5 curiosidades sobre maternidade na Inglaterra.
Morar em outro país é estranhar a todo momento. Vivo há 8 anos na Inglaterra e ainda tenho a sensação de que estou sempre a um passo atrás. Sabe o sentimento de estar sempre perdendo a piada interna?
A verdade é que não há em minhas memórias referências a um passado que são essenciais para me conectar a toda uma geração. São programas de TV de 30 anos atrás, músicas que marcaram época, brincadeiras de infância, tradições e fatos históricos-culturais que atravessam gerações quase que inconscientemente.
Quando se é imigrante – a não ser que se tenha um parceiro nascido e criado no país onde se vive – demora-se um tempo até de fato se vivenciar a cultura local. Parte da minha vida de imigrante foi em Londres, cidade multicultural, com gente do mundo todo. Em casa, vivendo com outro brasileiro, não saberíamos ser qualquer outra coisa a não ser brasileiros. Na rua, um verdadeiro caldeirão cultural que te faz ser amigo de pessoas do Cazaquistão, sentir cheiro de comida de Gana, ouvir muitas línguas que não faz ideia da onde são e experimentar muitos, muitos novos sabores.
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Londres trouxe o mundo para mim. E eu sou eternamente grata a esta cidade por me permitir viver esta diversidade.
Foi só com a chegada dos filhos, 4 anos atrás, é que comecei a vivenciar uma cultura mais “britânica”. Tive que desbravar o sistema de saúde e de educação, frequentar as bibliotecas públicas, as atividades para crianças do bairro, aprender as musiquinhas infantis, frequentar festinhas. Por eles, decidimos nos mudar para uma cidade menor em busca de melhor qualidade de vida e de melhores escolas.
E uma nova experiência de Inglaterra se adicionou a que eu já tinha! E o aprendizado não para. Sigo aprendendo, estranhando, assimilando…e negando, também!
Separei algumas curiosidades sobre o maternar aqui que podem não ser novidade para alguns, mas que me causaram estranhamento. Estranhamento aqui não tem sentido negativo, tá?
Aborto
Quando engravidei, fui ao GP (clínica do bairro) e a médica perguntou se eu estava feliz com a gravidez. Na hora, achei a pergunta sem sentido, porque de cara pensei: “Mas é claro que estou feliz, como não haveria de estar?!”. Logo depois, me dei conta de que esta pergunta fazia todo o sentido. Diferente do Brasil, aqui o aborto é legalizado e o sistema de saúde está preparado para acolher mulheres com este tipo de demanda. Eu poderia estar numa consulta para anunciar o desejo de terminar a gestação.
Não é porque o aborto é legalizado que você consegue fazê-lo em qualquer esquina. Ele só é realizado em hospitais do NHS (sistema público de saúde inglês) ou em clínicas licenciadas por ele. Antes de tomar a decisão final, é oferecido à mulher aconselhamento psicológico com o objetivo de ajudá-la a refletir sobre a sua escolha e a pesar as opções que tem.
Vale lembrar que o número de abortos vem caindo em países ricos do mundo, onde o procedimento é legalizado e o sistema de saúde pode atuar com informação, acolhimento e acesso a métodos contraceptivos. Veja mais aqui.
Berçário
Não tem berçário nos hospitais. O bebê fica com a mãe o tempo todo, a não ser que precise estar numa UTI. A maioria dos partos acontecem em hospitais públicos. A gestante tem direito a um quarto quando está em trabalho de parto. Depois do parto, as mulheres vão com os bebês para enfermarias. Recentemente, gerou surpresa o fato da duquesa Kate Middleton sair tão rápido do hospital após dar à luz ao seu terceiro filho. Na Inglaterra, este é um procedimento comum se o parto foi normal e tranquilo, podendo-se sair do hospital 6 horas após o parto.
Não se tem o hábito de ir ao hospital para esperar o bebê nascer. Não há uma sala de espera para visitas e nem um berçário vidrado onde as famílias possam ver o bebê. Os familiares aguardam em casa. Como a maioria vai para uma enfermaria, não há estrutura para receber visitas. Os horários são limitados e o número de visitantes também.
Pediatra
Aqui as crianças não são acompanhadas pelo pediatra. Assim que nascem, a família recebe em casa a visita de uma Health Visitor – que é uma agente de saúde que trabalha com a comunidade. Elas são enfermeiras/obstetrizes treinadas para trabalhar no território. Nesta visita, elas avaliam como a mãe está se sentindo, se está com suporte, se há algum risco de depressão pós-parto, informam sobre os grupos de suporte à amamentação, sobre vacinação e como será o acompanhamento do bebê até os 5 anos.
