Adoções forçadas na Inglaterra
No meu último texto falei sobre o meu pânico em relação às assistentes sociais. E por quê? Porque aqui na Inglaterra há um esquema de adoções ilegais, em que crianças são tiradas de suas famílias, muitas vezes sem razões plausíveis. No Reino Unido há um protocolo segundo o qual os profissionais de unidades de saúde ou escolas fazem denúncias sempre que detectam sinais de maus tratos ou negligência em uma criança. Ao contrário do que acontece em Portugal e no Brasil, uma criança pode ser retirada dos pais sempre que há receio de que alguma coisa lhe possa acontecer no futuro, seja em casos de violência doméstica ou em casos de depressão pós-parto.
A cada 15 minutos uma criança é retirada dos pais no Reino Unido. Para evitar a institucionalização, milhares de crianças são colocadas em famílias de acolhimento, que podem receber até quatro crianças. Por cada criança acolhida, a família recebe 700 libras (770 euros) por semana pagas pelo Estado britânico. Agências privadas de adoção lideram um processo que gera anualmente milhões de libras.
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Dados oficiais de março de 2015 mostram que no espaço de um ano 31.100 crianças foram ‘resgatadas’ por um sistema que tem hoje mais de 69 mil menores ao seu cuidado, o número mais alto das últimas três décadas. Atualmente, esse número está próximo dos 80 mil.
Nesse mesmo ano de 2015, 5.050 crianças foram encaminhadas para famílias adotivas num processo irreversível que condena pais biológicos à sentença de nunca mais verem seus filhos. Em 96% dos casos, esse processo ocorre sem o consentimento dos pais. Segundo um relatório do Parlamento Europeu, em resposta a denúncias de adoções forçadas no Reino Unido, todos os países “têm algum mecanismo legal que permite avançar para adoções” sem o acordo dos pais. Contudo, escreve-se, “nenhum Estado exerce esse poder da forma que os tribunais britânicos o fazem”.
Casos concretos
O que aconteceu às mães nesses relatos abaixo acontece todos os dias no Reino Unido, mais de uma vez.
Marilia foi acusada de provocar a morte do filho
O bebê tinha 21 dias quando morreu. Hospital concluiu que se deveu a uma síndrome por tê-lo sacudido em demasiado. Uma autópsia pedida pela mãe concluiu que o recém-nascido teve uma convulsão. Por conta a morte do caçula, a mãe ficou sem a filha de 4 anos, que foi dada para adoção de imediato.
O pesadelo de Lisa
Tudo começou quando o filho mais velho, Lucas, apareceu com nódoas negras no hospital. Suspeitaram de maus tratos e a criança foi de imediato retirada da família. Ele tinha sido agredido por crianças numa loja. A versão de Lucas coincide com a da mãe, mas de nada valeu ao juiz. Há 8 meses, Lisa teve outro filho, Leonardo, e desde então vive vigiada por assistentes sociais numa casa do Estado britânico, em Kent.
A vida destruída de Luci
Luci vivia numa situação de violência doméstica e, com uma ordem de despejo em contagem decrescente, viu a segurança social inglesa retirar-lhe Kalinda, com um ano e cinco meses, e Krishner, de 12 anos. Estávamos em novembro de 2013. Passado pouco tempo, havia candidatos a adotar as suas filhas. Até hoje, não conseguiu recuperá-las.
Todos os exemplos do texto são de famílias portuguesas que residem no Reino Unido. Não encontrei nenhum caso de família brasileira que tenha perdido a guarda dos filhos aqui.
O que diz a lei
A lei é clara e determina que as autoridades municipais no Reino Unido têm o dever de considerar primeiro a possibilidade de encontrar cuidadores entre a família e os amigos, nomeadamente em outros países, antes de considerar a hipótese de adoção. Mas na prática as coisas funcionam de outra maneira. Em quantos casos essas famílias tiveram essa opção considerada?
Existem algumas plataformas para dar suporte às famílias de quem são retirados os filhos: Stop with forced adoption, Pound pup legacy e McKenzie Friends são algumas delas.
Se você quiser mais informações, aqui segue o link de uma série de reportagens acerca de adoções ilegais e filhos retirado de seus pais – um verdadeiro filme de terror.
Guerras diplomáticas
O Governo da Eslováquia ameaçou levar um caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, depois de os filhos de um casal eslovaco residente no Reino Unido serem retirados da família e enviados para adoção, sem que lhes tivesse sido dada a hipótese de ficarem ao cuidado dos avós, na Eslováquia. A reivindicação não chegou a Estrasburgo porque um tribunal superior reverteu a decisão e devolveu as crianças à família.
Portugal procura evitar confrontos diplomáticos: “O Consulado acompanha na medida em que a Convenção de Viena o permite”. Ou seja: sem interferir nos assuntos internos de outro Estado. Contudo, “face a repetidas notícias sobre situações de conflito com a legislação britânica envolvendo nacionais portugueses”, a Embaixada de Portugal em Londres começou a convocar líderes comunitários para uma sessão de esclarecimento sobre retiradas de crianças das famílias, adoções forçadas e deportações.
