhã todos devem levar de casa (as aulas acontecem das 8h às 15h) No início do ano, eu mandava frutas, palitos de cenoura e sucos naturais, mas na maioria das vezes a lancheira voltava com grande parte do que eu havia mandado porque ele e os amigos dividiam os lanches. E o que tinha na lancheira dos amigos? Bolacha ou biscoito – como queira – recheado, e tudo o mais ensacado, empacotado, industrializado e tantos outros ‘ados’ dos quais tanto tentei fugir e que são as grandes alternativas aqui na China. É muito comum você sair na rua e ver as crianças com a mão dentro de algum ‘saquinho’ de comida…
Resisti o quanto pude até ser questionada por ele do porquê só a lancheira dele era ‘chata’. Busquei opções como biscoitos de polvilho e alguma coisa sem tantos recheios. Acabei por me render a alguns pacotinhos e sucos de caixinha. Conclusão: recebi um filho não tão bem alimentado, mas extremamente feliz.
Essa situação me levou a inúmeros questionamentos. Entre eles: como chegar a um equilíbrio? Como manter o mínimo de alimentação saudável em um dia em que mando os tais pacotinhos e ele almoça pizza? Como ensiná-lo a não comparar as lancheiras quando o amiguinho leva refrigerante e pão com Nutella de lanche? E a pergunta mais importante: como viver bem uma cultura tão diferente sem perder nossos valores, aquilo que para nós sempre foi importante? Desafios de viver uma maternidade expatriada.
Ser realista e flexível é o melhor caminho para se adaptar
A essa altura você deve estar pensando: mas, Juliane, você poderia fazer como as mães coreanas que mandam pepinos, arroz e tomate de lanche. Sim, eu poderia. Mas, convenhamos, meu filho não é coreano e nem de longe tem esse hábito alimentar – apesar de eu gostar muito, cá entre nós.
Quando cheguei na China, tinha a ilusão de que todos em casa seríamos mais saudáveis, afinal os chineses comem bem melhor. Mas não foi isso que aconteceu. Primeiro porque não convivemos com os chineses nas refeições, segundo que não há crianças chinesas na escola em que meu filho estuda.
Para contextualizar mais um pouco, quando ele foi convidado para a primeira festa de aniversário, vivemos uma experiência cheia de surpresas. A festa acontece durante a semana e geralmente começa depois da escola. A duração é de duas horas e é de extremo bom gosto o pai aparecer para buscar por volta das 17h. Na maioria das vezes, acontece em um espaço kids dentro de um shopping próximo ao colégio e você tem uma chance para responder o que em 99% das vezes é servido nas duas horas de festa: sim, pizza e suco de caixinhas! Desnecessário dizer que as crianças se divertiram como nunca e eu fiquei pensando que nunca mais deixo um rim no Brasil para fazer festas de aniversário.
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Após todas as nossas primeiras vezes, seja na lancheira, no almoço escolar ou nas festas de aniversário, fizemos uma ‘reunião familiar´ e chegamos a um consenso: no dia que a escola está, segundo nossa avaliação, servindo opções não tão boas, o lanche tem um misto dos dois e o jantar é super, mega, hiper, ultra saudável. O dia em que ele almoça arroz, uma proteína e salada, o lanche também é saudável e o jantar pode ser um pouco mais light para ele. E assim seguimos, todo mundo confortável.
Foi a melhor solução? Não sei para todo mundo, mas foi a melhor solução para nossa família. Mamãe e papai mais flexíveis e filho integrado, feliz e bem alimentado. De novo, não estou dando fórmula mágica nesse texto, estou abrindo nossos perrengues aqui porque a expatriação tem seu lado bom, mas tem também um período gigante de adaptação e mudança e toda troca de experiência agrega e contribui.
Nosso grande aprendizado depois desse mundo de experiências foi que viver na China é completamente diferente de viver A China. Talvez precisemos sair da bolha dos estrangeiros um pouco mais, talvez precisemos comer uns insetos por aí nas barraquinhas de rua, talvez… mas, por ora, seguimos felizes e confiantes de estarmos fazendo o melhor para nós, sem agredir nossos valores e nos abrindo para a riqueza de novos pontos de vista e para a beleza de sair de nossa zona de conforto.
E você? Há quanto tempo está vivendo em sua zona de segurança?
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