Geralmente, as health visitors atendem nos próprios GPs ou em centros sociais num esquema drop-in, ou seja, sem precisar marcar. Elas te informam quais são e onde se localizam os pontos de atendimento e você tem que levar a criança a cada período de tempo para pesar, medir e tirar qualquer dúvida sobre introdução alimentar, amamentação, desenvolvimento do bebê, etc.
Ainda, de tempos em tempos, há uma checagem mais detalhada de desenvolvimento. Elas podem encaminhar para especialistas, caso achem necessário.
Portanto, não se vê o pediatra nunca e ninguém tem contato pessoal de um profissional que conheça a criança. A cada visita a Health Visitor ou ao GP, um profissional diferente atende o seu filho. Os pediatras ficam nos hospitais atendendo casos específicos.
Resumindo, o acompanhamento do bebê e outras dúvidas do dia a dia é feito pelas Health Visitors. E se a criança ficar doente? O caminho é o mesmo de um adulto. O primeiro lugar a ir são os GPs (clínica do bairro), onde o seu filho (a) será visto por médicos generalistas. Se for necessário, o GP faz um encaminhamento para tratamento especializado. Em casos emergenciais, são os hospitais que acolhem.
Brincos em crianças
Aqui não se tem o hábito de furar as orelhas das crianças. Eu nem reparava que as crianças não usavam brincos. Um dia, lendo uma reportagem que falava sobre “piercing” em bebês, eu, em nenhum momento, achei que se tratava de furar as orelhas. Usar brincos desde bebê é tão natural e comum no Brasil que nem podia imaginar que esta prática era uma questão aqui. Veja a polêmica aqui e aqui.
Acabei, anos depois, tendo uma filha e decidi não seguir a tradição brasileira. As escolas primárias não recomendam usar brincos porque não acham seguro, enrola no casaco, no cachecol, as brincadeiras são mais físicas, tem risco de inflamação e eu achei bem lógico o argumento.
Eu sempre fui alérgica e sofri com inflamações na orelha desde pequena. E, realmente, é uma responsabilidade a mais para as meninas terem que cuidar de brincos, pois estão na fase de brincar e de se esbaldar. Acabei optando pela praticidade.
Ah, mas depois vai doer….ouvi isso de muita gente. Mas dói para o bebê também! Então, qual a diferença? Eu, adolescente, quis furar meu nariz, fazer segundo furo na orelha, fui com amigos e fiz. Doeu na hora, mas hoje nem me lembro mais.
Aqui é a mesma coisa. As meninas passam por este ritual de furar a orelha com as amigas, quando estão mais velhas. Então, vou deixar para minha filha verbalizar o interesse de se furar e de usar brincos, no tempo dela e na hora dela.
Para quem quiser furar, algumas lojas Claire’s fazem o procedimento em bebês acima de 3 meses.
Festas
As festinhas são muito diferentes também. A duração da festa é de 2 horas, com hora para começar e terminar. O convite não é extensivo aos irmãos e não tem comida para os adultos e muito menos bebida alcoólica. Se é num parquinho, as crianças brincam por 1h30 e, nos 30 minutos finais, todas se sentam juntas numa mesa para lanchar e cantar parabéns (sem palmas).
Neste lanchinho, geralmente, tem cenoura e pepino crus, tomate cereja, húmus, biscoitos, salsichas, batata frita de saquinho, pizza e refresco. Não tem mesa com docinhos, decoração, bolo exposto, nada disso! O bolo chega, as crianças cantam parabéns e depois é cortado e colocado na party bag (a lembrancinha).
Meu filho é louco por bolo. Lembro da primeira festinha que fomos juntos. A primeira pergunta foi “Cadê o bolo, mamãe? Não tem?”. Nestas horas a gente agradece que a conversa está em português. Ufa, o bolo apareceu, parabéns cantado e logo desapareceu novamente. Meu filho não queria ir embora sem o bolo. E nada do bendito voltar. Será que já distribuíram e não vimos? Será que é um bolo falso só para cantar o parabéns? Eu estava mais perdida que ele.
Sem intimidade para perguntar, o jeito era ir embora sem o bolo, “propinando” o pequeno com um outro bolo num outro lugar para evitar birras constrangedoras. Na saída, abrimos o saquinho da lembrança e voilá, o bendito estava lá para salvar o meu dia e a nação.
A lista de curiosidades não se esgota. E você, tem alguma história para contar?
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