O comitê das Petições do Parlamento Europeu (PETI) apurou os dados das adoções nos anos de 2015/2016, onde houve 4.690 adoções, sendo apenas 40 autorizadas pelos pais. Esse órgão analisa as adoções sem consentimento ocorridas no Inglaterra e País de Gales. Esses dois países têm o maior número de adoções na Europa e a alguma distância do segundo, a Alemanha, com 3.293.
O PETI recomenda uma maior fiscalização dos procedimentos dos serviços sociais, incluindo a elaboração de um guia de boas práticas em colaboração com todos os estados membros da União Europeia. Refere, também, os protestos da Eslováquia, Letônia e Lituânia contra as práticas com os seus emigrantes.
Para quem tiver interesse, deixo aqui o link do Children Act 2004, onde consta todo o funcionamento para cuidado das crianças, direitos infantis e juvenis (o site esta em inglês).
Outro link que pode ajudar caso você precise de conselhos sobre a lei é este aqui. Há ainda o Latin American Women’s Rights Service, uma instituição que atende mulheres latinas que necessitam de aconselhamento sobre diversos serviços no Reino Unido.
Fontes utilizadas no texto:
http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2016-10-12-Os-filhos-perdidos-em-Inglaterra
6 Comentários
Muito bom seu artigo, porém como profissional do sistema de saúde e uma pessoa que trabalha com Safeguarding em Londres eu acho plausível fazer uma correção extremamente importante no seu artigo.
Aqui ninguém vai tirar um bebê de uma família somente porque a mãe tem depressão pôs parto. Aliás a coisa vai muito alem. O sistema de saúde assim como a assistência social retiram crianças dos pais e as colocam em um “child protection plan” somente quando existe risco eminente a criança, e aqui estou falando somente de saúde mental. Ter depressão pôs parto somente não é um indício para retirada de crianças dos pais, nunca foi e nunca será. Em casos extremos aonde existe psicose, ou mesmo outras doenças mais graves como schizophrenia, bipolaridade aguda, distúrbio de personalidade e outras uma avaliação e feita por profissionais antes de simplesmente “retirar as crianças”.
Eu participo de conferências de casos aonde muitas das crianças não são retiradas dos pais e sim colocadas em plano de ação com o serviço social aonde existirá visitas dos profissionais como a health visitor, Safeguarding midwife (como eu) e a social worker.
Acho que vale a pena corrigir isso pois a depressão por si só já é um tabu que faz com que muitas mães não procurem ajudas quando mais precisam, e colocar algo desta forma em um artigo tão informativo pode passar a informação errada fazendo com que mais mulheres não procurem ajuda achando que se cobrarem os sintomas que estão sentindo o serviço social irá retirar as crianças desta mãe.
Ola Susan,
Eh um enorme prazer ter um comentário seu no meu texto, te sigo ha muito tempo nas redes sociais e acho muito bom poder ter uma pessoa super por dentro desse assunto. Então eu e muitas assim como você citou tem medo da depressão pós parto, acredito que o “boca a boca” nesse caso acabou dando muita enfase ao assunto. Eu não posso garantir se essas matérias são sensacionalistas ou não, mas que eh um tema bastante complexo isso eh. Eu agradeço pelo seu feedback e quem sabe poderíamos combinar uma entrevista e seria tema para o meu próximo e para esclarecimento em relação a esse texto, você topa?
Parabens pelo seu texto!! Brilhante e corajoso. Vivenciei de perto, qdo residia em Londres, tres casos. Sempre tive vontade de abordar o caso e narrar os absurdos q pude ver, Mas me faltou coragem.
[…] a publicação do meu texto Adoções forçadas em Inglaterra, fui contatada por uma brasileira que trabalha há muitos anos aqui no Reino Unido […]
Eu sou brasileira vivendo no Reino Unido, e desde que eu engravidei começou o inferno com as assistentes sociais. Não desejo isso pra ninguém. Vou embora do país, porque prefiro viver longe do pai da minha filha do que ter que me submeter a isso. Eles são horríveis! Minha filha nem nasceu e eles me assediam, fazem ligações, falam sobre ‘visitas voluntárias’ que de voluntárias só tem nome, tudo isso porque meu companheiro recebe benefício pela saúde mental dele, então ele é visto como um potencial perigo pra mim e pra bebê. Nunca pensei em passar por esse pesadelo, sinceramente não sei nem como essas pessoas conseguem dormir a noite. É claro que existem casos e casos, mas sinceramente pra mim isso é uma grande máquina de fazer dinheiro. Nunca me senti tão humilhada e desrespeitada como mulher, como mãe, como brasileira.
E não importa o que você fala, eles só preenchem com as informações que eles querem preencher.
São uns safados mercenários.
Quando meu companheiro disse que eles só poderiam entrar na minha casa com pedido judicial a social worker soltou que ela conseguirá depois que o bebê nascer… resumo, nossa vida virou um inferno desde então. No mês que vem estarei indo embora pro Brasil grávida, sinceramente não sei o que vou fazer da minha vida, já que meu companheiro é inglês. Não sei pra quem recorrer, meu Consulado aconselhou a voltar para o Brasil porque o serviço social é terrível
Ola Bia,
Primeiramente parabéns pela gravidez…Eu compreendo a sua preocupação…Eu desejo que tudo corra da melhor maneira e que vocês possam viver tranquilamente seja onde for…
Um forte abraco.
Juliana