No texto passado falei da dificuldade da maioria dos franceses em falar/entender outros idiomas. Mas não é somente com outras línguas que o problema acontece. Com o próprio francês eles se atrapalham e muito. E parece que há um certo orgulho em admitir que é complicado aprender francês.
Quando eu falo para alguém que ainda cometo alguns erros, a pessoa se apressa em dizer: “Ah, mas a nossa língua é muito difícil!”, com uma ponta de soberania, como se os falantes do francês fossem todos autores de verbetes no dicionário e que a língua deles fosse quase inacessível para os meros mortais! Mas não deixo por menos e já vou dizendo que o português é tão ou mais difícil quanto!
Dificuldades em matemática também
Um estudo recente mostra que os franceses não vão bem em matemática e ciências. Confesso que fiquei surpresa, porque considerando a dificuldade das pessoas aqui com a expressão escrita, eu imaginava que eram certamente melhores em ciências exatas. Mas os resultados franceses são os piores da União Europeia!
Voltando para a questão da língua, o estudo apontou que a principal fonte de dificuldade é a ortografia gramatical, assim como a concordância verbal e nominal. O resultado medíocre em ortografia é um fenômeno generalizado. Segundo esse estudo, o problema abrange todos os tipos de alunos, independentemente do gênero, da idade ou da classe social e está presente tanto no ensino público quanto no particular.
Mesmo os estudantes em ensino superior apresentam graves lacunas ortográficas. Profissionais da área apontam algumas hipóteses para essa queda observada no nível de domínio da disciplina:
- Declínio da leitura
- Diminuição da carga horária para essa disciplina
- Abreviação das palavras em mensagens enviadas por SMS, ou redes sociais, privilegiando a utilização de imagens e emojis.
Há que se considerar que no francês muitas palavras possuem uma ou mais letras não pronunciadas. Como”chapeau” (chapéu). A combinação das três letras “eau” se pronuncia [o]. E na conjugação verbal, muitas pessoas se perdem entre o infinitivo e o verbo conjugado, que se parecem. Sem falar os que têm a tendência de transformar tudo em verbo e concordar o nome com outro nome pensando que estão conjugando!
Verlan
Mas mesmo muito antes do fenômeno mundial das redes sociais e da simplificação da linguagem, na França já se praticava uma espécie de dialeto denominado “verlan” (trata-se da palavra “l’envers” (inverso) dita de frente para trás). Essa maneira de se comunicar consiste em falar algumas palavras de forma invertida e já se observava no século XVII.
No quotidiano é muito comum ouvir palavras e expressões como :
teuf = fête (festa)
vénère = énervé (irritado )
meuf = femme (mulher)
zarbi = bizarre (estranho)
teubé = bête (burro)
laisse béton = laisse tomber (deixa pra lá) Essa expressão é inclusive o nome de uma música muito conhecida do cantor, não menos conhecido, Renaud.
fait ièch = fait chier (enche o saco)
Stromaé
Um outro cantor utilizou o verlan para escolher seu nome artístico : Stromaé (Maestro). De origem belga, o artista considerou que seu verdadeiro nome, Paul Van Haver, não era muito fácil de pronunciar. Curiosamente, a marca da grife que o cantor lançou com a mulher chama-se Mosaert!
Linguistas apontam que o verlan não se resume ao submundo ou ao contexto carcerário, onde pode ser utilizado como forma de código, mas se observa a sua utilização mesmo em grandes escolas de secundário em Paris.
Abreviaturas
O linguista Bernard Cerquiglini escreveu até um livro que trata do assunto: “Parlez-vous tronqué?” (Você fala truncado ?)
No livro, ele usa a frase “Ce prof de fac un peu bourge rêve d’un appart avec la clim” (Esse professor de universidade meio burguês sonha com um apartamento com ar condicionado) como exemplo. Cada uma dessas palavras em destaque está escrita na sua forma abreviada.
prof = professeur
fac = faculté
bourge = bourgeois
appart = appartement
clim = climatisation
E as pessoas falam assim mesmo!!! Levei um tempão para me acostumar. Às vezes não entendia uma palavra e descobria algum tempo depois que já a conhecia, só não tinha reconhecido a forma apostrofada. Para quem está disposto a aprender francês é realmente um entrave se deparar com essa forma de falar o idioma.
Existe também a maneira de escrever foneticamente, principalmente no envio de SMS. Essa linguagem tem origem nos primórdios do “Short Message Service”, na época caro e reduzido a 160 caracteres por texto. Por exemplo:
“Il fait bô” em vez de “Il fait beau“. (o tempo está bonito)
“Keske” em vez de “que est-ce que” (o que…)
“G” em vez de “J’ai” (eu tenho)
Eu confesso que não gosto muito dessa maneira de falar ou escrever. O francês (como o português) é uma língua tão rica, tão bonita, e a beleza de muitas palavras se perde nessa mania de diminuí-las. Mesmo quando envio SMS perco tempo mas tento escrever da melhor maneira possível!
E você? O que acha dessas mudanças nas línguas? É fácil aprender francês assim? Conta para a gente!